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quarta-feira, 04 dezembro 2019 05:44

Adelino da Silva: o “preso político” da ND que não se arrepende

Setenta e duas horas depois da soltura dos “18 combatentes da liberdade”, tal como se auto-intitularam os jovens da Nova Democracia (ND), “Carta de Moçambique” chegou à fala com um deles. Adelino da Silva tem 25 anos de idade, é delegado distrital do partido Nova Democracia (ND) no Chókwè, província de Gaza, e durante o período eleitoral coube-lhe o papel de mandatário distrital daquela formação política.

 

Esta segunda-feira, Adelino da Silva partilhou com o nosso jornal a amarga experiência que viveu durante os 46 dias em que esteve “injustamente” privado da liberdade. “Até hoje não compreendemos porque fomos presos”, disse, acrescentando que não se arrepende de nada do que fez porque é um defensor inveterado da construção de um estado verdadeiramente democrático, onde a liberdade de escolha e de pensamento sejam regra e não excepção.

 

Filho de pai zambeziano e mãe gazense , Da Silva, que reside na cidade de Chókwè, concluiu o ensino médio na Escola Secundária Patrice Lumumba, em Quelimane, depois de ter frequentado os primeiros oito anos de escolaridade (da 1ª à 8ª classes) na terra que o viu nascer, no caso Chókwè.



As ditas “credenciais falsas”

 

Começou o nosso entrevistado por assinalar que o argumento das “credenciais falsas”, evocado pelos órgãos eleitorais, não passa de uma “brilhante fabricação”, precisamente porque foram os próprios órgãos eleitorais que as emitiram. Precisamente, foram passadas 216 credenciais, embora a ND tenha solicitado um total de 280. As restantes nunca chegaram a ser emitidas.

 

Da Silva contou que mais da metade dos delegados de candidatura da ND foram detidos nas mesas de votação sob orientação do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), cerca das 11H00 daquela manhã. O mandatário distrital revelou que os delegados da ND apresentaram-se às mesas de voto antes do início da votação (que por lei arranca pontualmente às 7H00), apresentaram as credenciais aos presidentes das mesas, começaram com os trabalhos, sendo até que alguns chegaram a exercer o seu direito de voto (no caso, através do voto especial).

 

Segundo narrou o nosso entrevistado, as detenções tiveram lugar, precisamente, quando os presidentes das mesas, de repente, decidiram expulsar todos os delegados de candidatura da ND – alegadamente porque haviam recebido ordens superiores. Não concordando com a arbitrária decisão, estes decidiram permanecer no exterior das salas de votação, onde acabaram sendo detidos.


Minutos antes da detenção, porém, um quadro sénior dos órgãos eleitorais retirou as credenciais daqueles delegados de candidatura.

 

Os delegados da ND, que posteriormente ganharam o cognome de “presos políticos”, encontravam-se a trabalhar nas Escolas Secundária Ngungunhane e Primária África Amiga.

 

O nosso entrevistado contou-nos que, no seu caso, foi preso precisamente quando se dirigiu à esquadra pelos seus próprios pés para se inteirar sobre o que, de facto, havia acontecido com os seus companheiros.


De acordo com Adelino da Silva, todos eles foram presentes à juíza de instrução, no próprio dia 15, a qual depois de ouvi-los (uma parte às 19 horas e outra às 0 horas), ordenou a sua prisão preventiva.


De acordo com a nossa fonte, das instalações do tribunal até às celas da cadeia de Guijá, os detidos foram conduzidos por agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), numa viatura de marca Mahindra. Confidenciou-nos ainda que, durante todo o percurso, ele e os companheiros foram constantemente ameaçados de morte.

 

“A juíza disse-nos que iríamos ficar em prisão preventiva. Depois de terminada a audição, do lado fora, fomos encontrar agentes da UIR, mascarados e a gritarem que quem desse um passo seria morto. Enquanto isso, manipulavam as suas armas sempre apontadas às nossas cabeças. Meteram-nos a todos na tal carrinha Mahindra de caixa aberta. Mandaram-nos permanecer deitados. Aquilo parecia um filme de terror”, contou Da Silva.

 

As condições nas celas de Guijá e Xai-Xai

 

“Desumanas”! – foi a expressão escolhida por Adelino da Silva para descrever as condições a que foram sujeitos os delegados da ND tanto na cadeia de Guijá, como na de Xai-Xai, na capital provincial de Gaza.


Segundo Da Silva foram todos encarcerados num antigo armazém (hoje transformado em cela), em cujo interior (pelas suas contas) estavam aproximadamente 200 pessoas, entre as quais alguns perigosos cadastrados.

 

Adelino da Silva contou que não havia uma “nesga de espaço” e que eles, nalgumas vezes, tinham de dormir “em pé”. Os sanitários andavam sempre sujos e a água só saía de quando em vez. Da Silva prosseguiu afirmando que, para além de serem obrigados a passar as refeições no interior das celas nauseabundas, não tinham direito a banhos de sol.

 

A alimentação era outro “martírio”, disse a nossa fonte. Pela manhã apenas tinham direito água quente sem açúcar. Ou seja, cada recluso tinha de “procurar” o seu açúcar para o pequeno-almoço. Ao almoço, “comíamos xima mal confeccionada e feijão, quase todos os dias. Quando fosse para variar davam-nos caril de carapau e arroz. Era muito normal na xima veres farelo”, contou.

 

Passado um mês, foram transferidos para a cadeia de Xai-Xai, onde a melhoria apenas se limitou aos sanitários, que ofereciam melhores condições que os da cadeia de Guijá.

 

Porém, no Xai-Xai, as celas também estavam verdadeiramente lotadas e, tal como em Guijá, não havia espaço para que se pudesse dormir condignamente. Contou-nos o nosso interlocutor que, se porventura um recluso se levantasse para fazer o que quer que fosse, não encontrava mais espaço para dormir, precisamente porque o mesmo era automaticamente ocupado por outro.

 

Da Silva avançou porém que nenhum dos delegados da ND chegou a ser espancado.

 

Conta-nos o nosso entrevistado que, durante o período de reclusão, chegou a ter problemas de saúde, nomeadamente complicações respiratórias, que culminaram com a perda de sentidos, sendo que numa das vezes teve mesmo de ir parar ao hospital. O elemento mais novo do grupo, Moisés Ubisse (19 anos de idade) também teve febres e foi igualmente assistido numa unidade sanitária.

 

“Os outros reclusos sempre nos perguntavam porque é que ali estávamos e quando explicávamos que era por causa das eleições eles só comentavam que o Governo da Frelimo não é sério. Enfim, só lamentavam a nossa condição”, disse Da Silva.

 

Adriano da Silva fez questão de frisar que, durante todo o período em que estiveram em reclusão, receberam apenas a visita de Adriano Nuvunga, Director Executivo do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD). (Ilódio Bata)

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