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quinta-feira, 24 agosto 2023 06:26

Madagáscar, tão próxima e tão distante...

Escrito por

JorgeFerraoNova

As culpas devem ser imputadas ao Gondwana. Essa épica separação dos continentes. Roubou de todos nós a idílica Madagáscar. Esse supercontinente que existiu ao sul da linha do Equador, por volta de 200 milhões de anos atrás, nunca deveria ter permitido tamanha aberração.

 

Perdemos a terra. Jamais a identidade. Muito menos a coragem e a postura. Esperança por outros horizontes se mantém intacta. Estes dois extensos países, terras que se perdem de vista, mantém o M inicial de grandeza e soberania. Abraçam-se na alegria e na tristeza. Pacto aprimorado e abençoado pela natureza.   

     

Estamos, neste acordo de cavalheiros, condenados a contemplação de fronteiras desmarcadas. Não nos abraçamos nunca. Ilustres e desconhecidos vizinhos. Madagáscar configurou-se como escudo protector natural dos ventos fortes. Nenhum ciclone alcança o nosso litoral, sem que, antes, refine a sua potência e espírito maligno na muralha gigante. Deveríamos indemnizá-lo com uma taxa anticiclónica. Prevenção de serviços meteorológicos catastróficos. 

 

Madagáscar não é, apenas, a terceira maior ilha do mundo. A exuberante natureza impressiona até ao Criador. Incomparável endemismo. Mistérios ancestrais de espíritos naufragados. Castelos imperiais que ardem no mesmo dia, em colinas diferentes. Aqui rodam os filmes que fazem sucesso nas bilheteiras americanas. Grande escapada. Madagáscar 1-2. O mundo se rende às relíquias e evidências. Uma eterna e impressionante longa metragem.

 

Madagáscar privou-se desses mamíferos de grande porte, como elefantes, zebras, girafas, leões, hienas, rinocerontes, antílopes ou búfalos, deliberadamente esquecidos em Moçambique. Em compensação, ganhou outros e exclusivos. Roedores, lémures, espécie de esquilos gigantes com listas circulares na cauda, morcegos e aves de todos os tamanhos e cores. E, esta ilha que já foi nossa, é o habitat de espécies únicas, de tartarugas gigantes, e de colinas que os colocam próximos de Deus.

 

Qualquer ser humano adoraria conhecer esta ilha. Testemunhar o animismo, o secretismo, o convívio e a tolerância dos budistas, a comunhão católica e a emergência islâmica. Os palácios monumentais, as plantações de baunilha, as barragens, o crioulo linguístico, e a mestiçagem que já refaz uma nova e híbrida raça humana.

 

Essa seria a oportunidade para reencontrar a tribo Mikea, antigos macuas, que atravessaram Niassa e Nampula, para emprestar o seu DNA a dezenas de povos nos diferentes continentes. Aqui aprenderíamos a conviver com as cerimónias de circuncisão, tão comuns e tão populares. Mergulharíamos nestes lagos artificiais, nas ruas apertadas. Conhecer Madagáscar, para que as crianças nos ensinem que estas são as ilhas descobertas por Diogo Dias, irmão de Bartolomeu Dias, ambos célebres navegadores da Tuga. Todas as homenagens lhe são feitas nos manuais escolares. Sem erros e nem omissões.

 

Reza a história que a sua caravela ancorou, por estas paragens, a 10 de Agosto de 1500. Como todos os descobridores, incluindo Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Fernão Magalhães, equivocados no caminho marítimo para a Índia e o oriente. Vítimas das monções do Índico que só os Gujarati dominam.

 

A cobiça francesa, no século XIX, fez das ilhas do Índico, a nova fronteira francesa em África. Madagáscar converteu-se, diante das cumplicidades e de acordos secretos, numa colónia francesa, como tantas ilhas vizinhas. Uma história de cumplicidades, colonização, culturas e neoliberalismo. A soberania e liberdade se impuseram.

 

A língua malagasy próspera. As restantes definham. São oposição. Por aqui coabitam 20 grupos étnicos, de onde se destacam os Merina, descendentes dos indonésios; os Sakalava, oriundos de África; e os Antaimoro, originários da península Arábica.

 

Madagáscar luta pelo bem-estar das suas gentes. Os modelos do progresso descarrilam. O desenvolvimento tarda. A felicidade tarda e não desabrocha. As crianças vivem perplexas. Os jovens anseiam por oportunidades, no escasso emprego. O fatalismo a que, nós próprios, nos votamos no continente. Bandeiras brancas e pretas de liberdades e dependências flutuando, sem ventos, nos mastros da incredulidade. 

 

O futuro nos reserva um outro Gondwana. Moçambique vai dividir uma vez mais! Está escrito nas estrelas. Já vivemos divididos entre cores e vontades. A nova Madagáscar ficará com o parque da Gorongosa e os mamíferos. Os macuas usarão barcos, mais sofisticados, para a próxima colonização. Os Gujarati regressarão. China imperará. Por enquanto, ficaremos com a imagem monumental, e o semblante real daquilo que nos pertence e dele não beneficiamos. Aprenderemos cortesias e formas mais corteses de comunicar. Insulares detestam descaso e destrato. Está sublinhando nas ondas serenas, muitas vezes, gigantes. Este oceano Índico nos ensina a viver sem pressa e nem ressentimentos. Atónitos com as democracias e descentralizações.(x)

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