Toda a plataforma dos bitongas está a diluir-se, não me canso de repetir isso e não tenho muitas dúvidas de que a água mole seja incapaz de furar a pedra. Dói, mas essa é a verdade subjacente no estendal da cidade de Inhambane, onde até o marisco já não nos chega à mesa em abundância como antigamente, quando era o próprio Deus a báscula das bençãos, agora diminuídas provavelmente por ira do Provedor. Até os barcos à vela, elementos essenciais no brilho da baía, já não sulcam as águas do mar com velas cheias de vento, dando regalo à vista e ao espírito. No seu lugar vieram embarcações com motor fora de bordo, roncando contra o silêncio.
Já ninguém nos aborda em bitonga por aqui, as vendedeiras do mercado estão alienadas até nos gestos. O pior é que as memórias estão sendo enterradas em valas abertas por pás escavadoras do desinteresse pela preservação, mas isso é incultura. Ninguém busca o alimento do passado, tão importante e necessário, para que a juventude conheça o valor do solo que pisa, não há sede nesta canícula. Não se fala, nas ruas e nos pátios das escolas e nos “chapas” onde somos apinhados como mercadoria, de figuras patrimoniais que se tornaram fundamentos da urbe, como se não tivessemos história.
Os bitongas são dominados pelos vathwa e chopis, e a medida que o tempo passa, a situação vai-se tornando irreversível como o vento que devasta e volta a devastar para não sobrar nada. Você pergunta aos alunos da escola se já ouviram falar de zorre ou guibavane, eles meneam a cabeça para dizer que não. Os professores nunca falaram dessas danças nas aulas, eles próprios não as conhecem. Mas a timbila, sim, todos sabem dessa expressão cultural, mas a timbila não é dos bitongas, é dos chopes.
Os bitongas sempre foram apreciadores de dzithsota (milho pilado e moído sem atingir a farinação), para acompanhar o caril de coco, mas hoje não se fala de dzithsota. Havia ainda um peixe chamado makhulu, que era arrastado juntamente com o camarão por redes artesanais, e esse peixe já não sai do mar para nos dar a delícia que nos fazia lamber os dedos e os beiços. Quer dizer, esse é um dos sinais de que a nossa essência está em vaporização.
A última geração dos bitongas pode ser daqueles que nasceram até finais da década de cinquenta e princípios de sessenta. Porém, eles também perderam a clareza da luz, apesar de que ainda têm o suporte não só da língua, como dos hábitos e costumes que mesmo assim, estão se sublimando. Depois deles é o que se pode constatar a partir do seio familiar, não falam bitonga com os seus filhos. Eles próprios, os madalas, já não comunicam entre si na sua língua materna, estão absolutamente alienados.
Apesar de todo este desmoronamento cultural, há quem ainda acredite no resgate, introduzindo as nossas línguas nas escolas. Mas há ainda outros que não acreditam muito que isso seja viável. Pensam que será um retrocesso, chegamos a um estágio em que se tornará tarde demais tentar empreender a luta que já perdemos.