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quarta-feira, 13 fevereiro 2019 09:30

As “falcatruas” de Amélia Sumbana

O Ministério Público (MP) acusou ontem a antiga embaixadora de Moçambique nos Estados Unidos da América (EUA) no período 2009-2015, Amélia Matos Sumbana, de ter prejudicado o Estado moçambicano num valor correspondente a 17.390.366 Meticais, na sequência de vários levantamentos bancários com o alegado propósito de aplicar o dinheiro em despesas oficiais da Embaixada. A acusação do MP a Amélia Sumbana - cujo julgamento iniciou esta terça-feira (12) no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, 7ª Secção - consta no processo querela número 25/2016/A, onde a arguida responde pelos crimes de abuso de funções, peculato (no artigo 213 do código penal), branqueamento de capital e violação da lei de probidade pública, nos seus artigos 8 e 15.

 

Amélia Matos Sumbana tinha sob seu controlo três contas bancárias da Embaixada de Moçambique nos EUA, todas elas domiciliadas no City Bank, em Washington. Uma das contas (1ª) era a de “receita consular”. Havia uma outra (2ª) de “funcionamento”, e também a (3ª) de “missão comercial’. Em 2009, a Embaixada de Moçambique nos EUA recebeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MINEC) 255.615 USD, aos quais foram adicionados 868.839,04 USD em 2010. No ano seguinte (2011), a nossa representação diplomática nos EUA recebeu 889.589,07 USD, e 900 mil USD em 2012. Em 2013 foram enviados pelo MINEC à Embaixada de Moçambique nos Estados Unidos 865.971,10 USD. Em 2014 entraram nas contas controladas por Amélia Sumbana 877.84,70 USD e, no ano seguinte 572.773,72 USD, totalizando 5.231.875.60 USD.

 

Todos os montantes a que acima se fez referência destinavam-se ao funcionamento da Embaixada. Uma das condições para poderem ter acesso às contas, Amélia Matos Sumbana e Maria do Céu Sambo, adida financeira e administrativa, tinham de utilizar cheques. No entanto, a ré começou a usar um cartão particular para efectuar pagamentos das despesas da Embaixada, através de transferências que eram feitas a partir das tais contas sob seu controlo para a sua conta particular. Amélia Sumbana dava ordens verbais à Maria do Céu Sambo para esta passar os cheques com os valores a pagar, e datas de pagamento, que depois eram depositados na sua conta no City Bank.

 

Sempre que fosse solicitada a justificar o destino dos valores levantados, depois de terem sido utilizados, Amélia Sumbana, regra geral, adiava a justificação. O MP apurou que a ré transferia o dinheiro para suas contas bancárias particulares em Moçambique. A principal conta está domiciliada no Banco Comercial de Investimentos (BCI), e é comparticipada com o marido, Adriano Fernando Sumbana. O MP também apurou que as referidas contas estão neste momento congeladas, na sequência do processo-crime ora em julgamento.

 

Venda da residência protocolar

 

Em 2011, Amélia Sumbana vendeu a residência protocolar de Moçambique em Maryland, perto de Washington, por alegadamente estar degradada. Com o dinheiro da venda comprou uma nova residência protocolar, também localizada em Maryland no valor de 800 mil USD. Para aquisição desta última residência, Amélia Sumbana recorreu a um empréstimo bancário no valor de 1.278.997 USD. O referido empréstimo foi avalizado pela empresa Hilton Real Stings”, de um zimbabueano identificado como Chen Sithole.

 

A acusação está em crer que os cheques passados para a compra de mobiliário para apetrechamento da nova residência protocolar foram, na verdade, usados pagar comissões ao avalista do empréstimo. A 12 de Fevereiro de 2012, o MINEC pagou, entretanto, toda a dívida. No dia 6 de Junho do mesmo ano, Amélia Sumbana beneficiou de um prémio do banco de 124 mil USD de pelo pronto pagamento da divida. Segundo o representante do MP, Alexandre Chiconela, durante o processo de aquisição da nova residência a arguida terá sido coadjuvada por Chen Sithole, que por sinal trabalhava com Narciso Matos Sumbana, filho de Amélia Sumbana. Conforme explicação dada pela mãe, Narciso Sumbana estava a estudar, e tinha um visto de estudante. Mais tarde veio a saber-se que ele tinha um visto diplomático de classe A1, e era membro do Conselho de Direcção da empresa que prestava serviços à Embaixada de Moçambique nos EUA.

