As tentativas de Isabel dos Santos (IS) entrar em peso, directamente, em Moçambique, no sector que mais lhe apetecia, o da telefonia móvel, esbarraram em apetites antagónicos da "nomenklatura" da Frelimo. Sua empresa, a UNI-Telecomunicações-CE perdeu, em 2010, o concurso da terceira operadora móvel para um consórcio entre a Frelimo (SPI) e os vietnamitas da Vietel, a Movitel.
Depois disso, Isabel dos Santos ainda criou a MTSAR SA, que faz, com sucesso, a cobertura das operações da ZAP, a provedora de canais de televisão. Mas, indirectamente, a presença de Isabel dos Santos em Moçambique é vastíssima, principalmente através de duas empresas portuguesas: a Efacec (onde ela detém 75%, adquiridos com fundos do Estado angolano) e a Galp (onde também adquiriu uma participação considerável), que actua na área de combustíveis e energia.
Na extensa lista de empresas do universo Isabel dos Santos, arrolada agora pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (CIJI, na sigla em português), constam os seguintes nomes de empresas activas em Moçambique: Espaços e Publicidade (propriedade de seu marido Sindika Dokolo), Efacec, Petrogal (através da Galp), Galp Buzi (Agro- Energia), Moçamgalp (Agro-energia), IPG GALP Beira, Coral FLNG (Gás do Rovuma), BCI Fomento e Imopetro (importadora de combustíveis, onde todas as gasolineiras são accionistas).
O consórcio lista apenas os nomes das empresas e diz que todas elas estão activas mas não aprofunda a dimensão e saúde de cada negócio. A actividade da Galp em Moçambique inclui a comercialização e distribuição de lubrificantes e combustíveis líquidos, enchimento, armazenagem, distribuição e comercialização de GPL nos segmentos de retalho e wholesale. É uma das principais gasolineiras operando no país.
O mais recente negócio das empresas do universo IS em Mocambique é o da projectada Central Solar de Metoro, cuja adjudicação à Efacec foi recentemente anunciada. “Carta” apurou mais detalhes da operação. A Efacec foi selecionada para um contrato de engenharia, compra e construção (EPC) e para operação e manutenção (O&M) da central solar de 41 MWp, localizada em Metoro, Ancuabe, em Cabo Delgado. A infraestrutura vai ter uma capacidade de produção de 68 GWh por ano. O custo da implementação deste projecto está orçado em 56 milhões de USD, dos quais 40 milhões foram mobilizados pela Agência Francesa de Desenvolvimento (crédito sem taxas de juros).
“Carta” apurou que os restantes 16 milhões foram mobilizados junto do Estado francês pela PROPARCO, uma subsidiária da AFD vocacionada para o desenvolvimento do sector privado. Ou seja, conceptualmente, a Central de Metoro é uma Parceria-Público-Privada (PPP). Neste momento, disse uma fonte, a EDM é apenas dona de 25 % da Central. Os restantes 75% pertencem à Neoen, o grupo privado francês que esteve na concepção do projecto. Espera-se que, logo que a Central inicie operações, a Neoen comece a “diluir” as suas acções, para envolver entidades privadas moçambicanas, através da Bolsa de Valores de Moçambique. Não deixa de ser notável que os contribuintes moçambicanos, através da EDM e via Efacec, vão pagar à Isabel dos Santos parte da factura da obra da Central.
Por enquanto, o grande negócio visível em que Isabel dos Santos participa directamente em Moçambique é o da MSTAR (ZAP). A empresa foi constituída em Agosto de 2010, no 4o Cartório Notarial de Maputo. Apresentou como sede social o número 775, rés-do-chão, na Julius Nyerere, e realizou um capital social, integralmente subscrito, 50 mil USD.
A Mtsar tem por objecto social “o desenvolvimento, exploração e comercialização de produtos e serviços de telecomunicações, televisivos e audiovisuais. através de qualquer meio tecnológico”. É, essencialmente, a empresa que dá cobertura às operações da ZAP em Moçambique, a primeira grande ventura de sucesso de Isabel dos Santos no país, rivalizando com a gigante sul-africana da MultiChoice.
No passado, IS quis mais em Moçambique, mas não conseguiu. Esbarrou em interesses antagónicos da Frelimo, quando quis entrar para o negócio da telefonia móvel. Foi em 2010. Disputaram o concurso da terceira operadora móvel a Movitel, a UNI-Telecomunicações-CE (de IS) e a Portugal Telecom (PT). A PT não se mostrou muito interessada. Cada concorrente tinha de apresentar uma proposta financeira mínima de 25 milhões de USD e foi o que a portuguesa fez.
A UNI-Telecomunicações-CE apresentou uma proposta financeira bastante agressiva, avaliada em 33 milhões de USD, superando em 4 milhões de USD à da Movitel, que propusera pela licença o montante de 29 milhões de USD. A UNI-Telecomunicações-CE, aquando do concurso, era detida pela UNITEL SA e pela Energia Capital SA.
A UNITEL, um gigante de telefonia móvel em Angola, era, por sua vez, participada em 25% por Isabel dos Santos. Na UNITEL, a PT detinha 25% das acções, contra 50% da Sonangol e Vidatel. A Energia Capital, moçambicana, que entrava na corrida de mãos dadas com a UNITEL, era uma firma do então emergente grupo Insitec. A UNI-Telecomunicações-CE perdeu para a Movitel. Afinal, a proposta técnica tinha mais peso que a proposta financeira e o “lobby” da Frelimo derrotou, por aí, as aspirações de IS no mercado de telefonia móvel em Moçambique. (Marcelo Mosse)