A “maka” vigente no sistema financeiro moçambicano não é um problema da responsabilidade do conjunto da banca comercial; o principal responsável é a própria SIMO, uma entidade que o Banco de Moçambique criou em 2018 para chamar a si o controlo das operações no sector interbancário, disse à “Carta” um reputado especialista da área, que esteve nos primórdios da instalação da primeira vaga de ATMs e POS e respectiva interoperabilidade entre diferentes bancos.
Em 2023, o Banco de Moçambique conseguiu levar a cabo um objectivo bicudo: todos os bancos comerciais e instituições de moeda electrónica foram totalmente integrados na SIMORede, que passou a ser a única rede nacional e a funcionar exclusivamente numa plataforma fornecida pela Euronet. Eventualmente, a arregimentação de tantas operações numa única plataforma pode ser a causa dos constantes “bugs” no sistema de pagamentos.
Na opinião pública persiste a ideia de que o problema decorre da ineficiência dos bancos. Mas, de acordo com a nossa fonte, desde a integração de todos os operadores na SIMO, esta nova entidade passou a controlar todas as operações das ATMs e de POS, relegando a banca comercial para um papel completamente nulo.
“Os bancos não controlam nada. Apenas se limitam a comunicar se determinada conta bancária tem saldo ou não. Os bancos são os últimos da linha”, comentou o especialista.
Mas afinal o que é que está a acontecer?
“Não houve cuidado na escolha da aplicação. A aplicação da Euronet não foi feita para o sistema financeiro. A Comissão Executiva da SIMO não sabe do negócio. Não percebe o caos que é um cliente não poder usar o seu dinheiro por deficiência do sistema”.
Mas qual é a solução?
“A solução é mudar o sistema”, rematou a fonte. Assim como esta, estas recorrentes interrupções vão continuar, agravando o caos.
De acordo com a fonte, outra razão para a gravosa ineficiência é que, para além das operações bancárias, o Banco de Moçambique decidiu colocar sob a alçada da SIMO o controlo de todos os movimentos das carteiras móveis instaladas em Moçambique, nomeadamente Mpesa, Mkesh e E-mola, que passaram a fazer operações financeiras entre si por via da interligação através da SIMORede em Julho de 2022. O especialista considera que o tráfego de operações no sistema é demasiado; o sistema não foi concebido para processar tanta informação.
O caos da SIMORede está a afectar o ambiente de negócios e a rotina do cidadão comum. Numa democracia normal, os gestores da SIMORede, ou seu principal accionista, o Banco de Moçambique, já teriam vindo a público prestar informação sobre a razão do caos, indicando as possíveis soluções.
A Associação Moçambicana de Bancos (AMB - todos os bancos da praça são accionistas da SIMORede) ainda não tomou a iniciativa de comunicar sobre o assunto. Entre os gestores da banca, ninguém quer seguir o destino de Paulo de Sousa, antigo administrador delegado do BCI, que foi penalizado por Rogério Zandamela, no âmbito da “birra” contra a Interbancos, (https://cartamz.com/index.php/politica/item/2924-caso-paulo-sousa-conflito-de-interesses-ou-pura-vinganca-de-rogerio-zandamela.
Mergulhados nesse silêncio conveniente, e sem qualquer controlo operacional do sistema e do seu problema, cada um dos bancos vai tentando se comunicar com seus clientes, mas não ousa nunca nomear o boi, embora o problema lhes seja alheio. Um dos bancos distribuiu esta mensagem para seus clientes:
Constrangimentos nas transacções bancárias
Estimado(a) Cliente,
Por motivos alheios à nossa vontade, estão a ser registados constrangimentos na utilização dos nossos cartões bancários e POS. Asseguramos que estamos a trabalhar diligentemente com todas as partes relevantes para resolver estas dificuldades o mais rapidamente possível. Pedimos a vossa paciência e compreensão durante este período, apresentando as nossas sinceras desculpas pelos transtornos causados.
O caos vigente acontece num sector nevrálgico da economia onde vigora um ambiente opaco na relação entre o regulador e os operadores. Zandamela criou um ambiente autocrático no sector, coartando severamente a liberdade de expressão dos seus principais actores, por via de punições sumárias – e na maioria delas o BM perdeu sua causa nos tribunais comuns.
O silêncio sobre a crise é interpretado como decorrente de uma alegada arrogância institucional por parte do Banco de Moçambique e seus responsáveis. A imagem final que resulta dela coloca o BM num paradoxo sem paralelo: a crise é fruto de uma acção do próprio regulador, que não presta contas a ninguém. (Marcelo Mosse)