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terça-feira, 18 julho 2023 07:54

Aparente conflito de competências entre o Conselho Constitucional e a jurisdição administrativa

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Nos termos do nº 1 do artigo 240 da Constituição da República: “o Conselho Constitucional é o órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça, em matéria de natureza jurídico-constitucional.” No mesmo sentido, determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 243 da Constituição da República: “Compete ao Conselho Constitucional declarar a inconstitucionalidade das leis e a ilegalidade dos actosnormativos dos órgãos do Estado.” A mesma norma consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 6 da Lei n.º 2/2022, de 21 de Janeiro(Lei Orgânica do Conselho Constitucional). O que significa que para além da competência em matéria de declaração de inconstitucionalidade, ao Conselho Constitucional também compete apreciar e declarar a ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado, os quais incluem, entre outros, os regulamentos, normalmente aprovados por decretos visando regulamentar determinada lei.

 

Ora, curiosamente, o artigo 101 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro (Lei que regula os Procedimentos Atinentes ao Processo Administrativo Contencioso – Lei do Contencioso Administrativo) sob a epígrafe – “Natureza e finalidade da impugnação de normas” - estabelece o seguinte:

 

1. A impugnação de normas tem por finalidade a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, de normas emitidas no desempenho da função administrativa.
 
2. Ficam excluídas do regime de impugnabilidade regulado no presente capítulo as situações previstas na alínea a) do n.º 1, do artigo 243 da Constituição da República, na parte aplicável. 
 

Tendo em atenção as supra referenciadas normas da lei do Contencioso Administrativo é fácil de perceber que a jurisdição administrativa tem competência para apreciação e declaração de ilegalidade dos actos normativos, mas que originam da função administrativa. Parece tratar-se de uma competência excepcionalrelativamente à competência do Conselho Constitucional concernente à declaração de ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado.

No entanto, a alínea a) do n.º 1 do artigo 243 e o artigo 244,ambos da Constituição da República, não limitam a competência do Conselho Constitucional sobre os actos normativos dos órgãos do Estado, quando sejam emitidas no desempenho da função administrativa. O que significa que se forem emanadosactos normativos no desempenho da função administrava que sejam contrários à lei, o Conselho Constitucional tem competência para a declaração de ilegalidade se for chamado a apreciar o caso. Só não terá tal competência se o acto não for normativo. Importa aqui lembrar que os actos não normativos emitidos no desempenho da função administrativa também não cabem nos processos de impugnação de normas prevista no artigo 101 e seguintes da Lei do Contencioso administrativo.

 

Parece haver aqui um conflito de competências em razão da matéria entre o Conselho Constitucional e o Tribunal Administrativo relativamente à apreciação para a declaração de ilegalidade actos normativos emitidos no desempenho da função administrativa, entanto que órgãos do Estado, que precisa ser legalmente clarificado com vista a evitar mal entendidos, usurpação de competência, incoerência jurídico-legal em prejuízo dos direitos e liberdades dos cidadãos, do interesse público e da realização da almejada justiça, senão vejamos:

 

Um decreto do Conselho de Ministros ou um regulamento de um determinado Ministério que estabelecem normas sobre aplicabilidade de uma certa lei constituem, regra geral, normas emanadas no desempenho da função administrativa até porque se trata simultaneamente de órgãos do Estado e administrativo, ou seja, da Administração Pública. Resta saber se, na emissão dos decretos ou regulamentos, o Conselho de Ministros ou os Ministérios estão ou não no âmbito da função administrativa e até que ponto as normas emitidas no desempenho da função administrativa não enquadram os actos normativos dos órgãos do Estado sobre os quais o Conselho Constitucional tem competência para declaração de ilegalidade!?

 

A problemática que aqui se levanta dá a entender que, se a jurisdição administrativa apreciar um processo sobre a impugnação de determinadas normas emitidas no desempenho da função administrativa e negar declarar a ilegalidade das mesmas, nada obsta que as mesmas normas sejam submetidas ao crivo do Conselho Constitucional para a declaração de ilegalidade, o que cria uma confusão jurídica, uma vez não se tratar de um processo de recurso da decisão da jurisdição administrativa para a jurisdição constitucional. Da Constituição República e da Lei Orgânica do Conselho Constitucional não sevislumbra qualquer limitação da competência do Conselho Constitucional em declarar a ilegalidade das normas emitidas no desempenho da função administrativa desde que preencham o requisito essencial de actos normativos dos órgãos do Estado.

 

Portanto, ainda que se diga haver equívoco no exercício hermenêutico do autor do presente artigo relativamente aos limites da competência do Conselho Constitucional e da jurisdição administrativa em razão da matéria sobre a declaração de legalidade de normas emitidas no desempenho da função administrativa, a verdade é que tais limites definidos como regra geral na Constituição da República e na Lei Orgânica do Conselho Constitucional e como excepção na Lei do Contencioso Administrativo são tenebrosos, de tal sorte que carecem de melhor definição ou determinação na reforma ou revisão que se pretende levar a cabo desta última Lei.

 

PS: Este artigo constitui um singelo contributo para a reforma da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro (Lei do Contencioso Administrativo).

Por: João Nhampossa

Human Rights Lawyer

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

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