Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta de Opinião

sexta-feira, 08 março 2019 06:43

Os mal-criados que nós parimos

 

 

-- CREDELEC não devia ser mais cara que rancho de pobre ---

 

["Afinal, meu senhor, quanto é para você não me cortar a energia e não me multar, uma vez que flagrou-me roubando energia? Estou a pedir, senhor! Vou dar refresco mesmo"]

 

A relação Povo-Estado, na qual a esse "Estado" é emprestado o Poder pelo mesmo povo, compara-se à situação Filho-Pais. A distinção, disciplina e carácter (ou não) de uma criança denuncia a qualidade de educação que o Pai tem ou deixa a criança reter. Por isso, clichês similares a "esta criança não presta", ou "criança, tu és mal-criada", são severamente combatidos em contextos de sociedades mais conscientes sobre a dicotomia Pai-Educação vs Filho-Educação. Nenhuma criança no mundo nasce indisciplinada, burra, agressiva, conflituosa, etc. Ela será tudo aquilo que os meios onde estiver inserida a moldarem, e nisso os Pais é que são os principais e, às vezes, únicos responsáveis. Claro que há algumas predisposições genéticas. Se, por exemplo, numa mesma família há criança mais clara, menos alta, muito cabeluda, etc., é então natural que algumas predisposições psico-genéticas ocorram também, como é o caso de se ser mais falador, menos enérgico, mais simpático, muito disponível, etc., mas nada disso castra a influência, quiçá positiva, de uma boa educação dos seus Pais. 

 

É consensual que o maior simbolismo de educação que os Pais devem aos seus dependentes fosse o Exemplo. Descascando, não adianta berrar p'ra criança procurando oprimir as tendências, actos de violência ou antissociais para com outras crianças, se a relação entre os Pais dentro de casa e em toda a sua interacção é de constante conflito, discussões, violência doméstica, etc. - Filho de Peixe, Peixinho É -... Portanto, Pais responsáveis primem pelo exemplo: Poucas palavras, muitos actos. É como, religiosamente, se enuncia: P'ra Deus, não adianta estar-se lá todos os dias no Culto se as obras são iguais às dos "mundanos"... Voltando aos Pais, não adianta tentar convencer aos filhos dizendo que não podem comprar uma pasta ou caderno, melhorar a ementa nutricional em casa para ele estudar e viver melhor, alegando exiguidade financeira, se sempre a Mãe está com extensões novas, unhas de gel reabilitadas, sapatos novos e "muitos programas com grandes amigas". Um filho aceita estar roto na rua, na escola, com amigos, se o seu Pai estiver igualmente roto. É isto que dá consistência à educação. É de EXEMPLOS como esses que famílias extremamente pobres conseguem criar GRANDES HOMENS E MULHERES, pois os filhos, com todos os desafios a eles adstritos, submetem-se à educação, liderança e autoridade dos seus Pais "engordados" pelo exemplo desses pais... 

 

Este "EXEMPLO" de que falo é um dos actos concretos mais notáveis de uma "transparência" na gestão familiar. Filhos que crescem dando-se bem, no fim enchem a boca e falam bem dos seus Pais, pois durante todo o seu crescimento "sentiram" uma autoridade executada desse jeito, com Transparência, Humildade e Supra-Dedicação de seus Pais para com eles. 

 

Com uma sociedade não acontece diferente. Um povo facilmente se submete aos projectos do executivo que o lidera, se o exemplo for a nota sonante. A relação Povo-Estado devia, numa sociedade normal, basear-se na confiança, comprometimento, respeito, que o "Estado", na pessoa de quem foi confiando essa honra de governar, sempre pré-existir a TRANSPARÊNCIA, produzida pelo EXEMPLO, pela dedicação à causa e respeito por aqueles que esperaram do governante os "comandos" justos para a sua vida.

 

Quem hoje pode "confiar" que esta subida do preço da energia eléctrica é justa, e que todos devem contribuir sacrificando tudo, pois os ganhos serão para a totalidade dos moçambicanos, se nunca houve TRANSPARÊNCIA na articulação de preços de energia eléctrica; se não há coerência em actos de governação (com enfoque na preservação da integridade do povo)? Já me explico sobre coerência, e a seguir volto à questão da transparência. É indescritível que o mesmo sujeito que se senta todos os anos nas reuniões da Consertação Social, assumindo-se como guardião dos Povo, ou então o visionário do equilíbrio entre as facções, esteja "hoje" sistematicamente a escamotear o poder de compra do seu cidadão, do Povo que o confiou. É incoerência, sendo representante do Estado, dizer ao agente económico privado: "não suba os preços", mas "cresça os salários mínimos", e por trás subir os preços dos produtos ou itens estratégicos para a economia das pessoas, como é o caso da energia eléctrica. 

