Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
quarta-feira, 03 novembro 2021 09:27

A banalização da vida humana!

Escrito por

O mundo está cada vez mais violento. Cresci acreditando que se o fim da vida é a morte, todos os seres humanos conscientes deveriam esperar que os valores das suas vidas fossem respeitados até às últimas consequências. Mas, infelizmente, o que acompanho nos últimos dias é que estou num mundo atípico, em que a vida se encontra banalizada como escreve o Professor Hebert Schütz (2013) "nos dias actuais, a banalização da vida humana é uma realidade. Crimes brutais têm se tornado frequentes por motivos irrisórios como dívidas, intolerância, impaciência e raiva generalizada. Tal situação torna o ser humano frívolo e apático com relação à vida".

 

O trecho acima escrito, embora seja num contexto particular, acaba tornando-se num pensamento abrangente e porque não universal, uma vez que actualmente em cada "mundo de vida (Jürgen Habermas)" ou seja, em cada história de vida que um determinado homem carrega, demonstramos que estamos muito longe do paraíso e nas barbas do inferno. Hoje, todos nos deparamos ou ouvimos sobre o pesadelo da violência que abala quase todas as famílias e sociedades globais. O homem hoje repete a história que caracterizou sistemas de governos violentos como o nazismo, o fascismo, o totalitarismo e outros que reinaram banalizando vidas.

 

O que se vive nas sociedades actuais enquadra-se numa leitura profética sobre a banalidade do mal ou do homem, conforme defendia Hannah Arendt, no princípio segundo o qual a banalidade do mal "é um fenómeno de recusa do carácter humano do homem, alicerçado na negativa da reflexão e na tendência em não assumir a iniciativa própria de seus actos". Ou seja, Hannah Arendt entendia que o ser humano está limitado pelo movimento de alienação e banalização do mal, e de facto é o que assistimos hoje, uma sociedade em que o valor humano desapareceu em muitos seres, talvez estejamos perante uma nova espécie animal!

 

Com o dito nas alíneas anteriores, o que pretendo expor e conjuntamente reflectirmos é sobre a praga de assassinatos hediondos com que nos deparamos e acompanhamos através de diferentes plataformas de internet e no nosso dia-a-dia. Há sensivelmente três anos, num conselho editorial do Jornal onde trabalho, o meu Director orientou-nos a cobrir a insurgência em Cabo Delgado e, por "ironia do destino", fui escolhido para trabalhar com o Jornalista Amade Abubacar que estava baseado em Macomia. 

 

No trabalho que desenvolvemos, Abubacar acabou sendo detido e maltratado estupidamente pelo governo que o deveria proteger e permitir que ele desempenhasse naturalmente o seu trabalho – dar voz aos oprimidos e colocar as histórias de vida de cada cidadão no papel e para o conhecimento de todos. Mas não foi assim – por mais de quatro meses a sua vida e dignidade foi banalizada pelo detentor da força legítima – o Estado de Direito e de Soberania.

 

Já sozinho e comprometido com a ordem do conselho editorial, uma das primeiras coisas com que me deparei foi o facto de receber sempre das minhas fontes imagens de pessoas decapitadas ou despedaçadas. 

 

Nos primeiros dias por várias vezes indaguei-me sobre as imagens, questionando-me afinal que indivíduos eram aqueles que banalizaram tanto assim a vida humana? Porque cometiam actos tão hediondos? O que leva um ser humano a tirar a vida (o maior valor do homem) de um ser igual de tal modo? O que ele quer que tenha tanto valor assim, ao ponto de ultrapassar a vida do outrem? Confesso que nunca encontrei respostas destas questões – e continuo indagando até hoje. Mas a situação em Cabo Delgado ainda é infernal – corpos ainda são encontrados decapitados – a vida das pessoas não tem nenhum valor para os terroristas!

 

Há dias, recebi imagens hediondas de um amigo virtual e no aludido vídeo quatro homens agridem brutalmente uma mulher indefesa. A mulher estava nua, gritando, chorando e era arrastada como se de um "troféu de caça" se tratasse. O homem que no vídeo se comunicava num dialecto de origem nigeriana foi chicoteando a pobre jovem em todas as partes do corpo – até na sua "menina" (vagina).