 

Carro do Estado vira particular

 

Ainda durante o seu reinado na Embaixada de Moçambique nos EUA, Amélia Sumbana comprou uma viatura protocolar que deveria estar em nome do Estado, mas que constava nos documentos como se fosse propriedade particular. No processo interno a embaixadora declarou que se tratava de um Range Rover, mas através da intervenção do inspector do MINEC, Francisco Neto Novela, que despoletou o caso, descobriu-se que era Mercedes Benz. Na opinião do MP, a compra do Mercedes Benz foi uma violação dos procedimentos normais por que se rege o processo de aquisição de bens pelo Estado moçambicano.

 

Amélia Sumbana justificou ter optado pela compra da viatura em causa à empresa Manhattan Import Car porque na altura participava de uma feira de promoções. Disse ter ordenado de imediato à adida financeira e administrativa Maria do Céu Sambo para emitir um cheque de 31.914 USD. Deste dinheiro só foram usados 12.101 USD para a compra do carro, ficando um défice de 19 mil USD por justificar. Entretanto, semanas depois Amélia Sumbana voltou a pedir um outro montante de 36 mil USD para pagar à empresa que tinha vendido o carro protocolar, alegadamente porque os juros estavam a ser agravados.

 

Viajar na “económica”, e receber da “executiva”

 

Consta no processo que Amélia Sumbana terá feito cinco viagens aéreas EUA-Moçambique na classe económica, preterindo a executiva, que lhe estava reservada por direito. Mas sempre que regressasse aos EUA exigia que lhe fossem reembolsados os ‘remanescentes’ correspondentes à executiva! Através desse esquema, Amélia Sumbana logrou embolsar 67 mil USD. Entre outras “falcatruas” da antiga embaixadora de Moçambique nos EUA inclue-se a requisição de 8.834 USD para uma formação na Universidade de Norwich. No conjunto das acusações consta que Amélia Sumbana comprou por cerca de 175 mil USD (o equivalente a 3.440.000, 000 Mts ao câmbio da altura) um imóvel no bairro Polana Caniço A, na Cidade de Maputo, passando-a em nome do marido, Adriano Fernando Sumbana. No lugar de pagar directamente à legítima proprietária da casa, optou por transferir o dinheiro para a conta da irmã da pessoa que tinha sido incumbida de efectuar a venda em nome de Maria Inácia Gonçalves Mendes. Para reabilitar a casa, Amélia Sumbana contratou a empresa de uma prima, Nora Amaral Matos, alegadamente proprietária da Siabonga Projectos e Investimentos, localizada na avenida Agostinho Neto, em Maputo, e que recebeu pelos serviços prestados 80 mil USD em 2014.

 

Durante audição, Nora Matos foi chamada a prestar esclarecimentos sobre o negócio, tendo confirmado apenas a recepção do montante acima indicado, mas dizendo não se lembrar dos restantes valores que recebeu da prima. A outra beneficiária dos valores monetários foi a filha da arguida, de nome Anise Matos Sumbana, actualmente residente em Toulouse, na França, que terá embolsado seis mil USD, supostamente para custear despesas familiares.

 

Demitida apodera-se dos bens da Embaixada

 

Depois de ter sido exonerada em Abril de 2015, Amélia Sumbana apropriou-se de 170 artigos patrimoniais da Embaixada de Moçambique nos EUA, alegando serem seus, adquiridos durante a vigência do seu mandato como embaixadora. Tal alegação contradiz o que foi dito pela declarante Maria do Céu Sambo e pelo Inspector do MINEC, Francisco Novela. Ambos afirmaram que quando Amélia Sumbana retirou os artigos da residência protocolar, os bens que ficaram já não correspondiam ao investimento feito, e os que estavam no inventário em nome da embaixada não coincidiam com os que já estavam num contentor a fim de serem embarcados para Moçambique, tendo como destino a casa adquirida pela arguida em Maputo.

