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quinta-feira, 25 novembro 2021 13:21

Igualdade de protecção dos direitos dos moçambicanos no estrangeiro pelo Estado moçambicano

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  1. Contextualização

“Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.” É o que está consagrado no artigo 35 da Constituição da República de Moçambique (CRM), o qual está em harmonia com determinados instrumentos internacionais de direitos humanos de que Moçambique é parte, quais sejam: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, só para citar alguns. Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: “Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos.” De acordo com estes instrumentos legais, o Estado moçambicano tem a obrigação de garantir a protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos seus cidadãos no território nacional e no estrangeiro.

 

  1. Caso Manuel Lourenço Cossa

 

Cidadão moçambicano e jornalista de profissão, ao serviço do Jornal Semanário, Magazine Independente, na Cidade de Maputo, foi vítima de violação do seu direito fundamental de livre circulação, dignidade humana e integridade física pelas autoridades angolanas, no dia 11 de Agosto de 2011, quando se encontrava no Aeroporto de Luanda prestes a entrar para o território angolano em missão de serviço.

 

Na verdade, Manuel Cossa fora convidado pelo Centro de Formação de Jornalistas de Angola, em parceria com a Gender Links, para participar duma formação de capacitação de jornalistas na área de economia e género em Luanda, entre os dias 12 a 15 de Agosto de 2011, particularmente dirigida a jornalistas da SADC. Na sequência, o referido cidadão solicitou o competente visto à Embaixada de Angola em Maputo para poder entrar legalmente neste País, ao que lhe foi concedido conforme as regras de concessão do visto na altura.

 

No entanto, o mesmo foi interdito de entrar no território angolano pelos Serviços de Migração Estrangeiros sem nenhuma explicação. A interdição foi feita com recurso a ameaças, maus tratos, incluindo a violação da integridade do seu passaporte que fora riscado como se de criminoso e imigrante ilegal se tratasse, tendo sido repatriado de imediato para Maputo em circunstâncias de muita humilhação, tendo ficado sem alguns dos seus instrumentos de trabalho, com destaque para o seu computador portátil.

 

Pelo sucedido, Manuel Cossa juntamente com a sua entidade empregadora, o Jornal Magazine Independente, apelaram às  autoridades moçambicanas, particularmente o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, para junto ao Estado angolano esclarecer esta situação e reparar os danos sofridos pela violação, mas nada foi feito de que tivesse sido dado a conhecer à vítima, em protecção dos seus direitos.

 

Ao agir da forma como agiram, as autoridades angolanas puseram em causa não só o direito de livre circulação e dignidade da vítima, como também desprezaram e ignoraram a Constituição da República de Moçambique, na medida em que violaram, arbitrariamente, um passaporte (documento do Estado) legalmente emitido pelos Serviços de Migração de Moçambique sem fundamento que justificasse tais actos. Importa aqui referir que, durante muito tempo, Manuel Cossa ficou numa situação de não saber se podia seguramente viajar para o território angolano.

 

Nos termos do disposto no artigo 55 da Constituição da República de Moçambique e da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de  que Moçambique e Angola são parte, todos os cidadãos gozam do direito de livre circulação no interior e exterior do território nacional, desde que não estejam judicialmente privados desse direito. Quanto a Manuel Cossa, não existe nenhum registo de privação de circulação. Pelo que os actos das autoridades angolanas constituíram, entre outros, violação do seu direito de livre circulação em Angola, uma vez que tinha todos os requisitos legais para o efeito.

 

Assim, no ano de 2012, Manuel Cossa recorreu ao Tribunal Administrativo pedindo o reconhecimento e protecção do seu direito fundamental de livre circulação, integridade física e dignidade humana e, em virtude disso, para que o Estado moçambicano fosse condenado a tomar todas as medidas necessárias para interceder junto ao Estado Angolano com vista à reparação dos danos causados à vítima e a pagar a devida indemnização por perdas e danos derivados das violações em causa.

