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quinta-feira, 29 agosto 2019 12:53

Caso Paulo Sousa: conflito de interesses ou pura vingança de Rogério Zandamela?

Ontem, o Banco de Moçambique anunciou que decidiu aplicar sanções a Paulo Alexandre Duarte de Sousa, por infracções contravencionais: uma multa de 200.000,00 Mts; inibição do exercício de cargos sociais e de funções de gestão em instituições de crédito e sociedades financeiras, por 3 (três) anos; e publicação, pelo Banco de Moçambique, da punição definitiva, às custas do condenado.

 

 

O BM argumenta que Paulo de Sousa agiu em conflito de interesses aquando da sua participação no processo de apreciação e decisão da proposta de aquisição da Interbancos pela SIMO, defendendo, simultaneamente, os interesses da SIMO, na qualidade de Administrador, e da Interbancos na qualidade de Presidente do Conselho de Administração.

 

A decisão caiu como uma bomba no seio das “boardsrooms” do sector financeiro local. Enquanto nalgumas plataformas o noticiário aludia a uma suposta “mão dura” de Zandamela, nos corredores mais afins do sistema falava-se em “mão selectiva”. De Sousa não foi o único banqueiro que participou do processo em alusão. Chuma Nwokocha, o administrador-delegado do Standard Bank, teve a mesma intervenção no processo e não foi sancionado.

 

Mas como é que decorreu esse processo de aquisição da Interbancos pela SIMO e qual foi, de facto, o papel de Paulo de Sousa? Confrontando diversas fontes (incluindo de dentro do BM) familiarizadas com o processo, “Carta” apurou basicamente o seguinte.

 

A aquisição da Interbancos pela SIMO data de há menos de três anos. A SIMO tinha sido criada, no papel, há cerca de 10 anos por um “aviso” do BM, dando-lhe exclusividade, mesmo sabendo-se que já havia um operador privado, a Interbancos, que funcionava sob autorização do BM mas contra o próprio “aviso” do BM. Há pouco menos de três anos, o Conselho de Administração da SIMO, na altura presidido por Waldemar de Sousa (ex-administrador do BM), incumbiu Paulo Maculuve (ex-administrador do BM e da SIMO) e Paulo de Sousa (BCI; acionista da SIMO) a encontrarem uma solução para a Interbancos.

 

Fonte conhecedora do processo disse à “Carta” que Paulo Maculuve recomendou que o melhor seria a SIMO adquirir a Interbancos. O passo seguinte era efectuar-se uma avaliação para se determinar o valor da Interbancos. Foram feitas várias avaliações mas o BM aceitou apenas uma, nomeadamente aquela encomendada por si à Ernst and Young.

 

E foi essa que vingou. A decisão final foi tomada pela SIMO, que é detida, recorde-se, em 51% pelo BM. Ou seja, quem decidiu foi o próprio BM. “Paulo de Sousa limitou-se a consultar os outros 2 accionistas da Interbancos, nomeadamente o Standard Bank e o FNB, para obter sua concordância”, diz outra fonte. Por outras palavras, Paulo de Sousa foi incumbido pela SIMO para encontrar uma solução para a Interbancos mas nunca negociou preços. O preço da Interbancos foi determinado pelo auditor escolhido pelo BM, a Ernts and Young.

 

Outra fonte colocou o assunto nos seguintes termos: porque é que a situação de potencial conflito de interesses de Paulo de Sousa não foi suscitada no tempo da realização do referido negócio que, nos termos da Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, só podia ocorrer com a competente autorização do BM? E por que razão o Banco de Moçambique não levantou qualquer objecção, muito menos mandou verificar se Paulo de Sousa estava em conflito de interesse, tendo-lhe até convidado a participar no negócio como acionista da SIMO?

 

Nos corredores do sistema financeiro local, a evocação de conflito de interesses para sancionar um banqueiro de nomeada é vista com chacota. E quem tem memória fresca recorda-se logo do conflito de interesses em que o próprio banco central está envolvido até ao pescoço por causa da sua intervenção no Mozabanco: o Governador Zandamela adjudicou à Kuhanha uma posição maioritária quando ele é simultaneamente Governador do BM e PCA da Kuhanha.

