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quarta-feira, 06 julho 2022 06:40

Como se ganham as eleições em Angola, escreve José Gama*

Em Agosto de 2017, enquanto a Comissão Nacional Eleitoral de Angola (CNE) ainda processava metade dos resultados provisórios das eleições, o MPLA, partido no poder, realizava uma conferência de imprensa na sua sede anunciando que ganhou com 61% dos votos e que João Lourenço seria garantidamente o terceiro Presidente da República da história do país.

 

Quando a sociedade questionou a autenticidade da percentagem que o partido no governo se atribuiu, um dos seus responsáveis da alta hierarquia, João Martins, respondeu aos jornalistas que eles próprios fizeram contagem paralela dos votos. A resposta foi surpresa, porque todos sabem que o MPLA confia nas instituições, controla a CNE por via dos seus comissários que formam a maioria, e seria o último partido a perder tempo a montar estruturas para contagem paralela.

 

Logo a seguir, a CNE começou a divulgar os resultados definitivos que ficaram em conformidade aos anunciados a partir da sede do MPLA. Não tardou muito, o país foi surpreendido com uma conferência de imprensa de comissários da CNE denunciando que não estavam a ter o acesso à sala técnica do escrutínio e que desconheciam a origem dos resultados que estavam a ser anunciados em nome desta instituição na televisão estatal.

 

A pergunta que todos fazem é: qual o segredo do MPLA, em ter os resultados eleitorais antecipadamente quando a CNE nem sequer tinha ainda concluído a contagem dos mesmos? De acordo com os registos, sempre que há eleições, as autoridades angolanas contratam uma empresa espanhola, INDRA, para o fornecimento de logística eleitoral como boletins de votos, esferográficas, caixas, cadernos e etc. A INDRA é bastante conhecida na América Latina, onde é sempre acusada de ajudar regimes autocráticos daquele continente de se fazerem eleger por meios fraudulentos.

 

Em Dezembro de 2021, a CNE realizou um concurso público para contratação da empresa que iria ficar com a logística eleitoral. Concorreram apenas duas empresas. A INDRA e a norte-americana SmartMatic. Neste concurso foram verificados vários vícios e violações à lei da contratação pública. A lei da contratação determina que seja seleccionada a empresa com a “proposta economicamente mais vantajosa”. Dentre as duas empresas que concorreram no referido concurso, a CNE escolheu a empresa que apresentou o orçamento mais alto, neste caso a INDRA que estará a cobrar mais de 100 milhões de dólares pela contratação. A outra concorrente terá apresentado um orçamento inferior a 100 milhões de dólares americanos.

 

Um dos requisitos que a CNE exigiu para este concurso foi o de “experiência internacional” e a “nível da SADC”. Com este requisito, excluiu automaticamente empresas angolanas de poderem concorrer visto que nenhuma delas tem experiência em organizar eleições. A INDRA tem organizado na região da SADC (Angola e no Zimbabué) e em vários países da américa latina. O concurso violou o artigo da lei da contratação que manda priorizar as empresas angolanas nos contratos. A INDRA foi declarada vencedora do concurso.

 

A outra concorrente, apesar de ter experiência eleitoral internacional, foi desclassificada. A CNE alegou que o envelope em que a mesma trazia os documentos tinha o selo colocado na posição errada. A CNE já não perdeu tempo em analisar a proposta da Smartmatic. Condenou-a pela capa.

 

O caderno de encargos do concurso público produzido pela CNE em Dezembro de 2021 determina que os técnicos informáticos que vão trabalhar no lançamento dos resultados eleitorais, a partir das assembleias de votos e no centro de escrutínios, serão todos disponibilizados pela prestadora INDRA, que ganhou o contrato para logística eleitoral. Com isso, a INDRA coloca também na sala técnica do centro de escrutínio quem ela quiser porque está assim no contrato. É por via desta abertura que nas eleições passadas a INDRA colocou neste centro e nas assembleias de votos elementos da Casa Militar do Presidente da República travestidos de técnicos informáticos contratados pela empresa espanhola. Daí que, nas eleições de 2017, os comissários nacionais da CNE denunciaram que não se lhes estava a dar o acesso à sala de escritórios. Em outras palavras, estes comissários indicados pela oposição, para integrar a CNE, estavam a dizer que eram elementos da Casa Militar do PR.