 

A energia eléctrica é um bem necessário e transversal. Subir a energia promoverá a subida de outros preços, pois a sua produção está relacionada com a electricidade. E energia eléctrica, dentro da família, representa um elemento central de subsistência: crianças precisam de energia eléctrica para fazer TPC, para engomar a roupa. Os pais precisam para ligar o congelador e conservar a lâmina de carapau que é a única "comida de prestígio" que podem garantir aos seus filhos. Portanto, a energia eléctrica não é um produto de luxo, passível de ser preterido na economia familiar. Então, não se compreende que o mesmo Estado (na pessoa do Governo) que sabe que o salário mínimo é de 6.250,00Mt esteja a aprovar subidas de preços da energia eléctrica ao ponto de significar mais de 70% do orçamento familiar. Quais são as opções que se deixam para essas pessoas? Resposta: "talvez roubar a energia que já é delas, porque Cahora Bassa é delas, e ir gerindo (com jogatanas de subornos) as inspecções dos agentes da EDM ou sucumbir, e tornar-se pessoas mais pobres do que já eram"...

 

A questão da TRANSPARÊNCIA na articulação de preços da energia elétrica devia traduzir-se pela apresentação do projecto que "existe", mostrando como "pagar mais pela energia vai beneficiar mais e melhor", facto que nunca ocorreu. A inexistência de um propósito claro nestas subidas só se agudiza pelo facto de as mesmas terem sido feitas num período muito curto, e nos momentos em que devia ter ido exactamente no sentido contrário. É que de 2015 à 2019 houve um agravamento de cerca de 80% no preço da energia eléctrica (em 2015 uma família poderia gastar 400Mt ao mês pela sua energia e hoje, com os mesmos 400 só fica cerca de 7 dias), deixando claro que a EDM não tem estratégia consolidada, de facto, que integre por exemplo: investimento no alargamento da base dos clientes, segmentação e diversificação de serviços, a não ser pura e simplesmente equilibrar seus balanços aravés do aumento das receitas obtidas com o pagamento feito estritamente por aqueles clientes que eles já têm.

 

Este é o meio caminho para a destruição de uma sociedade, com enfraquecimento da sua sustentabilidade familiar. Energia eléctrica, num mês, não devia ser mais cara que fazer rancho de pobre. As consequências serão devastadoras. A rebelião não será por violência, mas por sabotagem. Moçambicanos tornar-se-ão mal criados por isto. Ninguém os segurará, pois o espelho deles, que é o Estado, não demonstra "preocupação, carinho, dedicação, exemplo e transparência" nas suas acções. Por outro lado, existem os passivos. Com estes, será por cedência (há quem não luta mais), e assim a falência ou morte de várias famílias moçambicanas.

 

Um Estado responsável, jamais faria isso a quem o confiou... Jamais...

domingo, 03 março 2019 19:18

Julião Mathumbu

 Mathumbu vem do bitonga. Traduzido para a língua portuguesa ficaria redes de arrasto usadas  pelos pescadores. Julião ganhou o sobrenome por ser reconhecido como indivíduo de força extraordinária. Bruta.  Capaz de realizar sozinho um trabalho reservado à dez pescadores. Homem de poucas palavras, Julião Mathumbu entornava goela abaixo um garrafão de cinco litros de sura à gargalo, sem parar um único segundo para respirar.  

 

Regozijava-se pelas mãos que tinha, rijas como pedra. Dizia para todos, se eu te der uma bofetada, a Polícia vai pensar que foste agredido por um ferro. Mas hoje ele já não fala disso, são os outros que repetem com as palavras as façanhas de outrora, quando Mathumbu era um orango-tango. Com  músculos bem distribuídos, num corpo sempre pronto a exercer as tarefas dos sáurios.

 

Julião Mathumbu já não bebe. Já não tem aquela energia. Não mostra as mãos agora sem calos. Limpas. Leves como de uma criança. As pernas já não suportam aquele corpo enorme. Vacila quando se move, como um leão exausto. Velho. A voz roufenha fala para dentro. Não sai. Perdeu a vontade de viver. Os seus amigos dos tempos trazem-lhe o peixe que ele não come. Estou cansado disso, diz o homem  sentado na sua eterna cadeira de cordas de sisal. Sem qualquer expressão no rosto. Frio.

