Sim. O título lembra e foi inspirado na “Velha Xica” do agora saudoso músico angolano Valdemar Bastos (1954-2020). Tive o privilégio, ainda miúdo, de o ver cantar e encantar nos idos anos oitenta. Corre-me ainda na veia o sangue dessa quente e memorável noite. Depois que soube da sua partida, a 09 de Agosto, procurei por essa noite na Internet e não encontrei. Agora temo que tenha sonhado. Seja como for, dessa noite, lembro-me do olhar silencioso dos mais velhos quando Valdemar Bastos cantou a “Velha Xica”. Hoje, e distante desse momento, penso que a razão do tal olhar silencioso dos mais velhos, então jovens/adultos e outrora, na era colonial, meninos admoestados pela vovó Xica para que não falassem política, justifica-se porque também perguntavam, com Valdemar Bastos, “Qual era a razão daquela Pobreza/Daquele nosso sofrimento”.
O tempo passou e os meninos da velha Xica, os miúdos do antigamente, agora são titios e avozinhos. E é para eles, sobretudo os de matriz urbana – que depois da independência eram jovens/adultos - que vai abaixo uma música adaptada e inspirada da “Velha Chica”, que a par de “Muxima”, outro clássico do imortal Valdemar Bastos, neste final de semana, entre amigos e em jeito de homenagem ocasional, fizeram parte da fogueira até o sol de Agosto voltar a raiar.
Dito isto, caríssimas leitoras e leitores é tempo de "ouvir”: os meninos da velha Xica!
Depois da independência, um titio lá do prédio/Trabalhava na Loja do Povo (2x)
E à janela da sua flat ou na rua ele via uma viatura Lada a passar/Era o dirigente importante (2X)
E nós os miúdos lá do prédio/Perguntava-mos ao titio/Qual era a razão daquela nobreza/Daquela vénia e do nosso silêncio (2x)
Xê titio tinha medo da política/ Tinha medo da política/ tinha medo da política (2x)
Mas o titio era estudado/Ele sabia, mas não dizia a razão daquela vénia e do silêncio (2X)
Xê titio tinha medo da política / Tinha medo da política/ tinha medo da política (2x)
E o tempo passou e o titio, só mais velho ficou/E ele somente tinha a casa do APIE que vendeu/E agora vive no bairro, na casa de madeira e zinco da sua infância (2x)
Xê titio tinha medo da política/ Tinha medo da política/ tinha medo da política (2x)
Mas quem vê agora/O corpo e o rosto daquele titio, daquele titio/Já não vê as curvas da vénia e as rugas do silêncio, do silêncio, do silêncio! (2x)
E ele agora só diz:
- Xê menino posso partir, posso partir (2x)
- Xê menino posso partir/já vi Moçambique democrático! (2x)
E os meninos do bairro dizem:
Xé titio fala política/Fala política/fala política (2x)
E assim também foi um jeito de recordar Moçambique com toque de Angola e em tripla homenagem: ao Valdemar Bastos, pelo legado da música e da reflexão; aos titios/avozinhos de hoje, os jovens/adultos e meninos de ontem, pelos desafios enfrentados em tempos difíceis e com memórias, ainda, por contar/escrever; e por último, mas não menos importante, aos que apreciam ouvir, cantar, dançar e reflectir com Valdemar Bastos. Saravá!