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quinta-feira, 09 setembro 2021 08:24

A minha derrocada

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A pior coisa que te pode acontecer na vida, é chegares a um ponto em que não tens onde ir, e eu atingi essa nefasta fasquia. Perdi a capacidade de criar novos cenários. O mais grave é que nem a mim mesmo consigo recriar. Quero levantar voo e as asas vacilam. Recusam. Aliás, apercebi-me de que já nem asas tenho. Revisito os pulmões podres que tenho, queimados ao longo dos anos pelo fumo, e sinto que me resta pouco oxigénio. Vou às veias por onde o sangue vai passar, e o diagnóstico é por demais perfurante, o coctail de comprimidos que andei a tomar na busca incessante e inglória pela liberdade, e pelo levitar dos loucos, retiraram-me toda a vitalidade, sobrando apenas esta carcaça sem imunidade, que vai deabulando ao acaso à espera da derrocada final.

 

Todos aqueles que tentaram ajudar-me na luta contra o diabo que me domina e manipula, largaram as armas. Capitularam. Foram vencidos. E o que sobra é  o meu esqueleto, que já não tem onde ir nesta longa espera de cair como um mabeco que caminha nas matas com as vísceras à mostra. Mas eu continuo a guerrear por dentro,  contra essa sombra tenaz que me derrota todos os dias, por isso estou aqui hoje sentado como sempre, na minha marginal. É o único lugar onde posso  ainda encontrar a paz enquanto aguardo pela hora. É bom estar aqui onde não passa ninguém. Quase ninguém. Ao contrário de outros lugares onde as pessoas estão sempre a fazer-me perguntas, como se eu soubesse alguma coisa.

 

Abdiquei das barracas, e estou aqui. Sem cerveja, sem nada, na ansiedade da espera pela morte que demora. A minha alma entra em harmonia com a carcaça putrefacta que me tornei, por isso já não tenho medo de morrer. Estou à espera tranquilamente como nunca. Vou escutando  vozes em sussurro que me chegam aos ouvidos, como o hulular das palmeiras que se erguem do outro lado da baía. São vozes que falam em forma de música, ao mesmo tempo que oiço animais abomináveis vacalizando as canções de Lúcifer, cujo côro será o ranger dos dentes nas sombras da morte por onde eu já estou a passar sem temer.

 

Estou a ser disputado, e o que me rigozija é que o meu último reduto jamais será abalado. Continua a cantar mensagens que me afagam, dizendo, não te preocupes meu filho, Eu estou aqui, ao teu lado. Sorrio e já não me preocupo com os que olham para mim e dizem assim, este gajo, mais dia menos dia vai partir a cambota. O que eles não sabem é  que a minha cambota, na verdade já quebrou, e o que me mantém ainda de pé são os estilhaços dos meus ossos que daqui a pouco vão descer.

 

É linda a morte, e eu vou morrer aqui, sentado neste banco contemplando os poucos flamingos que ainda sobrevivem à chacina. Vou continuar aqui sem cachaça, sem nada. Sem o conctail de comprimidos que me fez perder o horizonte. Sem fumo, sem nada, ouvindo de um lado a música sinistra orquestrada pelas farpas de balzebuba, e por outro lado as canções saídas das harpas que me dão paz nesta longa espera pela minha derradeira derrocada.

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