Em evento ontem realizado, que se convencionou chamar de conferência de imprensa, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) disse, respondendo às perguntas de jornalistas, que nada podia fazer face às notícias postas a circular sobre as alegadas violações às regras do jogo democrático-eleitoral, supostamente porque não havia nenhuma queixa a propósito.
As sobreditas violações tiveram como figuras de cartaz cidadãos filiados ou associados aos três principais partidos políticos do país, nomeadamente Frelimo, Renamo e MDM, em doses desiguais.
O que o STAE disse na “conferência de imprensa” de ontem é por demais grave, dadas as responsabilidades dos órgãos de gestão eleitoral em situações tais.
O STAE é, como se sabe, braço operacional da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que, igualmente, parece não ter “movido palha”.
O acórdão do Conselho Constitucional (CC) atinente à validação das eleições autárquicas se 2013, as quartas, fixou, de forma clara e cristalina, um comando que deveria ser apanágio da actuação dos órgãos eleitorais naquele tipo de situação:
“A CNE é um autêntico órgão de administração eleitoral activa, com amplos poderes legais de intervenção em todas as fases e actos do processo eleitoral, com vista a garantir que os mesmos decorram em condições de liberdade, justiça e transferência. Isto significa que a CNE pode e deve, ex-officio (NA: oficiosamente, ou seja, sem queixa nenhuma, a partir do momento que toma conhecimento), proceder à fiscalização de quaisquer actos, quer do recenseamento, quer do processo eleitoral, adoptar, pontualmente, as diligências que julgar mais adequadas à reposição da legalidade eleitoral, sempre e quando esta se mostre violada, seja por órgãos subalternos de administração eleitoral, seja por quaisquer outros actores dos processos eleitorais” (Acórdão número 4/CC/2014).
O que será, então, fiscalização (que incide sobre o controlo da legalidade dos actos dos órgãos subalternos) e supervisão (que visa o controlo da legalidade e eficiência da acção administrativa, qual poder vinculado de controlo da legalidade) eleitorais, prerrogativa dos órgãos eleitorais que consta da Constituição (artigo 135) e de todas as leis eleitorais, se estes órgãos públicos só podem agir havendo queixa?
Em boa verdade, o forte da supervisão é o poder jurídico de revogar, substituir ou anular os actos objecto de controlo de legalidade. É o que esses órgãos não estão a fazer. Isto não precisa de queixa alguma. A inacção dos órgãos eleitorais configura, pois, uma renúncia às suas competências, o que viola o poder de decisão.
Estamos, do mesmo modo, perante uma clara violação do princípio da legalidade da competência, segundo o qual esta não se presume, muito menos se renuncia!
Não se tendo agido pontualmente, o processo eleitoral em curso já se acha infestado de um insanável vício de ausência de credibilidade, o que, no limite, até pode afectar o projecto de pacificação ora em fase avançada.
Não valesse o princípio da tipicidade, associado à proibição da extensividade interpretativa, em sede do Direito Penal, este tipo de inacção deveria ser equiparada ao tipo legal de crime de traição à pátria.
Um ‘non facere’ problemático esta acção por omissão da CNE-STAE!!!