 

De acordo com o MP, nos dias 20 de Novembro de 2012 e 27 de Agosto de 2014, Amélia Sumbana ordenou a emissão de dois cheques, um de 40 mil USD e outro de 60 mil USD. Estes valores não foram justificados, nem se conhece o destino dado ao dinheiro. O MP diz que os cheques que Amélia Sumbana ordenava à adida financeira e administrativa para emitir nunca foram justificados, nem é conhecido o destino dos respectivos montantes. Também não foram apresentados os recibos de compra, alegadamente por nos EUA não existir essa prática (emissão de recibos). Entre 2011 e 2015 a arguida apoderou-se de 445.795.48 USD, o equivalente a 15.602.842.02 Mts, ao câmbio em vigor no período acima citado.

 

O papel do City Bank

 

Devido aos movimentos anormais da conta da embaixadora, o City Bank enviou uma carta ao então Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Oldemiro Baloi, a solicitar que as autoridades moçambicanas verificassem o fluxo das contas de Amélia Sumbana. A iniciativa do City Bank teve como causa a grande quantidade de operações bancárias (transferências) a partir das contas da Embaixada moçambicana para a conta particular da visada. Além disso, em vez de os valores envolvidos serem usados para fins a que se destinavam, parte deles eram desviados para Moçambique, e outra usada em actividades pouco transparentes de Amélia Sumbana.

 

Os gestores do City Bank diziam que, caso o assunto não fosse resolvido, iriam encerrar as três contas da Embaixada de Moçambique. Perante este cenário, foi enviada uma equipa de inspectores para Washington, com a missão de apurar o que estava a acontecer. Os inspectores chegaram à conclusão de que era necessário encontrar um funcionário da Embaixada de Moçambique nos EUA para, doravante, encarregar-se de assinar os cheques e gerir as contas daquela instituição. Depois da intervenção de Oldemiro Baloi chegou-se ao consenso de que qualquer movimento bancário deveria antes ser autorizado pelo MINEC.

 

A versão de Amélia Sumbana

 

Rui Dauane, juiz do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, na 7ª secção, apresentou o despacho de pronúncia, começando por ‘repisar’ os crimes arrolados pelo MP. Dauane falou das responsabilidades que cabiam a Amélia Sumbana durante o exercício das suas funções como embaixadora de Moçambique nos EUA.

 

Uma das questões que se lhe colocou foi se os procedimentos seguidos pela arguida enquadravam-se nas normas de funcionamento do Estado moçambicano. Amélia Sumbana respondeu negativamente, alegadamente porque uma vez o palco dos acontecimentos ter sido os EUA, impunha-se que se obedecesse às regras daquele país. Entre os casos repisados pelo juiz destaca-se a questão da empresa contratada por Amélia Sumbana, uma vez que dela fazia parte o filho da arguida.

 

Outro assunto levantado pelo juiz foi a falta de respeito pela lei de procurement e o facto de os movimentos bancários da Embaixada terem sido efectuados numa conta particular da então embaixadora Amélia Sumbana. Como isso não bastasse, Amélia Sumbana tinha de ser ressarcida, apesar de constantemente eram efectuadas transferências de elevadas somas a partir das contas do consulado para a sua conta do cartão. O juiz quis saber da arguida se ela conseguia diferenciar, na sua conta do cartão, entre o dinheiro da Embaixada e o particular.

