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quinta-feira, 21 julho 2022 09:57

Dívidas Ocultas: A recuperação de activos será uma miragem, enquanto não houver vontade da PGR em investigar – defende advogado

A recuperação de activos no âmbito do caso das “dívidas ocultas” será uma miragem, enquanto não houver vontade e nem coragem por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR) em investigar os bens adquiridos com o dinheiro do calote.

 

Este ponto de vista foi manifestado esta quarta-feira pelo advogado e activista dos direitos humanos, João Nhampossa, num webinar sobre a “Recuperação de Activos no âmbito das “Dívidas Ocultas”, organizado pelo Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO).

 

Segundo João Nhampossa, a investigação em curso é demasiado lenta e permite aos arguidos dissiparem os bens que adquiriram através do dinheiro das “dívidas ocultas”. A fonte nota que no princípio houve um show (da PGR) de exibição de bens adquiridos com o dinheiro das “dívidas ocultas”, que alimentou expectativa dos cidadãos sobre uma possível recuperação dos activos, mas que de seguida acabou gerando frustração.

 

Para o activista, a falta de vontade e coragem em investigar os activos a serem recuperados no âmbito do processo das “dívidas ocultas” deve-se à captura do poder judiciário pelo poder executivo. Aliás, o activista salienta que o próprio processo das “dívidas ocultas” ganhou força devido à pressão da sociedade civil e não por vontade do próprio Estado.

 

“Quando iniciou o julgamento das “dívidas ocultas”, havia uma grande expectativa em ver o «peixe graúdo» envolvido no processo, mas depois houve manobras para se afastar este e aquele. Alguns declarantes deviam ser arguidos e alguns arguidos deviam ser declarantes”, defendeu João Nhampossa, para quem o julgamento não deixou qualquer lição no combate à corrupção, apontando a gestão danosa dos fundos da Covid-19 como o mais recente exemplo da “falta de medo e vergonha” por parte dos servidores públicos.

 

Desde a entrada em funcionamento do Gabinete Central de Recuperação de Activos (GCRA), em 2020, refira-se, a PGR apenas conseguiu recuperar 1.349.503.317,07 Meticais, fruto da apreensão de viaturas, imóveis, dinheiro e diversos bens adquiridos ilicitamente. Os dados foram partilhados em Abril último pela Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, no seu Informe Anual, porém, sem revelar se os mesmos estavam ligados às “dívidas ocultas”.

 

Lembre-se que o Ministério Público pediu ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo que os arguidos das “dívidas ocultas” sejam condenados ao pagamento de uma indemnização de 2,7 mil milhões de USD, correspondentes ao total das “dívidas ocultas”, acrescidos de juros de 850,5 mil USD, calculados até 2019.

 

Segundo o advogado, o Estado moçambicano premeia a impunidade, facto que leva muitos infractores a não se preocuparem com as consequências resultantes da prática do crime de corrupção. “As pessoas que praticam a corrupção e outros crimes conexos estão à vontade porque têm garantia de que se vão manter impunes. Se acontecer, será um processo para o inglês ver”, defendeu, referindo que a própria PGR também está à vontade.

 

“A própria PGR está à vontade. O mais recente informe é selectivo, busca uma e outra coisa, vai buscar dados genéricos e confirma a corrupção dentro do próprio judiciário. A PGR está a fazer política com assuntos sérios de legalidade”, sentenciou o jurista.

 

Aliás, para João Nhampossa, o processo das “dívidas ocultas” continua gastando dinheiro ao Estado moçambicano sem que os activos sejam recuperados, fazendo referência aos mais de 100 milhões de Meticais já gastos pela Procuradoria-Geral da República no processo Manuel Chang na África do Sul e aos mais 5,8 milhões de Euros gastos nos processos interpostos em Londres, na Inglaterra.

 

Para além da PGR, João Nhampossa aponta também o Tribunal Administrativo como outra instituição que dorme por cima dos processos. Afirma que, nos seus relatórios e pareceres da Conta Geral do Estado, o Tribunal Administrativo tem apontado irregularidades financeiras, mas nunca responsabiliza os infractores, tal como acontece no caso das “dívidas ocultas”.

 

Aliás, em Março último, o Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), uma organização da sociedade civil, questionou o silêncio do Tribunal Administrativo perante o pedido formulado pela PGR em Março de 2018 para “responsabilizar financeiramente os gestores públicos envolvidos nos empréstimos ilegais de mais de dois mil milhões de dólares para as empresas Proindicus, MAM e EMATUM”.

 

“Caso das dívidas ocultas mostra que o crime compensa” – Borges Nhamirre

 

Já para o jornalista e investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), Borges Nhamirre, enquanto o Ministério Público não recuperar os bens adquiridos com o dinheiro das “dívidas ocultas”, o crime terá recompensado para os envolvidos.

 

Nhamirre nota que os três banqueiros do Credit Suisse, banco suíço envolvido no “calote, que se declararam culpados perante a justiça norte-americana, viram os seus bens congelados nos Estados Unidos da América, facto que não se verificou em Moçambique.

 

Contudo, diferentemente de João Nhampossa, Nhamirre entende que o judiciário se encontra capturado pelo partido Frelimo, formação política que controla o Estado moçambicano desde que o país ficou independente em 1975.

 

“Em Moçambique, está claro que a coisa mais importante é o partido Frelimo”, defendeu Nhamirre, sublinhando que o processo chegou a esta fase devido às desavenças que existem entre os membros do partido.

 

Aliás, para sustentar a sua tese, Nhamirre apontou a ausência do partido Frelimo no banco dos réus, apesar de ter recebido 10 milhões de USD no âmbito das “dívidas ocultas”. Por essa razão, refere que o julgamento foi selectivo, pois, há indivíduos e entidades que deviam ter sido chamados para o banco dos réus, mas que foram preteridos: é o caso da Africâmbios, a casa de câmbios que serviu de lavandaria do dinheiro das “dívidas ocultas”.

 

No caso dos gastos da PGR com processos no estrangeiro, Nhamirre entende que o processo de Londres é importante porque pode livrar o país de qualquer obrigação financeira no calote, enquanto o caso de Manuel Chang é de Polícia. “Os procuradores envolvidos nestes pagamentos devem ir ao Tribunal”, afirma.

 

Refira-se que a leitura da sentença do caso das “dívidas ocultas” acaba de ser adiada de 01 de Agosto para 30 de Novembro de 2022, devido à complexidade do processo, segundo o juiz Efigénio José Baptista. (Abílio Maolela)

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