A nossa casa havia sido concebida pelo meu próprio pai. Nem sequer eu e meus irmãos tinhamos noção da existência de um arquitecto. Era formada por dois compartimentos, sendo uma casa grande e uma dependência. A casa grande tinha dois quartos, uma dispensa, uma sala e um corredor. Num quarto dormiam os nossos pais e noutro a minha irmã e as minhas primas. Na dependência havia três quartos erguidos em forma de comboio, sendo que um quarto era reservado as visitas e eu e o meu primo ocupávamos os outros dois.
O dia começava cedo em Memba. Quando o anúncio do adine da mesquita central se espalhava pelo bairro, tratavamos de acordar para iniciar as tarefas domésticas que eram distribuidas entre todas as crianças, independentemente do sexo. Todos nós faziamos a limpeza, lavavamos os pratos e iamos a torneneira acarretar água. A única diferença que existia entre meninas e meninos era na hora de dormir, com as meninas a seguirem para o seu quarto na casa grande e os meninos aos seus quartos indivuduais na dependência. Eu e o meu primo eramos únicos com nossos próprios quartos, porque nem mesmo o meu pai conseguiu ter seu próprio quarto, tendo que dividir um com a minha mãe.
Depois das actividades domésticas, todos nós seguiamos a escola. Meu pai e minha mae para trabalhar e nós para estudar, sendo que cada um tinha o seu horário e as tarefas domésticas eram distribuidas em função do horário escolar. Aos fins-de-semana jogávamos nome-terra, liamos estórias e faziamos concursos sobre quem conhece melhor geografia, história, matemática e cultura geral. Minha mãe elaborava os jogos e nós concorríamos, sendo que o vencedor era dispensado de algumas actividades domésticas para ir jogar futebol no salão. É assim que eu me esforçava a decorar conteúdos de várias disciplinas e me cultivar com livros e atlas na biblioteca comunitária de Memba para conseguir vencer as competições para que me sobrasse tempo para jogar futebol no salão da Escola Primária Completa de Memba-Sede.
Aos feriados, todos seguiamos a praça dos heróis. Assistiamos a deposição de coroa de flores e iamos ouvir grupos de tufo, makwaela, woroko, nsope e de vez enquanto, nivulule, ekerekere e mattapa. Seguia-se a um discurso do senhor administrador e iamos a casa, onde comiamos arroz, feijão, carne, e tomavamos sumos e refrescos. Beber água e tomar chá de chabalacate não nos dava prazer, por isso não que recordo de forma romântica. O meu pai abria um garrafão de vinho tinto e tomava com seus colegas e nas conversas falavam assuntos da escola, dos alunos, planificação, pontualidade, avaliação de controlo sistemático, avaliação de controlo parcial e outras expressões que não percebia. Falavam inclusive do aparelho do estado e como tivessemos em casa um aparelho de marca “pansonic” com duas boas de entrada de cassete julgava que o aparelho do estado fosse um “philips” muito grande, que talvez tivesse oito bocas de cassete. Nas conversas entre os meus pais e seus amigos, ouvia falar do regulamento interno da escola e ficava a pensar que a escola também usa camisas que devem ser colocadas dentro das calsas.
Um dia destes meus pais usavam uma camisete amarela, com um simbolo que continha um livro, umas sigla e seu significado “ONP-Organização Nacional de Professores) e uma frase de que me recordo que vinha estampada: “Em formação de professores não se improvisa, investe-se”. Talvez seja isso que eles tentaram fazer com os seus filhos e alunos, investir neles para que fossem cidadãos em pleno exercício de seus direitos.
Felíz 12 de Outubro – Dia do Professor de Moçambique