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segunda-feira, 05 dezembro 2022 03:54

Empresários desenham quadro “sombrio” com a chegada da Vulcan em Moatize

Passam sete meses desde que a Vulcan Moçambique iniciou as suas operações de exploração de carvão mineral nas antigas minas pertencentes à Vale, no distrito de Moatize, província de Tete, mas a sua forma de fazer negócio já deixou alguns empresários com “nervos à flor da pele”, perspectivando dias difíceis com a chegada da companhia de capitais indianos.

 

“Carta” esteve na província de Tete em meados de Outubro último para apurar, junto do sector privado local, como estão as relações comerciais com a nova mineradora, depois deste se ter queixado de falta de oportunidades de negócios durante o reinado da mineradora brasileira.

 

No entanto, engane-se quem pense que a chegada da Vulcan possa representar um momento de prosperidade para os empresários daquela parcela do país. Se a mineradora brasileira partiu sem deixar saudades junto da população, o mesmo não se pode dizer no mundo dos negócios.

 

Mauro Fernandes é empresário, consultor e Presidente do Pelouro de Recursos Minerais e Energia no Conselho Empresarial Provincial (CEP) de Tete. Conta que a indústria mineira, em particular do sector do carvão, está a registar uma mudança com o aparecimento dos novos operadores, sobretudo de origem indiana.

 

Segundo Mauro Fernandes, que trabalhou 14 anos no sector do carvão, a Vale e as restantes mineradoras de origem “ocidental” tinham muito cuidado com as questões de segurança e no relacionamento com as comunidades e seus trabalhadores, algo que não se sente com as mineradoras de origem “asiática”.

 

“Agora, sentimos que este modelo está a desaparecer e nós, como beneficiários, não fomos preparados para absorver este novo modelo de negócios”, defende Fernandes, explicando que as multinacionais brasileiras desafiavam as empresas moçambicanas a elevarem os seus padrões na prestação dos serviços contratados.

 

“Para as empresas locais fornecerem serviços, eram exigidas certos requisitos que, em algum momento, tinham de ir buscar experiência no estrangeiro. Mas estes níveis de exigência reduziram porque os operadores actuais colocam o preço como o principal elemento do negócio, ignorando a qualidade e a segurança”, revela o empresário.

 

Devido às exigências da Vale, afirma Mauro Fernandes, algumas empresas prepararam a sua estrutura para responder àquela demanda, no entanto, com a saída da mineradora brasileira e com a obrigatoriedade imposta pelo novo operador, os empresários foram obrigados a fazer alguns cortes, desde o pessoal técnico qualificado até aos padrões de qualidade, “pois o que conta é o preço”.

 

“Nós vemos todos estes elementos com algum cepticismo. Até já começamos a perceber que alguns contratos, ditos de valor alto, vão ser cortados e isso não abrange apenas nacionais, mas também estrangeiras. O cenário é indefinido porque, quando tínhamos a ICVL e a Vale, tínhamos um balanço, já que um fazia de forma indiana e outro de forma ocidental. Mas, hoje, todo o sector é dominado pelos indianos. Se nada for feito, vamos perder aquilo que era sonho de todos nós: que é o carvão gerar riqueza para todos nós”, remata.

 

Entretanto, o Presidente do Pelouro de Recursos Minerais e Energia no CEP de Tete entende que a nova forma de fazer negócio imposta pelas empresas indianas pode abrir espaço para a entrada de novas empresas no negócio do carvão, pois, “há empresas que não conseguiram se encaixar no modelo de negócio que era feito pela Vale”.

 

“Tudo aquilo que é padrão de qualidade, que muitas mineradoras exigiam, não eram coisas inventadas. São boas práticas internacionais, muitas das quais estão inclusas na nossa legislação mineira. Do nosso lado, como sector privado e do Governo, deve-se apertar a fiscalização e a compliance [integridade] porque muitas vezes é o que falta”, sublinha, salientando que alguns profissionais e empresas conseguiram inserir-se nos projectos de oil&gas na província de Cabo Delgado graças à experiência aprendida nos projectos de mineração em Tete.

