Estacionaram o carro em frente ao botle store ao lado da Associação dos Escritores Moçambicanos, na Avenida 24 de Julho. É manhã solarenta, e o movimento pacato surpreende uma cidade buliçosa que parece degenerar a cada dia que passa. Não há viaturas por sobre os passeios, mas a explicação para isso está subjacente no facto de que maior parte desses meios, são trazidos de fora da urbe em dias normais de trabalho. E hoje é sábado. Mesmo assim, em termos de expectativa não muda muita coisa, ou seja, há uma certeza inabalável de que Maputo é um espaço cosmopolita que não sabe muito bem para onde vai. Pode ser que esteja a avançar para o caos, porque os conglomerados habitacionais que surgem imparáveis em todo o perímetro, parecem querer sufocar a história das acácias. Não há alternativa. Todos acordam e vêm para o centro, em bandos como pássaros desesperados, para encher os pulmões de oxigénio contaminado.
Da porta da frente, do lado esquerdo, sai um deles. São quatro. E dirige-se directamente à loja de bebidas, de onde pouco tempo depois volta com duas garrafas de Ballatin´s, e mete-se novamente no mirabolante BMW com vidros fumados. Lá dentro estão bem, com ambiente climatizado. Têm gelo no pequeno coleman e copos que vão ser imediatamente abastecidos, porque não há tempo a perder. O tempo ruge. Por isso, antes de saírem da linha de partida, é preciso bater um gole-um gole, cada um. E foi isso que fizeram. Beberam numa espécie de ritual, e sentiram o escorrer do corpo. Entregue à bebida que lhes vai dar uma falsa sensação de bem estar.
A viatura sai suavemente das “boxes”, onde, no lugar de os ocupantes trocarem os pneus, compraram duas garrafas de ballatin,s para festejarem a viagem que os levará a Chongwene. O motor é imperceptível, mas a máquina não deixa de chamar a atenção pelo seu lustro. Viraram à esquerda, pela “Salvador Allende”. Desembocaram na “Keneth Kaunda”. Tornaram à direita e desceram até à Costa do Sol, passando pela Praça 25 de Junho, acabando por entrar na imponente “circular”.
Neste troço, até à EN1, já em Marracuene, eles estão em plena ascenção. Têm tudo. Incluindo a ilusão de que são felizes. Aliás, o ballatin,s reforça-lhes essa sensação. É por isso que depois de cada gole, querem logo a seguir outro gole, na procura profusa pela órbita que lhes transmitirá a estabilidade. Mas não há a menor dúvida de que são doidos. Não sabem que tudo aquilo é uma fantasia.
Na EN1, o condutor certifica-se de que está tudo em ordem. Pergunta aos companheiros se “podemos bazar”, como se todos os movimentos que fizeram até ali, fossem um simples ensaio. Os outros responderam que sim, “podemos bazar, brada, pisa essa merda”. Na verdade o jovem pisou fundo no acelerador de uma viatura de caixa automática, que em menos de três minutos tinha o ponteiro a oscilar entre os 180 e 220 quilómetros à hora. É uma loucura. Naquela velocidade eles estão pendurados por fio. Porém, têm dois elementos que lhes impede de perceber isso: a estabilidade do carro, o conforto, e o ballatin,s.
Quando chegaram à Macia, depois de rasgarem a espectacular paisagem oferecida pelo canavial de Xinavane, um deles perguntou, já estamos na Macia! O condutor disse assim, “avia lá o meu copo, meu caro, está vazio!”. Bebeu num trago. E daqui para frente perdeu completamente o medo. Os outros também.
Aí vão eles, sem saberem que a morte lhes esperava na planície de Xai-Xai. Passsam de Chicumbane como um meteorito, deixando as pessoas pasmadas. Assustadas. Mas o que é isto! Os jovens minimizam todos os perigos. Já não estão em condições de descernir. E a morte sorria. Sinistra. No cadafalso onde o BMW saíu da sua faixa de rodagem e foi contra um tractor estacionado. O resto ninguém sabe explicar. “Só vimos chamas”!