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terça-feira, 03 março 2020 05:31

Caça furtiva: Magude e os efeitos da busca incessante pela riqueza fácil

Foto 1 – Dólia Nguenha, Procuradora Distrital de Magude; Foto 2 – O Alfabeto Cumbe, director distrital do SERNIC; Foto 3 – Geralda Matlombe , a jovem viúva; Foto 4 – Júlio Manjate, residente em Mapulanguene; Foto 5 – James Mambane, secretário de Captine; Foto 6 –  Júlio Laice, residente em Captine.

Calor ardente, seca severa, arbustos e quadrúpedes se alimentando de capim nos diversos parques e fazendas de conservação ambiental, “palácios” e viaturas de alta cilindrada são alguns dos elementos que caracterizam o distrito de Magude, localizado na parte noroeste da província de Maputo e considerado um dos epicentros e corredores da caça furtiva.

 

Num trabalho de reportagem realizado semana finda (de 25 a 28 de Fevereiro), naquele distrito, “Carta” interagiu com residentes e autoridades judiciais que continuam a testemunhar os efeitos nefastos da caça furtiva que, para além de trazer a almejada riqueza imediata para as pessoas envolvidas, também deixou mágoas e tristeza nos seus familiares.

 

No distrito de Magude, onde a população de gado bovino é superior à humana, quase que em cada quarteirão existe uma ou duas famílias que perderam um ente-querido, devido à busca de Xibedjane, como é denominado o rinoceronte, em Xi-changana.

 

Geralda Matlombe (nome fictício), jovem viúva de 32 anos de idade e mãe de dois filhos, é uma das pessoas que conversou com a nossa reportagem e partilhou a sua versão em relação aos efeitos da caça furtiva. Conta que, em 2013, perdeu o esposo, depois deste se ter envolvido com a caça furtiva entre 2011 e 2013.

 

Matlombe revelou-nos que o seu marido decidiu entrar neste mundo, quando se encontrava desempregado, enquanto tinha uma família por cuidar. Confirma que conhecia o trabalho que fazia, pois, nessa época, segundo conta, “não havia”, em Magude, jovem ou família que “não praticasse a caça”.

 

Com os olhos banhados de lágrimas, a viúva lembra os momentos áureos da caça furtiva, em que numa simples “saltada”, o finado regressava à casa com valores que variavam de 100 a 200 mil Mts em “dinheiro vivo”.

 

“Sabia que estava a caçar, mas com aquele medo… porque sabia que não era brincadeira, mas… como era fama do momento. Você podia estar com alguém num momento e de repente sai e volta com muito tako. Mesmo eu que era mulher, às vezes apetecia-me ir também caçar, mas não podia. Eu até perguntava se este dinheiro não vinha de cabeça de pessoa? Mas, ele sempre respondia que não. Que era fruto de Xibedjane”, narrou a fonte.

 

Geralda Matlombe, que hoje segue a vida fazendo negócios para alimentar a família, disse não se lembrar como teve a informação da morte do seu esposo e também nunca teve interesse em saber como este perdeu a vida.

 

“Agora já não há caça furtiva, mas na altura era trabalho para jovens daqui. Víamos crianças de 14 e 15 anos de idade a andar de carro. Em 2012 e 2013, em Magude era só festas”, afirmou a fonte.

 

Para Matlombe, a caça furtiva só trouxe “tristeza e dor” para as famílias dos envolvidos e o dinheiro, oriundo do “negócio”, piorou a pobreza destas. “Acho que isto já passou, isto da caça furtiva já passou, eu tive de apelar outras pessoas a parar”, disse, visivelmente emocionada.

 

“Vivi com meu marido durante oito anos. Ficamos com dinheiro durante dois anos, mas depois todo aquele dinheiro foi embora. Então, eu preferia ficar sem dinheiro e ter meu marido”, desabafou Geralda Matlombe à nossa reportagem.