 

A mulher morreu há cinco anos e a vida para este personagem perdeu o sal. A casa modesta que construiu com o suor da pesca é o único elemento da sua vida que se mantém de pé. É o seu orgulho. Nunca teve filhos. Quem dava sentido à sua existência era a mulher e os amigos. A mulher já não está e os amigos não bastam. Bebe um pouco, Mathumbu! Para quê?

 

Um jovem artesão esculpiu um enorme peixe em madeira de mafurreira e levou a escultura para casa de Julião Mathumbu. Queria ter o privilégio e a honra de deixar algo importante para o ídolo de muitos na zona. Uma prenda que vai trazer alegria ao homem. É para quê, isso? É uma recordação dos seus tempos, mais velho! Quem te disse que eu quero me recordar dos meus tempos? Tira isso daqui, faxavor. Se gostas de mim não me traz essas coisas e nem me fales dos tempos que  vivi com muita alegria.

 

Julião Mathumbu está obsoleto. No corpo e na alma. Os amigos visitam-lhe cada vez mais pouco. Sofrem quando vêm um homem a descer devagar para o precipício. Em silêncio. Sem olhar para trás e lembrar as glórias. Vividas com intensidade no mar e na terra. É uma pessoa afável. Sempre foi. O seu corpo de brutamontes jamais teve algo a ver com o coração. Grande. Onde cabem todos os que agora lhe engrandecem. Mesmo não estando com ele nas paródias que ainda acontecem depois das fainas intermináveis.

 

As gargalhadas de Julião Mathumbu, ora vibrantes, desvaneceram. Passa maior parte do tempo com a cabeça pendida para o peito. Parece um condenado à espera da guilhotina e sua descida vertiginosa para lhe decepar a cabeça. Na verdade ele pode estar à espera do golpe final. Porque pelo que parece, a morte de Julião Mathumbu está cansada de esperar.

O que procurava eu entre as terras de solo encarnado de Namanhumbir? Não é por acaso que se criam afectos com o campo de pesquisa. Estas coisas constroem-se devagar e silenciosamente. Lembro-me dos restaurantes Bissmilah dos somalis, da mesa cheia de lupas dos tailandeses intermediários da venda informal de pedras preciosas, do amigo que me ouvia e explicava os novos valores e códigos dos nativos, até da marca de cerveja tanzaniana, que acompanharam a decisão de escrever estas experiências de trabalho de campo, que decidi chamar de outras verdades sobrehistórias de vida e luta pela terra das gentes de Namanhumbir.

 

De baixo de uma sombra reflectida por um largo caule de embondeiro, em época de verão, embora com chuvas intermitentes, as temperaturas são tão altas que chegam a ensopar a camisa. Acabava de retornar a Montepuez, para as minhas férias do natal e final do ano. Minha experiência de convívio com os nativos de Montepuez, me faz lembrar das festas do mwali que acontecem nesta época do ano. Decidi arrumar uma pequena mochila, e saí em direcção à estação de chapa 100, para iniciar uma viagem até o Posto Administrativo de Namanhumbir.

 

Entrei no chapa, e fui me sentar no último banco, onde já estavam mais 3 homens. Alguns minutos depois, foram entrando vários outros passageiros, e a dado momento, o cobrador deu ordem ao motorista que o chapa estava cheio, e por isso, podíamos iniciar a viagem. Suspirei de alívio, porque com o calor que se fazia sentir naquela manhã, num carro sem ar-condicionado, vinham-me lembranças de tantas outras vezes, que tive de esperar dentro do mini-bus mais de uma hora, até que ele tivesse um número suficiente de passageiros para partir.

 

O teor das conversas dentro do minibusaté entre desconhecidos, jovens e velhos, homens e mulheres, continua o mesmo que ouvia, desde o primeiro momento que desembarquei em Montepuez em 2012: os rubis de Namanhumbir. Nem todos são garimpeiros ou dependam da actividade mineira. Mas o rubi, toca de todas as formas com as suas vidas. A exploração dessamilagrosa pedra, aumentou o número de pessoas com poder de compra, então os preços de produtos de primeira necessidade subiram quase de noite para o dia. - “Até o leite infantil subiu o preço”,comentavam duas senhoras sentadas no banco à minha frente.

 

Montepuez foi em tempos, um dos maiores produtores algodão (o chamado ouro branco) durante o império colonial português). Essa produção, continua sendo feita até hoje pela empresa Plexus Lda. Contudo, hoje o nome de Montepuez, só tem sentido quando se liga aos rubis, essas milagrosas pedras. Aliás, me dizem vários jovens, que foram trabalhadores da empresa algodoeira, e rescindiram seus contratos para ir trabalhar no garimpo, porque estavam cansados de “depender do fim do mês”. Uma frase que expressa não apenas a contagem de tempo para receber um salário, mas também, a imponência de aliar-se a outras formas de rendimentos, pois “depende do fim do mês”, aquele que trabalha para uma empresa, tem um chefe, um horário de entrada e saída estipulados num contracto a ser cumprido com rigor. O imediatismo em ganhos monetários que o garimpo de rubis propicia, faz que muitos jovens abandonem empresas e passem a dedicar-se em actividades que não tenham estas obrigações laborais de dependência e hierarquizadas.

