Está instalado um clima de tensão entre a classe médica e o Ministério da Saúde (MISAU). Um grupo de médicos moçambicanos, recém-formados, clama por afectação nas mais variadas unidades sanitárias do país, há aproximadamente um ano.
O grupo é composto por pouco mais de 200 profissionais que foram formados nas diversas universidades (públicas e privadas) do país. Concretamente, o grupo está dividido em dois. O primeiro que concluiu a formação (licenciatura) em Fevereiro de 2019 e submetido à certificação pela Ordem dos Médicos de Moçambique (OrdMM) a 13 de Julho de 2019. O outro que concluiu a formação em Setembro de 2019 e que foi submetido à certificação pelo mesmo organismo (a OrdMM) em Dezembro do mesmo ano.
Em carta enviada à nossa Redacção, os médicos referem que, após a certificação e como de praxe, submeteram o certificado ao MISAU, especificamente, no Serviço de Assistência Médica, para colocação nas diversas províncias, de acordo com as necessidades de cada uma. Uns submeteram o expediente documental em Setembro e outros em Dezembro, mas, até esta terça-feira, não viram ainda as suas pretensões satisfeitas. Ou seja, continuam na rua da amargura, numa altura em que o país luta como pode para vencer a altamente letal pandemia da Covid-19.
Se numa primeira fase foram ditos para aguardar “calma e “serenamente” pelas solicitações, neste momento, têm apenas o ensurdecedor silêncio como resposta da instituição agora liderada por Armindo Tiago (Ministro da Saúde).
Contam, na carta, que, inicialmente, foram informados que deviam aguardar pela aprovação do Orçamento do Estado (OE) de 2020; e que uma vez aprovado seriam prontamente colocados e contratados para exercer as suas funções. O OE de 2020 foi, recorde-se, aprovado pela Assembleia da República em Abril do ano corrente.
No dia 20 de Março de 2020, narram os médicos, a Direcção Nacional dos Recursos Humanos do MISAU divulgou a lista das colocações e orientou os contemplados a aguardar pelas Guias-de-Marcha, precisamente porque as Direcções Provinciais de Saúde (DPS’s) estavam a criar as devidas condições para a recepção dos novos quadros.
Referem que 30 dias após a aprovação da expressão financeira do Plano Económico Social (PES) de 2020, e devido ao silêncio sepulcral da “entidade-mãe”, parte do grupo decidiu aproximar às DPS’s com intuito de inteirar-se do andamento do processo e eis que foi surpreendido com a informação de que as colocações, outrora anunciadas, eram de efeito nulo. E, por este facto, contam que foram informados que as admissões passariam a ser por via de um concurso público.
“Contudo, 30 dias após a aprovação do OGE, preocupados, aproximamo-nos a algumas DPS’s onde estamos colocados e, para nossa surpresa, decepção e frustração, a resposta que tivemos foi: «as colocações de nada servem; a admissão é por meio do concurso público»; no entanto, já havia guias-de-marcha para os colocados no Hospital Central de Maputo (HCM)”, refere a carta do grupo, em posse do nosso Jornal.
E porque o tecto acabara de desabar, foi imediatamente constituída uma equipa para dialogar com o Ministério. Sem demoras, marcou-se uma audiência com Norton Pinto, director Nacional dos Recursos Humanos do MISAU e a mesma veio a ter lugar no dia 19 de Maio de 2020, mas a conversa foi com o seu adjunto. Na reunião com o director-adjuto dos RH, foram informados, entre outros, que “não haveria contratação dos Médicos; as listas anteriormente fixadas de nada serviam, pois, a verba que contratava Médicos vinha de parceiros (financiadores); os parceiros, subitamente, e sem aviso prévio, retiraram o apoio, deixando como recomendação que não se contratassem mais médicos usando os fundos do financiamento”.
As declarações do director-adjunto dos RH, uma vez mais, deixaram os médicos em estado choque e com inúmeras indagações, destacando-se, como fazem menção na carta, “as razões de não terem sido informados com a devida antecedência, os porquês de terem sido publicadas as colocações; as razões por detrás da existência de guias-de-marcha para o HCM”. A estas e outras perguntas, disse o grupo, não recebeu qualquer reposta concreta do MISAU, senão um “fomos pegos surpresa com a atitude dos doadores”.
Após a reunião com os RH, os médicos avançam que criaram um grupo na plataforma WhatsApp para dar seguimento com as conversações, mas insatisfeitos decidiram marcar uma audiência com Ministro da Saúde. Armindo Tiago, anotou o grupo, manifestou indisponibilidade o remeteu o assunto para a Direcção Nacional dos RH.