 

Em resposta, Amélia Sumbana disse que as formas de funcionamento das instituições americanas e moçambicanas é diferente. Acrescentou que nos EUA os bancos não aceitam que as Embaixadas africanas paguem com cheques os serviços ou bens, e que o único meio que encontraram para contornar essa situação foi de usar a sua conta particular devido às isenções fiscais de que gozava para o funcionamento da Embaixada. Afirmou que tudo o que fazia era do conhecimento do ex-ministro (dos Negócios Estrangeiros e Cooperação) Oldemiro Baloi. A arguida referiu ainda que foi elogiada por Baloi devido à forma como a Embaixada de Moçambique nos EUA funcionava. Afirmou que chegou até a receber menções honrosas e notas acima de 18 valores durante os cerca de cinco anos em que esteve à frente da Embaixada moçambicana nos EUA. Diz que optou pela empresa do zimbabueano Chen Sithole afirmando que foi em resultado de recomendações vindas de outras Embaixadas, que já vinham trabalhando com ele sem problemas.

 

MP pede condenação e confisco de bens

 

Ao longo do interrogatório, o juiz foi detectando contradições, destacando-se, entre outras, a declaração feita pela arguida de que o filho era estudante e tinha um visto correspondente a esse estatuto, quando ele fazia parte do “board” da empresa que prestava serviços à Embaixada dirigida pela mãe! Segundo Maria do Céu Sambo, todos os bens eram catalogados. Adiantou que fazia-se sempre uma separação dos bens particulares e os da Embaixada. A declarante confirmou que o City Bank denunciou movimentos bancários anormais e estranhos na conta de Amélia Sumbana, alegadamente porque depois das entradas e subsequentes operações de levantamento não havia indicações sobre o destino do dinheiro levantado. Maria do Céu Sambo afirmou que, mesmo sabendo das irregularidades, não tinha como intervir, alegando que confiava plenamente na embaixadora. Quanto aos cheques e recibos, reiterou o argumento de que nos EUA as instituições não dão recibos em virtude de tudo ser feito digitalmente!

 

Francisco Novela, inspector do MINEC responsável pelo relatório que produziu o presente caso, disse que tudo começou quando Amélia Sumbana pediu uma auditoria ao Ministério para clarificar alguns aspectos. Novela referiu que durante o processo constatou-se que a viatura protocolar que deveria estar em nome do Estado aparecia nos documentos como propriedade particular.

 

Quanto à nova residência protocolar adquirida por Amélia Sumbana nos EUA, chegou-se à conclusão de que não tinha a qualidade exigida, e que os bens que nela se encontravam não correspondiam ao valor da compra. Quanto à questão de as empresas americanas não emitirem recibos, Novela desmentiu afirmando que ele próprio já trabalhou como adido financeiro nos EUA durante cinco anos e que em nenhuma ocasião teve problemas nesse aspecto. Garantiu que sempre eram lhe facultados os recibos sempre que os solicitasse. Por sua vez, Nora Amaral, prima da arguida, reconheceu que recebeu dinheiro de Amélia Sumbana. A filha desta, Anise Matos, também não negou ter recebido algum dinheiro da mãe para despesas relacionadas com custos e pagamento da escola das filhas.

 

O MP pediu a condenação da arguida e confiscação dos seus bens, alegando existirem provas concretas sobre os crimes cometidos. O advogado de Amélia Sumbana, Pedro Macaringue, disse que o processo não é criminal, mas administrativo. Para Macaringue, “o muito que foi dito não consubstancia com a realidade. Tudo porque a realidade dos EUA e Moçambique são diferentes”. Sublinhando que o teor dos actuais relatórios não coincide com a realidade, o advogado de Amélia Sumbana pediu ao tribunal para ilibar a sua cliente. Amélia Sumbana foi nomeada embaixadora de Moçambique nos EUA em Agosto de 2009 e em Outubro foi confirmada pelo MINEC. Apresentou suas cartas credenciais nos EUA em Novembro de 2009, mas disse que só em 2010 é que começou a ter acesso às contas. Justificando os seus rendimentos, afirmou que parte deles eram provenientes da Assembleia da República (AR), uma vez que, mesmo após ter sido nomeada embaixadora, continuou a receber salário como deputada pela bancada da Frelimo. (Omardine Omar)

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