 

A empresa que faz o transporte das urnas eleitorais nas eleições em Angola é o consórcio KPMP-LTI, liderado pela LTI‐logistica e transportes integrados, ligada a gestores das empresas do antigo Chefe da Casa Militar, general Hélder Manuel Vieira Dias “Kopelipa”. No passado dia 11 de Fevereiro, a CNE anunciou a aprovação deste mesmo consórcio para a prestação de serviço de transportação da logística eleitoral, das eleições de Agosto de 2022.

 

A ausência de transparência eleitoral em Angola começa neste documento (caderno de encargos do concurso público) aprovado pela CNE. Em Angola, o acto de votação tem sido pacífico, exemplar e sem sobressaltos. O único problema é que os verdadeiros resultados eleitorais não são usados, porque a partir do centro de escrutínios, a equipa da Casa Militar que aí trabalha como “técnicos” anuncia resultados conforme as “orientações superiores” que lhes foram baixadas.

 

No momento do lançamento dos resultados, a CNE apenas divulga resultados dos municípios e das províncias, contrariando a lei angolana. Não publica os resultados fixando nas paredes das assembleias de voto, ou na página web. A CNE anuncia fazendo leitura dos alegados resultados.

 

A INDRA também organiza eleições na Colômbia. Neste país, a INDRA foi obrigada a criar condições para que, a partir das assembleias de voto, enviasse ao mesmo tempo, os mesmos resultados para os centros de escrutínios criados pelos concorrentes das eleições. A sociedade levantou-se para que o software usado passasse a fazer parte do património da Colômbia. Os colombianos compraram o software por 27 milhões de dólares e, nas próximas eleições, já não será preciso contratarem a INDRA para comprar a solução informática, basta apenas actualizá-la. Tal como em Angola, a INDRA não vende o software. Apenas aluga, por isso que em todos os pleitos tem de chamar esta empresa espanhola. Suspeita-se que, por detrás desta dependência, haja fins de sobrefacturação nos contratos. Tendo em conta que a CNE em Angola é “sequestrada” sempre que há eleições, isto faz com que o partido no poder não precise dos verdadeiros resultados eleitorais, uma vez que pode atribuir-se o resultado que quiser estando no centro de escrutínios. Precisa apenas de criar argumentos para justificar os seus resultados. No passado, o argumento era de que a “oposição é desorganizada”, que é “fraca” e que o povo não os votou porque fizeram a guerra no passado.

 

Há poucos meses o Presidente da República e líder do MPLA, João Lourenço, disse num comício que o seu partido precisa de recuperar 20% dos votos perdidos nas eleições anteriores. A mensagem foi entendida como, para além dos 61% dos resultados eleitorais de 2017, o Presidente quer mais 20%, o que equivale a 81% dos resultados. A mensagem de JL foi vista como uma instrução à CNE para que saiba a percentagem de resultados que gostaria de ter nas eleições.

 

Uma vez que o MPLA já tem notação dos resultados que irá ter nas eleições, precisa agora trabalhar na sua imagem criando um estado de opinião de que todos o apoiam. A UNITA, e mais forças da sociedade civil, se uniram e o argumento de que “estão desorganizados” fica por terra. O novo argumento de vitória são as enchentes de comícios. Algumas sondagens que estavam a ser feitas, em Angola, apontavam vantagem para o maior partido da oposição, a UNITA.

 

Recentemente, o MPLA aprovou uma lei que impede as sondagens, em período de campanha eleitoral, determinando ainda que, antes da divulgação de sondagens por parte de empresas privadas, os resultados devem ser enviados primeiro para o governo, para a devida aprovação. Um outro adversário do partido no poder são os canais de televisão digitais operando nas redes sociais. O Governo andou a convocar alguns destes canais para exigir documentação que prova a sua legalidade.

 

No passado mês de Abril, o Presidente (nas vestes de líder partidário) esteve na província de Cabinda onde fez um comício no estádio municipal do Tafe com capacidade para acolher entre 5 a 9 mil pessoas. Um responsável da equipa da propaganda do MPLA, Wankana Oliveira, empolou os dados anunciando que no estádio havia 60 mil pessoas.

O trabalho que o partido no poder está a fazer é de fazer crer as pessoas que os comícios cheios equivalem a votos. O Presidente tem indicado, em entrevistas, que a popularidade do MPLA se espelha nas enchentes dos seus comícios. Se o quadro não for alterado, tudo indica que em Agosto próximo, o partido no poder em Angola poderá se apresentar com resultados eleitorais entre 70% a 80% e depois vai justificar alegando: “ganhamos porque enchemos os comícios”.

 

*Jornalista angolano

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