Na sequência da remessa do titular da pasta, o Director Nacional dos RH recebeu-os em audiência no dia 01 de Junho de 2020. Do encontro com o Director Nacional, anotaram os médicos, saíram as seguintes conclusões: “Existem sim fundo para a contratação dos médicos, no entanto, parte deste (50%) foi alocado para a compra de Equipamento de Protecção Individual (EPI), no contexto da pandemia, assim sendo, não haverá admissão sem concurso; haveria provimento de aproximadamente 230 médicos, em 2020; as colocações têm efeito sim e servirão para orientar as províncias a distribuir os colocados; as províncias que não tivessem lançado o concurso até então o fariam, e as que já haviam cancelado e interrompido o fariam novamente com vista a absorver os colocados, até porque podem ser lançados até três concursos num determinado sector; assim disse o Director; os colocados seriam priorizados nas aberturas dos concursos; garantiu ainda que, na sexta-feira da mesma semana (05 de Junho de 2020), já estaria disponível o OGE a nível Provincial, e que partilharia a informação connosco, usando o grupo criado; afirmou ainda que tudo seria feito e prometeu que até ao final deste ano estaríamos todos nos nossos postos de trabalho”.
Debalde! As promessas do director-nacional apenas fizeram jus ao nome, visto que os profissionais (98 por cento) continuam sem qualquer colocação. A única acção visível após a reunião com o director nacional dos RH foi que quatro províncias solicitaram apresentação de documentos e contactos de alguns médicos e apenas a província da Inhambane contratou sete deles e os restantes entrevistados foram mandados aguardar. As restantes províncias sequer se pronunciaram sobre o assunto.
Inconformados com o silêncio, isto depois de um mês, os médicos avançaram que voltaram a colocar as preocupações no grupo do WhatsApp, onde o director-nacional dos RH e parte integrante tem interagido. Perante a pressão, o director-nacional dos RH viu-se na obrigação de reagir tendo, segundo o grupo, se pronunciado nos seguintes termos: “as questões eram pertinentes e que eles têm estado a acompanhar e a coordenar o processo, tendo pedido de seguida que os chefes dos RH de cada província se pronunciassem”.
Na mesma plataforma de interacção (WhatsApp), as respostas dos chefes dos RH das províncias assentaram, dizem os médicos, no seguinte: “as DPS’s já dispõem de verba de OGE para provimento e algumas ainda dispõem do fundo Pró-Saúde (como é o caso de Gaza e Nampula), apenas aguardando a autorização para abertura do concurso; A DPS de Manica não lançará concurso, usará o centralizado no Hospital Provincial de Chimoio; O Instituto Nacional de Saúde (INS) comprometeu-se em interagir com patrocinadores para possível contratação de médicos por um ano, enquanto aguarda OGE; As DPS’s de Niassa, Zambézia, Inhambane, Maputo-Cidade, HCM, não se pronunciaram”.
Da reacção dos chefes de RH das províncias a esta parte, dizem os médicos, o diálogo foi relegado para segundo plano, estando a reinar “ameaça” e “arrogância”.
MISAU diz que os médicos “estão no processo do concurso de provimento”
Com intuito de perceber os contornos do processo, “Carta” procurou o Ministério da Saúde, na pessoa do Director Nacional dos Recursos Humanos, Norton Pinto. Pinto foi categórico: “o grupo de profissionais está, neste momento, em processo de concurso de provimento”.
Sobre as razões por detrás da não contratação deste grupo de médicos, Norton Pinto argumentou: “nos outros anos, o processo não conhecia qualquer demora porque, enquanto aguardavam concurso de ingresso, nós íamos contratando, através de fundos dos parceiros do Pro-Saúde. E a partir de 2019, o fundo do Pro-Saúde estabeleceu que só pode contratar até ao máximo de 1.600 profissionais. Este número resulta do Memorandum do Pro-Saúde 3”.
E por não se ter recorrido à modalidade que vinha sendo usada (contratação com fundos dos parceiros), explicou Norton Pinto, o grupo foi instruído a aguardar pela aprovação do Orçamento do Estado para 2020 que, por ter calhado com início de um novo ciclo de governação, aconteceu “ligeiramente tarde”.
O Pro-Saúde 3, assinado em 2016, explicou Pinto, determina que o MISAU não podia até ao ano de 2019 ter mais de 1.600 contratados. Neste momento, anotou o Director Nacional dos RH, a instituição não tem margem para contratar profissionais no âmbito do referido programa como era prática nos anos anteriores.
Em termos de andamento do processo, Norton Pinto avançou que o grupo estava na fase de avaliação curricular, depois de há semanas ter formalizado as candidaturas. Este grupo de profissionais, detalhou Pinto, candidatou-se para as vagas abertas nas diferentes províncias do país.
A demora que o processo está a conhecer, anotou, deve começar a ser contada a partir a aprovação do Orçamento do Estado para 2020 e não da submissão do expediente junto ao Serviço de Assistência Médica.
Para este ano, explicou Norton Pinto, à luz da lei orçamental aprovada recentemente pelo mais alto órgão legislativo do país, o sector prevê contratar 260 médicos.
O director Nacional dos RH do MISAU assegurou que os pouco mais de 200 médicos recém-formados estão devidamente encaminhados, sendo que a contratação daquele grupo de profissionais deve ser tomada como um dado adquirido. (Carta)