Por Marcelo Mosse
Na actual batalha judicial à volta do caso da denúncia caluniosa sobre soja geneticamente modificada (e não sobre feijão bóer como tem sido propalado), entre o Grupo ETG e o Grupo Royal Limitada (RGL), em que a firma moçambicana exige da indiana uma compensação de 60 milhões de USD, pois considera que funcionários daquela multinacional causaram-lhe prejuízos equivalentes na Índia (através dessa denúncia, posteriormente desmentida judicialmente), a comunicação social tem sido induzida a publicar “fake news".
Jornais e agências de prestígio mundial, como o Financial Times, a Bloomberg, a Reuters e a Lusa, normalmente vigilantes contra narrativas falsas, caíram levianamente na fita. Não era de somenos: a narrativa da vitimização de um player global das commodities, o ETG, diante de uma empresa moçambicana em conluio com autoridades corruptas locais. Coisa que encaixa como uma luva na santificação do investidor estrangeiro e demonização do governo africano.
Um levantamento feito por “Carta de Moçambique” registou uma forte presença mediática em todo o mundo de narrativas favoráveis ao Grupo ETG, geralmente pintado como vítima de um alegado cartel moçambicano com centro no Royal Grupo Lda. Depreende-se que, com sua pujança económica, o ETG consegue passar facilmente na mídia mundial todas as suas narrativas, mas muitas das vezes isso não acontece sem deturpação da verdade.
O último episódio foi há pouco mais de duas semanas (dias 17 e 18 de Janeiro), quando 250 contentores embarcados pelo Grupo Royal no navio UBENA da CMA iriam partir para a Índia carregados de feijão holoco. Três providências cautelares interpostas pelo Grupo ETG em tribunais de Nampula fizeram com que, ao invés da mercadoria partir para a Índia, um processo de averiguação minuciosa tivesse lugar para se comprovar a suspeita do ETG: a de que o Grupo Royal estava a exportar seu feijão bóer e outras mercadorias arrestadas pela Justiça em Dezembro e confiados ao RGL como seu fiel depositário.
Na sexta feira, 17 de Janeiro, 15 contentores do RGL foram descarregados e verificados minuciosamente por entidades judiciárias, portuárias, marítimas e alfandegárias (incluindo os representantes legais do ETG e do RGL), mas o resultado foi completamente nulo. Ou seja, não foi encontrado nenhum indício da mercadoria arrestada.
Mas, ao longo desse dia, o noticiário favorável ao ETG marcou as parangonas. Jornais e agências de craveira mundial foram induzidos ao “fake news”. A agência portuguesa Lusa, que investe muito contra o “fake news”, intitulava “Moçambique: Tribunal cancela saída e trânsito de feijão bóer apreendido ao ETG por concorrente”.
Seu artigo, em inglês, (https://clubofmozambique.com/news/mozambique-etg-to-stop-export-of-seized-pigeon-peas-252555) noticiava, erradamente, que o Tribunal Marítimo da Província de Nampula cancelou a saída de contentores que transportavam feijão bóer e outros produtos apreendidos ao conglomerado ETG em Moçambique, que um concorrente pretendia exportar, segundo uma decisão a que a Lusa teve hoje acesso. Nada mais que “fake news”. Não houve nenhuma tentativa de exportação de feijão bóer arrestado por parte do Grupo Royal, nem o Tribunal fez tal informação.
“O texto acrescentava: Em causa está um litígio que se arrasta há meses e que já levou o ETG, que solicitou a intervenção do Presidente da República, a interpor uma providência cautelar, num processo judicial sobre a apropriação da sua carga, no porto de Nacala, pelo concorrente Royal Group Limitada (RGL)”. Não houve apropriação da carga do ETG, mas apenas um arresto judicial.
Na sua edição de 17 de Janeiro, o Financial Times caiu na mesma ladainha mentirosa. No artigo intitulado “Trading firm tries to halt $60mn shipment of seized pigeon peas”, o jornal cor de salmão escrevia: “o Grupo ETG estava a correr para suspender o envio de até 60 milhões de dólares em feijão bóer e outros alimentos de Moçambique para Índia, depois de acusar as autoridades de ajudar uma firma local a confiscar ilegalmente os seus activos”. Mas, como ficou provado em duas inspecções judiciais, foi nomeada uma amostra de 15 contentores do RGL e 23 contentores da Green Mauritânia.
Um dia antes, a prestigiada agência de informação financeira “Bloomberg” também era claramente empurrada para a incorreção. Na sua edição 16 de Janeiro, a agência escrevia que o grupo ETG, um comerciante de commodities agrícolas que é parcialmente detido pela Mitsui & Co., disse que teve quase 61 milhões de dólares dos seus produtos apreendidos em Moçambique após uma disputa legal com um concorrente nacional.
O Royal Group Lda., um comerciante que opera na cidade portuária de Nacala, país do sudeste africano, começou a apreender as cargas do ETG em Nacala no mês passado, de acordo com um comunicado do ETG.” Mitsui-Backed ETG Has $61 Million of Cargo Seized in Mozambique - Bloomberg.
Quem também não escapou à narrativa do ETG que, essencialmente, espalhava para o mundo a imagem aterrorizante de um Moçambique sem lei e ordem, foi a prestigiada agência noticiosa americana Reuters. Com o título “Mozambique court rules for ETG commodities in pigeon peas battle”, a agência sediada em Nova Iorque escrevia, a 19 de Janeiro: “um tribunal moçambicano decidiu que um carregamento de feijão bóer pertencente ao corretor global de mercadorias Export Trading Group (ETG) não pode ser exportado para a Índia (...). O ETG recorreu aos tribunais para impedir o Royal Group Limitada, com sede em Moçambique, de exportar milhares de toneladas de feijão bóer, avaliadas em 61 milhões de dólares, que alegou terem sido apreendidas ilegalmente nos armazéns do ETG” (Mozambique court rules for ETG commodities in pigeon peas battle).
Como algumas das plataformas noticiosas usadas pelo ETG para espalhar o “fake news” são agências que distribuem comercialmente seu noticiário para todo o mundo, várias foram as publicações que acabaram vendendo aos seus leitores gato por lebre, entre os quais estão alguns sites estrangeiros de pouca relevância cujos nomes nem faz sentido mencionar.
A estratégia da narrativa do Grupo ETG continuou nos dias seguintes (a Lusa tem caído facilmente no enredo), polvilhando a grande mídia internacional de mentiras, enganando leitores e mercadores sobre o que verdadeiramente se passa em Moçambique relativamente à saga do feijão boer.