 

Novas histórias para mim, saem pela boca dos passageiros ao meu lado. Contam-se novidades sobre o actual cenário de exploração artesanal do rubi. Falam sobre a actual e rigorosa protecção da área de exploração da Empresa Montepuez Ruby Mining Lda. Ouço novidades dos garimpeiros presos e outros mortos pela Unidade de Intervenção Rápida, quando apanhados em áreas em áreas concessionadas a empresa mineradora.

 

Enquanto o motorista iniciava a marcha, fazendo manobras ainda no interior da Estação de Transportes de Montepuez, pergunta ao seu cobrador, de quem era a mochila que estava no banco de frente ao seu lado, visto que ninguém estava lá sentado.

 

-“É daquele viente da Padaria. Disse que ia comprar umas coisas no mercado, e que podemos passar levá-lo em frente à sua Padaria, estará lá a nossa espera”, disse o cobrador com tom negociador ao seu motorista.

 

Pensamentos curiosos avivavam na minha mente: como é possível, um passageiro de alto nível de confiança, que exige que o transporte público, carregado com outros mais de quinze passageiros, passe o levar na sua padaria, é apenas categorizado pelo termo “viente” não pode ser chamado pelo próprio nome?

 

Embora com vontade de questionar, saber mais das histórias que ouvia, lembrei-me da metodológica advertência que o mestre Pierre Clastres enunciava em “Crônicas dos índios Guayaki”: “nada pode substituir a observação directa: nem questionário por mais preciso que seja, nem narrativa de informante qualquer que seja sua fidelidade. Pois é frequentemente sob a inocência de um gesto semi-esboçado, de uma palavra subitamente dita, que se dissimula a singularidade fugitiva do sentido, que se abriga a luz onde o todo resto se aviva”. Então, decido mesmo permanecer em silêncio, e seguir a viagem entre nativos e “vientes” de Namanhumbir (X).

A estupidificação do indivíduo, defino-a como sendo a acção de amedrontamento seja físico, psicológico, económico ou social, ou a mera privação de informação e educação adequada, com vista a torná-lo passivo, inerte, acomodado, conformado com a situação vigente, portador de uma visão limitada, impossibilitando-o de uma acção crítica, o que torna o detentor do poder (de uma instituição, empresa, partido ou governo) numa figura inquestionável.

 

Basicamente, é isto que aconteceu, em Moçambique. Sociólogos e antropólogos poderão fundamentar melhor que eu a forma como o sistema de educação foi manietado. Como o “Partidão” usou do seu poder (absoluto) para controlar os media (públicos e privados). Como acções de terror (espancamentos, homicídios, raptos, desaparecimentos) foram orquestrados como medidas de travagem de qualquer onda de revolta. Como pessoas e funcionários foram perseguidos, destituídos, privados de trabalhar, etc. como forma de mostrar pujança e “ordem” e mandar recados aos “próximos atrevidos”. Verdade é que, a situação social, política e económica, os casos escandalosos das dívidas, a arrogância das instituições de justiça, a passividade do “Patrão do Povo”, o caso Cabo Delgado, etc., eram já, por demais, suficientes para que o Povo se rebelasse. Num “País Normal” este governo já teria “caído” ou, as coisas já estariam nos carris, caso o executivo não reagisse satisfazendo as exigências dos donos de Moçambique: O Povo. Mas, no cômputo geral, esse povo, é dzanwanwa; é Estúpido e Medroso. Eu mesmo sou um fraco, medroso e estúpido. Daqueles que só se limita a escrever, mas… pegar numa bandeira branca e marchar pela liberdade, que é bom, não faço. 