 

Após oito anos de batalha judicial, em Novembro de 2020, o Plenário do Tribunal Administrativo, através do Acórdão n.º 75/2020, negou provimento ao pedido de Manuel Cossa e deu por encerrado o caso, alegando que, na sequência do sucedido, houve correspondências entre o Estado moçambicano e o Estado angolano, através dos quais, o Ministro das Relações Exteriores, em nome do Presidente da República de Angola, apresentou desculpas ao Governo Moçambicano, no quadro do poder discricionário dos dois Estados à luz dos artigos 47 e 48 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos que permitem o pedido de desculpas como forma satisfatória de resolução do problema.

 

Todavia, nunca houve pedido de desculpas formais, nem por outra forma, para com a vítima, ao qual nunca foi dado a conhecer resultado de quaisquer correspondências, nem de que forma terá o Estado moçambicano garantido a reparação dos direitos violados pelas autoridades angolanas. Em bom rigor, no presente processo, o Ministério Público promoveu a improcedência do pedido nos termos decididos pelo Tribunal Administrativo.

 

  • Caso Albertina Mabasso

 

Esta cidadã moçambicana, residente na Matola, Província de Maputo, no ano de 2011, foi vítima de amputação brutal do seu dedo polegar esquerdo, acto perpetrado por um dos agentes da polícia sul-africana no posto fronteiriço de Libombo na Província de Mpumalanga, território sul-africano, bem próximo da fronteira de Rassano-Garcia, alegadamente por estar a transportar e vender cabelos artificiais. O autor deste acto violento ficou impune e à vítima não lhe foi concedida uma assistência legal condigna e em tempo útil para a devida reparação dos danos causados, não obstante ter havido denúncia ao Estado moçambicano para o devido apoio jurídico e o caso ter sido bastante noticiado e debatido na imprensa. O autor deste artigo não encontrou informação clara, no domínio público, sobre o desfecho final do caso pela intervenção do Estado.

 

  1. Xenofobia na áfrica do Sul

 

Desde o ano de 2008 que os casos de xenofobia contra os cidadãos moçambicanos, entre outros africanos, têm intensificado. No entanto, escasseia informação detalhada no domínio público que demonstra a prática de esforços eficazes do Estado moçambicano junto ao Estado sul-africano em defesa dos moçambicanos vítimas de acções de xenofobia na África do Sul.

 

  1. Caso Manuel Chang

 

No contexto do famigerado caso das dívidas ocultas e do libelo acusatório da justiça norte-americana sobre este processo, no dia 29 de Dezembro de 2018, as autoridades sul-africanas detiveram, no seu território, o antigo Ministro das Finanças e Deputado da Assembleia da República, Manuel Chang, a pedido das autoridades americanas para a consequente extradição do mesmo para os Estados Unidos da América. Desde então, o Estado Moçambicano, fundamentalmente através da Procuradoria-Geral da República (PGR), tudo tem feito para garantir a defesa de Manuel Chang, que não é Cossa, com vista a ser extraditado para Moçambique.

 

Dos variadíssimos esforços que estão a ser levados a cabo pelo Estado moçambicano desde o ano de 2018 até ao presente momento para a defesa de Chang na África do Sul, destaca-se a informação, ainda que não detalhada, de gastos de muitos milhões de meticais para pagar honorários dos advogados constituídos a favor de Chang e outras despesas relativas a este caso. Aliás, o Estado tem elaborado vários documentos e comunicados de imprensa que demonstram o seu vigor e interesse directo em defender Chang no estrangeiro.

 

  1. Concluindo

 

Tendo por base os casos supra descritos, parece que os cidadãos moçambicanos não têm igual tratamento, em termos de protecção dos seus direitos no estrangeiro, pelo seu próprio Estado que revela escolher a quem garantir pronta protecção dos direitos além-fronteiras. Afinal, que critérios estão a ser postos em prática para a efectiva garantia de defesa dos moçambicanos no estrangeiro ou cujos direitos são violados por autoridades estrangeiras?

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

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