 

“Vale respeitava questões de segurança”

 

Mesma opinião é defendida por outro empresário que fez negócios com a Vale durante o período em que a mineradora brasileira explorou carvão mineral no distrito de Moatize. O empresário, que preferiu o anonimato, conta que a mineradora brasileira sempre privilegiou a segurança, algo que já não se verifica com o actual operador.

 

O empresário afirma que era o principal fornecedor dos equipamentos de comunicação e de segurança que eram usados nas minas da mineradora brasileira e, pelo trabalho, faturava entre 2 a 5 milhões de Meticais por mês. Mas, agora, as suas facturas mensais não passam de 500 mil Meticais, devido à redução do volume de negócios.

 

“O problema deve-se ao facto de a Vulcan priorizar o preço no lugar da qualidade. Prioriza a produção, no lugar da segurança”, remata a fonte.

 

Dados do Serviço Provincial de Infra-estruturas de Tete, sublinhe-se, indicam que a Vulcan poderá produzir 11,44 milhões de toneladas de carvão mineral este ano, uma cifra que se aproxima à conseguida pela Vale em 2017, que foi de quase 13 milhões de toneladas.

 

“Vulcan está num momento de organização” – Presidente do CEP de Tete

 

Enquanto alguns empresários perspectivam dias difíceis com a chegada da Vulcan, no distrito de Moatize, outros entendem ser o começo de uma nova estória. Hermínio Nhantumbo, Presidente do CEP de Tete, defende que a empresa de capitais indianos está num momento de organização da sua estrutura de trabalho, pelo que “está a impor as suas regras e seus métodos de trabalho”.

 

“O papel que o CEP está a tentar fazer é apreender dos erros cometidos aquando da entrada da Vale. Estamos a estabelecer um contacto saudável com a Vulcan, no sentido de ela nos prover as oportunidades. Estamos a interpelar os órgãos executivos da Vulcan para nos fornecer serviços e estamos num bom caminho”, garante o líder do sector privado na província de Tete.

 

Mesma percepção é partilhada por Sérgio Timóteo, Presidente do Pelouro do Agro-negócios no CEP de Tete. Timóteo defende que a Vulcan veio dinamizar mais a produção, ao desfazer “uma teia de empresas que não prestavam quaisquer tipos de serviços, mas sim saqueavam dinheiro”.~

 

Segundo Sérgio Timóteo, com a chegada da Vulcan, Moatize começou a produzir mais carvão com menos empresas que no passado. “Agora, o que nós desejamos é que a Vulcan dê mais oportunidades ao empresariado local e, para tal, temos estado a conversar com a empresa”, afirma o empresário.

 

“Defendemos formações direcionadas, de modo que as pessoas estejam a trabalhar e não apenas formadas. Defendemos que a Vulcan forme as pessoas para empregá-las e não apenas para ficarem na rua. Temos situações, por exemplo, em que se formam condutores de máquinas fora da estrada, mas que depois ficam sem qualquer emprego, porque aqui fora não existem essas oportunidades de emprego”, sublinha.

 

Vulcan no silêncio

 

A nossa reportagem solicitou uma entrevista com executivos da mineradora indiana, através da sua empresa de assessoria de imprensa (Xindiry Comunicação), mas sem sucesso. A entrevista visava, por um lado, fazer o balanço dos primeiros meses de operação da empresa nas minas de carvão mineral de Moatize e, por outro, abordar os desafios da Vulcan nos âmbitos social, económico e ambiental.

 

“Em concreto, o nosso jornal gostava de apurar o nível de relacionamento entre a empresa e os trabalhadores; entre a empresa e as comunidades afectadas pelos projectos; assim como entre a empresa e o sector privado local”, diz o teor da carta enviada à empresa, através da sua assessoria de imprensa.

 

No entanto, há dias, a empresa emitiu um comunicado de imprensa, no qual anuncia a retoma do Programa de Preparação para o Mercado de Trabalho (PPMT), que vai beneficiar mais de mil jovens em Tete.

 

Já o Director dos Serviços Provinciais de Infra-estruturas de Tete, Otávio Semba, garantiu à “Carta” que “os padrões de segurança implantados pela Vale Moçambique e o pessoal técnico não foram alterados” em Moatize. (Abílio Maolela)

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