 

A violência foi tanta que não consegui ver o vídeo até ao fim – enquanto assistia, lancei lágrimas! Imaginei-me no lugar dela, passando por tudo aquilo. O caricato é que as imagens vinham acompanhadas com uma foto da moçoila numa banheira com a parte do tórax toda removida, ou seja, sem o coração e outros órgãos humanos. Quando questionei o jovem disse que a situação havia acontecido na África do Sul e que a mulher era de nacionalidade moçambicana e que se tratava de um casal, sendo que a mesma já não queria mais nada com o tal homem.

 

Horas depois, uma outra versão surgiu, de que a pobre jovem havia sido aliciada via redes sociais e terá se dirigido para o local acreditando que ia ao encontro de um novo amor, que na verdade era um assassino psicopata, sociopata e misantrópico que aguardava para a banalizar e zombar da sua vida.

 

A par da situação, dias depois acontecia um acto hediondo na Cidade de Maputo, de uma pessoa que eu tanto admirava em vida – a conservacionista Lara Muaves – foi barbaramente assassinada por um indivíduo conhecido por ela – estranhamente perante a autoridade, o mesmo disse que tinham um caso amoroso! Fiquei em choque quando ouvi o ASSASSINO confessando e alegando arrependimento pelo acto bárbaro que acabava de cometer (…)!

 

Na senda das desumanidades, uma história de banalização da vida humana “viralizou” nas redes sociais. Desta vez, de uma jovem mulher na casa dos 20 anos de idade, cheia de vida e sonhos por materializar, mas que foram cruelmente interrompidos. Alegam as demais línguas, a jovem foi assassinada por uma mulher insurgente que se terá revoltado porque a finada, supostamente, era amante do esposo. 

 

No vídeo, aparece uma mulher e um homem esfaqueando e decapitando a pobre mulher deitada no chão e sem força.

 

Semelhante aos casos acima descritos, acontecem em Moçambique e pelo mundo fora vários casos similares, demonstrando que estamos a viver num mundo banhado por psicopatas. Estamos a viver numa sociedade doente. Estamos banalizando a vida humana! O caricato disto tudo é filmar barbaridade a ser feita. É publicitada a insensibilidade humana. Elas embruteceram cada vez mais uma sociedade já brutalizada. É promovermos mais o ódio e a guerra que o amor e a paz!

 

Não sei que futuro podemos esperar dos nossos filhos, se estamos a ser maus adultos. Às vezes sinto que estamos a viver no autêntico estado natural ao estilo de Thomas Hobbes, guerra de todos contra todos. As pessoas hoje estão mergulhadas numa guerra interior intensa. O fogo do ódio arde pelo coração e só aguardam pela oportunidade mínima para libertar o dragão assassino que está no seu íntimo.

 

A perfeição da criação humana perdeu-se com o tempo. Hoje o mundo tornou-se numa selva de carnívoros apenas. Nas cidades habitam felinos famintos atrás de uma presa fácil, que pode ser barbaramente assassinado simplesmente por ter um telemóvel diferente ou mesmo um sapato barato engraxado. Nesta selva de abutres ninguém está salvo. Se não és raptado, espancam-te, violam-te física e sexualmente, ou seja, banalizam a sua vida!

 

Deste modo, precisamos repensar nas nossas leis. As sanções a aplicar para indivíduos que banalizam a vida de um ser humano com carne, sangue vermelho, esqueleto, cérebros, dois membros superiores e dois inferiores, elementos que o assassino tem, mas trata o outro como uma cenoura. Se em Cabo Delgado, os terroristas matam e obrigam crianças e os jovens recrutados a beberem o sangue e comer carne humana, o que podemos dizer de alguém que reside na cidade de Nampula, Quelimane, Beira e Maputo que esfaqueia, decapita, rouba e incendeia lojas, viola, mata e leva o corpo lança numa vala de drenagem. Não estaremos diante de um terrorista, também? (…)!     

Sir Motors

Ler 3078 vezes