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sexta-feira, 20 dezembro 2019 05:43

Análise: um brinde ao país do “faz de conta”

Nas condições deploráveis em que o país se encontra, deve ser extremamente penoso para um Presidente da República aparecer de “cara limpa”, a discursar “bonito” diante de representantes dos órgãos de soberania, quadros da Administração Pública, comunidade empresarial nacional, representantes do corpo diplomático acreditado no país e moçambicanos na diáspora – tal como aconteceu, quarta-feira última, quando Filipe Nyusi ofereceu, na Ponta Vermelha, uma recepção por ocasião do fim do ano.


É que, praticamente, nada correu bem a Moçambique este ano.


Os devastadores ciclones Idai e Kenneth, no centro e norte do país, condicionaram, grande e inegavelmente, o desempenho do executivo. Porém, acabaram servindo, igualmente, de justificação/desculpa para a não realização de uma série de coisas que “nada tinham a ver” – esse é o lado mais perverso das tragédias… Aos fenómenos naturais, juntou-se o recrudescimento de conflitos armados cada vez mais fratricidas, que vêm (igualmente) acontecendo no centro e norte, e cujas perspectivas de solução aparentam estar cada vez menos próximas, nos dois casos.


Entretanto, o nosso maior flagelo continua sendo (os efeitos d)as dívidas ocultas.


As detenções/julgamentos do ex-Ministro das Finanças, na África do Sul, e do “mastermind” dessa famigerada “bolada”, nos Estados Unidos, bem como toda a torrente de informações que vieram à superfície – especialmente após o julgamento deste último em Nova Iorque – dando conta do envolvimento de muita gente graúda com ligações à nomenclatura, e até do “insuspeito” partido no poder, continuam sendo uma espada apontada ao peito do PR, cujo nome, aliás, também não escapou ao rol de suspeitos citados no processo.

 

Devido à realização das eleições gerais, Outubro deveria ser um mês de festa para os moçambicanos. A verdade é que o processo eleitoral foi ensombrado por um conjunto de acontecimentos tristes (antes, durante e após o dia 15).


A forma como a vitória “retumbante” do presidente e do seu partido foi arrancada, bem como a actuação dos órgãos de administração eleitoral, foram muito pouco conviventes – por uma razão ou outra.


É óbvio que também existiram coisas positivas que aconteceram internamente, porém, essas acabam por se diluir no conjunto de acontecimentos negativos que marcaram o ano que ora finda, e sobre o qual o PR tinha a difícil missão de falar, diante daquelas individualidades que lhe “invadiram” o palácio, na quarta-feira, para (entre outras) comerem e beberem do bom e do melhor.


Importa relembrar que a nível internacional a nossa imagem não podia estar mais maculada. É que, pese embora as últimas notícias apontarem para o facto de Moçambique ter saído do “lixo” – de acordo com a avaliação de algumas agências de rating – o país continua a ser considerado paupérrimo.  O Relatório das Nações Unidas sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2019 coloca-nos na posição 180, entre um conjunto de 189 países.  Em gíria desportiva, diríamos que o país se encontra abaixo da “linha de água”, em zona de despromoção, sendo que nada nos poderá livrar, a breve trecho, de uma “descida de divisão”. Talvez por isso muitos moçambicanos (meio a brincar) digam que está na hora de o país fazer um “restart”.

 

Só para se ter uma ideia, até a Guiné-Bissau – país para onde o bom do MC Roger sugeriu que fossem “deportados” os descontentes da pátria amada – aparece em cima de nós (178). Já para não falar de Angola (149), São Tomé e Príncipe (137) e Cabo Verde (126), isto apenas no respeitante aos países africanos falantes do português.

 

Importa referir que, de alguma maneira, o nosso péssimo posicionamento na tabela do IDH tem muito a ver com a questão das desigualdades existentes no país. A título de exemplo, de acordo com um estudo, a incidência da pobreza, por exemplo, é cinco vezes maior no Niassa, 60.6%, do que na capital com 11.6%, enquanto as taxas de analfabetismo são sete vezes maiores em Cabo Delgado, 60.7%, do que na cidade de Maputo, com 9.5%.


Um PR bom de “lábia”

 

Apesar de todos os factores desfavoráveis supramencionados, o presidente lá tentou (e de certa forma conseguiu) fazer boa figura diante dos seus comensais. Aliás, “lábia” é coisa que nunca lhe faltou.  Até porque, se faz parte da natureza genética do moçambicano fazer de conta que está tudo bem (e chamar a isso “resiliência”), com o seu representante máximo tal não seria diferente. Estamos num país do “faz de conta”…

 

No brinde de quarta-feira, Sexa disse que a sua prioridade no ano prestes a findar foi sempre lutar pelo alcance da “paz duradoura, efectiva e sustentável” tida como condição para o desenvolvimento. Por essa razão, abordou as questões relativas aos conflitos que acontecem no centro e norte de uma maneira muito “sui generis”, dizendo na sua mensagem: “estamos atentos aos impacientes e intolerantes” – podendo daí subentender-se que o Nyongo e suas tropas, no centro, são os impacientes, enquanto os insurgentes, no norte, não passam de um bando de intolerantes.

 

Para Filipe Nyusi, o governo que dirige focalizou as suas acções nas áreas prioritárias, nomeadamente Agricultura, Turismo, Infra-estruturas e Energia. Disse-o sem delongas, da mesma maneira que mencionou a questão da expansão dos serviços bancários em todo o país, realçando que cobertura dos mesmos é (agora) de 90%, contra os 55% de 2015, quando chegou pela primeira ao palácio onde promoveu a tal festa de quarta-feira.


Em suma: o presidente foi (re)buscar algumas escassas vitórias para “vender” aos seus convivas uma imagem, o mais positiva possível, deste país que, para a esmagadora maioria do povo (honesto e trabalhador), regrediu a olhos vistos neste 2019.


Por isso, não obstante a sua reconhecida capacidade de empolar (pequenos) pormenores positivos, transformando-os em grandes vitórias, é pouco crível que tenha conseguido levar na conversa toda aquela gente fina que afluiu ao seu “tchim-tchim” por ocasião do fim do ano… (Homero Lobo)

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