 

Mais há mais: o banqueiro João Figueiredo, na altura da sua indicação pelo Banco de Moçambique como PCA do Mozabanco, era detentor de participação qualificada no Banco Único, mas ninguém se recordou em falar de conflito de interesses neste caso. Outro caso flagrante de conflito de interesses envolve a própria SIMO: o Banco de Moçambique, regulador e supervisor, detém participação maioritária na Simo, uma sociedade financeira que actua sob supervisão do próprio BM. Isto é, o BM emana regras para o sistema cumprir, faz a supervisão, e uma das instituições que deve cumprir tais regras é participada maioritariamente por si.

 

Apagão da rede SIMO foi o pecado de Paulo de Sousa

 

Gestores de bancos contactados por “Carta” consideram que a sanção a Paulo de Sousa tem ligação directa com o apagão da rede SIMO em Novembro do ano passado. Rogério Zandamela nunca perdoou Paulo de Sousa pelo seu papel de liderança na normalização da crise. Para o benefício do leitor, eis uma breve recapitulação do que aconteceu na altura.

 

Ao terceiro dia do apagão da rede SIMO (ATMs e POs), iniciado a 16 de Novembro do ano passado, Paulo de Sousa, o PCE do BCI agora sancionado pelo Banco de Moçambique (BM), arregaçou as mangas e decidiu agir. A economia estava a definhar e o consumo praticamente paralisado. A rede SIMO registava diariamente 465 mil transacções no mercado nacional e 14 mil fora do país, movimentando 600 milhões de Mts. Paulo de Sousa pensou nos milhares de cidadãos afectados e, obviamente, nas perdas do seu banco.

 

E mobilizou os restantes bancos, alguns antigos sócios da Interbancos, a entidade que tinha originalmente contratado os serviços da BizFirst, que desligou a ficha do software exigindo pagamentos por parte da SIMO. O software usado pela Interbancos passara para o SIMO (sociedade entretanto formada com liderança do BM). O apagão estava a prejudicar muitos negócios e era preciso encontrar uma solução imediata, e isso ia contra a intransigência do BM e pessoalmente do seu Governador, Rogério Zandamela, que queria, de uma vez por todas, romper com a BizFirst.

 

O consórcio bancário reuniu-se com o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, mostrando que uma solução alternativa como pretendia Rogério Zandamela iria levar tempo, com consequências negativas para a economia e inclusive para o pagamento de salários da função pública. Os bancos decidiram abrir os cordões à bolsa para pagar o que a BizFirst exigia para que a rede SIMO continuasse a usar o seu software. Alguns bancos prometeram contribuir, mas quem tem, praticamente, suportado a factura é o BCI.

 

Na noite desse dia 19 de Novembro, o BCI anunciava, para o dia seguinte, a retomada gradual do uso dos seus cartões. “Estamos a envidar os esforços para repor gradualmente a normalidade no uso dos cartões BCI. Numa primeira fase, os titulares dos cartões de crédito BCI Gold (Particulares e Empresas), BCI Classic Empresas e BCI Platinum, bem como do cartão BCI Private, já podem usar os seus cartões, em ATM e POS da rede VISA, em Moçambique e no estrangeiro”, dizia num comunicado.

 

A verdade é que entre os dias 20 e 21 todo o sistema foi reposto. A contragosto de Zandamela que, numa audiência parlamentar na terça-feira, 20 de Novembro, garantira que “o retorno à BizFirst não estava em vista”. No parlamento, Zandamela ainda se queixou de que havia interesses comerciais escondidos na defesa do pagamento à BizFirst, numa alusão velada ao BCI. Mas o facto é que a crise gerada pelo apagão era patente. Zandamela nunca escondeu a mágoa de ter sido desautorizado pela “lobby” da banca comercial, com Paulo de Sousa no leme, deixando no ar sempre a ideia de que um dia alguém iria pagar. 

 

A vítima é Paulo de Sousa: ele ajudou milhares de moçambicanos que estavam afectados pelo apagão da rede SIMO, tirou o Governo de uma encrenca provável e hoje é vitima de um governador de banco central que actua de forma dúbia, com pesos e medidas diferentes para casos idênticos e comete os mais terríveis dislates de integridade, com o Governo a assistir impávido e sereno. (Marcelo Mosse)

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