A sentença do caso do desfalque de 84 milhões de meticais dos cofres do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), o chamado “banco dos pobres”, será conhecida a 27 de Janeiro de 2020.
Quem assim determinou foi o juiz do caso Rui Dauane, esta terça-feira, depois de ouvir os declarantes e as alegações finais do Ministério Público e da defesa dos três réus, nomeadamente, Francisco Mazoio, Presidente do Conselho de Administração do INSS, Baptista Machaieie, então director-geral daquela instituição, e Miguel Ribeiro, antigo director-geral da CR-Aviation.
O Ministério Público (MP), representado, na ocasião, por Sheila Matavele, pediu a condenação dos três réus por ter ficado provado, em sede do Tribunal, que os mesmos cometeram, de facto, os crimes de que são acusados.
Concretamente, tal como referiu o MP, Francisco Mazoio cometeu os crimes de abuso de cargo e função, simulação e peculato; Baptista Machaieie cometeu, igualmente, os crimes de abuso de cargo e função, simulação e peculato; enquanto Miguel Ribeiro os de simulação e peculato na forma de cúmplice.
Sheila Matavele disse que ficou provado que foi engendrado um plano com fito de, ilicitamente, sacar fundos do Instituto Nacional de Segurança Social. Francisco Mazoio e Baptista Machaieie, disse Sheila Matavele, violaram, de forma consciente, os regulamentos internos da instituição, concretamente o regulamento de Segurança Social Obrigatória, por, terem concedido um “empréstimo” ou “adiantamento” à CR-Aviation, “suportados” por um Memorando de Entendimento (ME).
A outra ilegalidade, arrolou o MP, é que, mesmo sabendo da obrigatoriedade da CR-Aviation estar inscrita na Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) como condição essencial para que o “negócio” pudesse avançar em conformidade com as normas internas, de forma deliberada, os dois réus simplesmente ignoraram, o que prova a ciência da matéria.
De entre outros, o Regulamento de Segurança Social Obrigatória demanda que o INSS está vedado de conceder empréstimos ou adiantamentos bem como de fazer parte da estrutura societária de empresas que não estejam cotadas na Bolsa de Valores de Moçambique.
Sobre Miguel Ribeiro, Sheila Matavele disse que, para além de ter participado das negociações que culminaram com a assinatura do ME, o réu solicitou que o INSS transferisse os 84 milhões de meticais, valor que foi usado para a aquisição das quatro aeronaves, para a Rani Resorts Moçambique Lda.
A ideia subjacente do ME celebrado entre as partes (INSS e CR-Aviation) é que o chamado “banco dos pobres” pretendia fazer parte da estrutura accionista daquela empresa do ramo da aviação civil, sendo que para o efeito iria desembolsar 7 milhões de dólares norte-americanos, correspondente a 15% das acções.
Argumentos da Defesa
Isaías Matsinhe, advogado de Francisco Mazoio, foi primeiro a esgrimir os seus argumentos tendo em vista inocentar o seu constituinte. Matsinhe disse que Francisco Mazoio devia ser inocentado pelo tribunal por não se ter conseguido provar que ele cometera os crimes de que é acusado.
Avançou que Mazoio assinou, sim, o ME com a CR-Aviation, mas, em deliberações e sessões seguintes, orientou que fossem respeitados os aspectos que têm que ver com a legalidade da operação, pontificando a questão da cotação na BVM. A responsabilidade deve sim, como defendeu Matsinhe, ser imputada à direcção-geral e aos gabinetes que a assistem – em particular o jurídico que, praticamente, não fez o papel que lhe cabia.
Isaías Matsinhe disse não haver espaço para o enquadramento do crime de peculato, precisamente por ter ficado provado que o seu constituinte não se apropriou de um “vintém” sequer e muito menos algum familiar directo. Aliás, avançou, igualmente, que sequer autorizou que fossem feitas transferências para si, seus familiares ou ainda para a CR-Aviation.
No que respeita ao crime de simulação, Matsinhe disse que Mazoio não simulou qualquer negócio, pois, ficou provado que o “negócio” se efectivou, isto porque as aeronaves foram adquiridas e do valor global nenhum centavo foi usado para um fim que não fosse esse.
Por seu turno, Abílio Simbine, causídico de Baptista Machaieie, começou por dizer que não se havia produzido prova suficiente para o tribunal decidir com justeza e, consequentemente, fazer a justiça. Este argumento assenta no facto de, para além de terem havido alguns depoimentos contraditórios entre os declarantes, foi desentranhada “prova importante” dos autos, que segundo Simbine ajudaria o tribunal a chegar à verdade dos factos.
Simbine disse que não ficou provado, em sede do tribunal, que Baptista Machaieie cometeu o crime de peculato, porque ele não sacou dinheiro do INSS para fim próprio ou de terceiros. O causídico de Machaieie fez questão de vincar, repetidas vezes, que o seu constituinte não procedeu a título individual, mas, sim, guiado pelas decisões que eram emanadas pelo Conselho de Administração, dirigido por Francisco Mazoio.
Simbine, tal como disse Matsinhe, avançou que não há aqui qualquer brecha para se encontrar o crime de simulação, em virtude de os fins para os quais eram destinados os 84 milhões de meticais terem sido atingidos, ou seja, a aquisição das quatro aeronaves, cuja apreensão foi mais tarde ordenada pelo MP.
O defensor de Miguel Ribeiro, no caso Elísio de Sousa, foi o último entre os causídicos a apresentar os seus argumentos. Para ele, Miguel Ribeiro nunca devia ter sentado no banco dos réus, porque não cometera nenhum crime. Disse que o seu constituinte foi levado à barra da justiça por arrastamento, isto porque quem, de facto, devia ali estar sentado era o falecido PCA da CR-Aviation, por ter sido ele quem liderou as negociações com o INSS e o processo que culminou com a aquisição das aeronaves à Rani Resorts Moçambique Lda.
Para o caso do seu constituinte, tal como disse, não se aplica o crime de peculato na forma de cúmplice, precisamente por ele não ser um funcionário público e, ainda que fosse, ele não se apropriou de qualquer centavo do dinheiro que saiu dos cofres do INSS.
Na hipótese de ter sido cometido o crime de peculato, De Sousa questionou qual o prejuízo que o seu constituinte teria causado ao Estado, partindo do pressuposto de que o dinheiro que saiu do INSS foi, de facto, aplicado na aquisição das aeronaves que mais tarde foram confiscadas pelo MP.
Sobre os regulamentos internos do INSS, que de acordo com o MP não foram respeitados no negócio com a CR-Aviation, De Sousa disse que cabia aos gestores daquela instituição que gere a previdência social no país tomarem em atenção esse aspecto e, por isso, a responsabilidade não deve recair sobre o seu constituinte por este ter simplesmente assinado o ME. (Ilódio Bata)