 

No distrito de Magude, não faltam estórias sobre a caça furtiva. Uma delas é de Nelson Nhate, que residia no Posto Administrativo de Mapulanguene e que era considerado um dos barões da caça ilegal. Segundo conta o Director Distrital do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) de Magude, Alfabeto Cumbe, Nhate foi o homem que durante anos liderou vários grupos de caça furtiva naquele distrito da província de Maputo.

 

“Quando cheguei, em 2017, em Mapulanguene existia um indivíduo muito famoso, de nome Nelson Nhate e sempre dizia que não podia sair daqui sem encontrá-lo. Tinha muitos mandados (acima de sete) contra ele, mas era muito difícil de encontrá-lo”, conta o Director do SERNIC, em Magude.

 

“Nelson Nhate falava ao telefone com todos. Quando chegava um novo Inspector, ele era informado. A casa dele era o centro de concentração, tinha uma ligação com os mandantes de Chókwè. Quando era procurado aqui, mudava-se para Chókwè, onde tinha uma casa. Era responsável pelo armamento e sempre que prendíamos um grupo, o nome dele era citado”, revelou a fonte.

 

Alfabeto Cumbe afirma que sempre que se organizava uma operação, a informação vazava e, em alguns momentos, era alertado pela comunidade sobre a movimentação de alguma viatura estranha. A fonte assegurou à nossa reportagem que Nhate apoiava as comunidades, fornecendo água, produtos alimentares e energia eléctrica.

 

“Tinha quatro mulheres, uma das quais uma rapariga de 14 anos. Vinha à Vila, com uma equipa de carros de alta cilindrada e, devido às emboscadas, parou de aparecer”, explicou Alfabeto Cumbe, sublinhando que o indivíduo perdeu a vida, no ano passado, vítima de Malária, pois, não conseguiu deslocar-se ao Hospital Distrital de Magude para receber tratamento médico, por medo de ser detido.

 

Por isso, Cumbe defende que o debate sobre a caça furtiva não se limita apenas ao abate dos animais, mas inclui também questões sociais, como é o caso das crianças que se tornam órfãs, assim como as suas mães que se tornam viúvas.

 

Já a Procuradora Distrital de Magude, Dólia Nguenha, afirmou, à nossa reportagem, que de 2016 a 2019 foram instaurados 18 processos-crimes relacionados à caça furtiva, sendo que o pico foi registado em 2018, período em que houve ocorrência de 10 casos, quatro casos já foram julgados e três foram arquivados. No total, 29 pessoas foram constituídas arguidas e foram apreendidas 16 armas.

 

Nguenha revelou que o desafio é “Zero caça furtiva, em Magude”, mas as redes criminosas continuam a usar aquele ponto da província de Maputo para chegar às áreas de conservação, onde existem os rinocerontes, o animal predilecto dos furtivos.

 

A magistrada revela que grande parte da população do distrito de Magude enriqueceu, devido à caça furtiva, pois, na altura, a actividade não era criminalizada, sendo que só se aplicava multas. Entretanto, assegurou haver uma redução significativa no número de casos, devido à instalação de equipas especializadas no combate contra este crime transnacional.

 

A narrativa de redução da caça furtiva, em Magude, é partilhada por alguns líderes locais, como é o caso de James Mambane, Secretário da Comunidade de Captine, no Posto Administrativo de Mapulanguene, que garantiu não haver registo de caça furtiva nos últimos tempos naquela região, uma vez que boa parte dos jovens estão empregados em algumas fazendas de bravio. Para a fonte, a fiscalização e a criminalização mudaram a realidade que se vivia naquele distrito.

 

Entretanto, o casal Sara Macuácua e Joaquim Maluano (nomes fictícios) entendem que os constantes despedimentos que se verificam na Masintonto Ecoturismo, uma área de conservação do grupo Tongaat Hullett, sediada em Magude, poderá propiciar o regresso da caça furtiva nos próximos dias. (Omardine Omar, em Magude)

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