Os registos de venda de madeira moçambicana à China mostram disparidades entre os valores declarados à saída e os declarados à chegada do produto. Especialistas alertam para falta de transparência e possível subfacturação.
Entre 2016 e 2018, Moçambique não terá registado 793.526,92 mil USD de exportações de madeira para a China. No período considerado, a China declarou ter importado, de Moçambique, 895.796,21 mil USD em madeira, contra os 102.269,29 mil USD declarados por Maputo. A informação consta da base de dados do Banco Mundial (BM) sobre comércio internacional.
Por ano, em 2016, segundo o Banco Mundial, a China declarou ter importado 308.465,65 mil USD contra os 25.448,88 mil USD que Moçambique revelou ter exportado, uma diferença de 283.016,77 mil USD.
No ano de 2017, as importações chinesas fixaram-se nos 311.142,93 mil USD, ao passo que Moçambique apresentou exportações avaliadas em 51.143,83 mil USD, o que perfaz uma discrepância de 259.999,10 mil USD.
Já em 2018, a China apresentou um volume de entrada de madeira na casa dos 276.187,63 mil USD, enquanto Moçambique reportou 25.676,58 mil. A discrepância situou-se em 250.511,05 mil USD.
Os números do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos à exportação de madeira para a China, aproximam-se dos dados compilados pelo Banco Mundial. Diz o INE que, em 2017, foram exportados para a China 59,2 milhões de USD de madeira. Em 2018, esse valor fixou-se nos 31,5 milhões. Dados já disponíveis de 2019 colocam a exportação, nesse ano, na casa dos 35,5 milhões de USD.
A exportação de madeira é feita, fundamentalmente, pelos portos de Nacala e Beira. As disparidades deixam antever que Moçambique poderá ter perdido receitas fiscais.
Face às discrepâncias, o economista sénior da Global Financial Integrity (GFI), Rick Rowden, admite erros no processo de declaração, mas afirma que os números sugerem práticas ilícitas.
“Esses erros representam apenas uma parte das discrepâncias identificadas e a maioria das incompatibilidades [são], provavelmente, devido ao facturamento incorrecto da transacção – falsificação dos preços declarados nas facturas de importação ou exportações submetidas às autoridades aduaneiras, para fins ilícitos de transferência de fundos dentro ou fora de um país”, explica.
De acordo com Rick Rowden, “quando uma diferença de valor é identificada nos dados comerciais bilaterais entre dois países, conforme é feito, a diferença total é composta por centenas ou milhares de lacunas menores encontradas em transacções individuais entre vários importadores e exportadores de ambos os países”.
Para Rowden, é difícil perceber de que lado estão os eventuais erros que levam às discrepâncias. “A diferença de valor pode ser indicativa de facturamento incorrecto. É difícil saber de que lado [China ou Moçambique] está o facturamento comercial incorrecto ou em quanto”, complementa.
Opacidade
O contrabando também poderá estar a afectar o sector madeireiro em Moçambique. Dulce Brás, coordenadora de monitoria e avaliação da Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC), revela que na província de Tete foram reportados vários casos de contrabando de madeira da espécie Nkula para países vizinhos, como Zâmbia e Zimbabwe, onde a mesma era colocada em contentores, que voltavam a entrar em Moçambique, através de esquemas de facultação de certificados internacionais.
“Em Tete, existem vários estaleiros e serrações nas proximidades de áreas de conservação, uma situação que facilita o abate de espécies de madeira até protegidas por lei”, afirmou Dulce Brás.
Para Dulce Brás, a fiscalização precisa de suporte a todos os níveis, principalmente ao nível da fiscalização interna. Um dos grandes problemas da indústria extractiva de madeira é a corrupção, envolvendo fiscais e tomadores de decisão.
Soluções
Para tornar o sector madeireiro mais transparente, o engenheiro florestal Luís Nhamucho defende a aposta na informatização, a par da realização de inventários detalhados.
“O governo tem uma oportunidade de ser mais contundente, mas não houve uma entrega desejada. O governo deve definir quem é madeireiro e quem não é, mesmo que seja para refazer certas coisas que foram acordadas. O executivo moçambicano deve informatizar o sector, porque sem isso, mesmo que haja vontades e projectos, nada será feito”, defendeu Nhamucho.
Olinda Cuna, coordenadora de programas florestais na Livaningo considera fundamental digitalizar o sector e dar formação a fiscais e comunidades.
“É de vital importância que se digitalize o sector e adquira-se novas tecnologias e formação dos fiscais e das comunidades, para estancar o problema da fraca fiscalização”, entende Olinda Cuna.
Sobre este tema, procurámos ouvir a Autoridade Tributária (AT), a Embaixada da China em Moçambique, os Serviços Nacionais de Florestas e o Banco de Moçambique, mas até ao fecho desta edição não foi possível obter qualquer reacção destas entidades.
“Carta” procurou também ouvir Sérgio Chacate, presidente da Associação Moçambicana dos Madeireiros (AMOMA), tendo inclusive até marcado a entrevista e o explicado os objectivos da reportagem, mas chegada a hora, Chacate simplesmente não quis falar e nem remarcou a entrevista perante nossa insistência.
Comércio de madeira entre Moçambique e China: 2016 – 2018 |
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Em milhares USD |
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China |
Moçambique |
Diferenças |
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2016 |
$ 308 465,65 |
$ 25 448,88 |
$ 283 016,77 |
|
2017 |
$ 311 142,93 |
$ 51 143,83 |
$ 259 999,10 |
|
2018 |
$ 276 187,63 |
$ 25 676,58 |
$ 250 511,05 |
|
Total |
$ 895 796,21 |
$ 102 269,29 |
$ 793 526,92 |
Esta reportagem foi produzida por “Carta de Moçambique”. Foi escrita no âmbito do programa Riqueza das Nações, uma iniciativa de desenvolvimento de capacidades dos media, implementado pela Fundação Thomson Reuters, em parceria com o MISA-Moçambique. Mais informações em www.wealth-of-nations.org. O conteúdo é da inteira responsabilidade do autor e da editora. Omardine Omar