Comentando as notícias, Mohamad Yassine, docente no Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique (ISRI), considerou pouco credível uma ação do EI em Cabo Delgado, porque "não é um palco natural nem apetecível" para a organização.
"O objetivo genético do Estado Islâmico é reinstaurar a sharia [lei islâmica] nos países assumidamente islâmicos, mas nem Cabo Delgado nem Moçambique são islâmicos, são territórios laicos", defendeu Mohamad Yassine. Pela sua doutrina, prosseguiu, o EI precisa de encontrar condições de reprodução social favoráveis, nomeadamente a prática secular do islão, mas o norte de Moçambique não oferece esse fator.
"A religião islâmica nem é maioritária em Cabo Delgado e o último censo da população mostra até um certo declínio", acrescentou Mohamad Yassine. O académico assinala que a implantação do EI no norte de Moçambique teria de ser feita em coordenação com os grupos 'jihadistas' mais conhecidos de África, nomeadamente o Al-shabab, da Somália, e o Boko Haram, da Nigéria, mas esse cenário é pouco provável, devido à ausência de laços entre essas organizações.
"Tanto o Al-shabab como o Boko Haram não mantém laços orgânicos com o Estado Islâmico", frisou.
Por seu turno, Saíde Abibe, co-autor de um estudo sobre a violência no norte de Moçambique, considerou "mera propaganda" a alegada autoria de um ataque do EI na região, assinalando que a violência na região tem uma raiz local. "Nunca houve marcas associadas ao Estado Islâmico na violência em curso em Cabo Delgado, porque o problema tem uma raiz local, mesmo havendo alguma ramificação ou instigação de grupos extremistas de alguns países próximos", assinalou Abibe.
Para Abibe, os grupos armados que atuam na região instrumentalizam uma versão distorcida do Islão para ações de criminalidade visando um caos que favoreça negócios ilícitos. Na nota de imprensa que divulgou na terça-feira, o grupo 'jihadista' EI afirmou ter causado segunda-feira mortos e feridos entre militares moçambicanos, ao deter um ataque do Exército, na região de Cabo Delgado, norte do país.
Este comunicado, no qual não é especificado o número de vítimas, representa a primeira vez que o grupo terrorista reivindica um ataque no norte de Moçambique, região afetada desde outubro de 2017 por ataques armados levados a cabo por grupos criados em mesquitas da região e que eclodiram em Mocímboa da Praia. (Lusa)