 

Ufff… até parece que estava a debruçar-me sobre outro assunto que não fosse a situação actual da RENAMO. Só pareceu... É mesmo da RENAMO... Daquele Partido que foi vilipendiado pelas “massas esclarecidas” sitiadas nas zonas urbanas, aquando da sua chegada em 1994 para as primeiras eleições gerais. A RENAMO que, eu mesmo, odiei por ser “o espelho” do terrorismo que nem o colono Português ousou ser. A RENAMO que, gradualmente, foi ganhando espaço, simpatias, apoiantes, membros de peso, gente de “nome”. O tal que passou a ser a Voz do Povo, pois, afinal, os rasteiradores da democracia, do desenvolvimento do País, de uma sociedade igualitária, os saqueadores do bem comum para fins próprios, os assassinos e os parte-pernas não estavam longe não, estavam naquele prédio branco e alto. Foi por isso que a morte do Afonso Dhlakama significou um revés enorme, pois se fora um destemido. Morrera um NÃO ESTÚPIDO. Jazeu aquele que as mortes ao seu lado, as balas falhadas, as ameaças, as armadilhas frustradas, as privações sócio-económicas não o intimidaram… É esta RENAMO que se conhece hoje, mas parece que, com a morte do “Rirder” (kkkk), tudo se transformou… Não acredito nisso… Não se transformou não!

 

Uma onda popular, tem estado a tentar passar uma imagem de uma desconfiguração. Pegam no caso da “contenda” política na Beira como exemplo de que a RENAMO é o partido imediatamente “eleitorável” a seguir à FRELIMO, porém, pela sua aparente e recorrente inconsistência, poderá nunca atingir o controlo do País por via do voto. Tenho lido muito sobre isto. Bocas de analistas. Parangonas de jornais. Todos eles dizendo que a RENAMO, dá a si mesma “um tiro no próprio pé”. Que a RENAMO demora a se organizar. Que tarda a amadurecer e mostrar coesão, unidade e esclarecimento político-partidário de modo a tornar-se confiável como timoneiro do País.

 

A minha tese é que a RENAMO ESTÁ BEM. Estes “levantamentos” com cara de insubordinação. Estas poeiras políticas entre membros na Beira (aonde desajustam-se por não se acordar entre NOMEAÇÃO E ELEIÇÃO), não revelam desorganização, inexistência de ordem, nem significam enfraquecimento do timoneiro. Muiiiiiiiiiiito pelo contrário. Revelam naturalidade. Espontaneidade. Revelam a ausência de aura de medo entre pessoas, a tal que se impregnou em todo o país e, tornou este Povo em “mortos vivos”. Na RENAMO as pessoas discutem livre e abertamente. Se um membro não concorda com o outro, ou mesmo com a ordem do superior, ele indaga e, se não houver resposta cabal, se rebela. ISSO É DESORGANIZAÇÃO? Faxavore… 

 

Estamos num País aonde “és morto por ter e por não ter cão”. Estes mesmos analistas que hoje perguntam “como foi possível que ninguém dissesse algo ou travasse o Exalta-A-Dor da Pátria de fazer tamanhos desmandos, ao ponto de pôr o País neste descalabro político e económico”, são hoje, os mesmos que querem que na RENAMO figure a aura de YES MEN. Ossufo Momade pode escamotear os estatutos (só porque assim fazia Dhlakama) e os restantes devem “obedecer” de modo a mostrar para Moçambique que ELES SÃO ORGANIZADOS? Que eles são eleitoráveis? Que existe respeito pela hierarquia? F*dam-se! (Sorry, mas mete nojo e vómito essa mentalidade POBRE – in: SV). Quer dizer, temos um partido aonde, finalmente, existe diálogo. Aonde não há figuras incontestáveis e supra-poderosas. Aonde a democracia vive-se de facto e não há dois irmãos mandões. Aonde os filhos do chefe não entram e comem milhões de galinhas sob olhar sereno e impávidos dos outros. Aonde os que “deram o primeiro tiro” não são omnipotentes e, NÓS ODIÁMOS ISSO? Será que, nas vossas casas vocês por serem chefes de família podem mandar o filho tomar petróleo e ele deve obedecer? Se seu filho é alérgico a carne de quatro patas, você não faz um molho diferenciado para ele, pois isso iria mostrar fraqueza do seu lado? AFINAL, O QUE É QUE HÁ? O QUE É QUE HÁ NESTE PAÍS (in: João Plenário - SBT)?

 

Estamos, assim tão estupidificados que só queremos mudar de nome de partido no poder, mas não queremos mudar de ideologia, pensamento e filosofia? Bando de estúpidos é o que somos, pois estaríamos a “mudar para o mesmo”. Trocaríamos de gatunos por gatunos. Muito oportuno isto, nas vésperas das eleições, já começámos a levantar defeitos da RENAMO para, no fim, justificar que “voltámos a votar na FRELIMO porque é um mal menor”... somos medrosos… 

 

Meus caros, Democracia é chamar “Ossufo de violador de estatutos sim” e ele tem aceitar essas “bocas” naturalmente e, a seguir, tomar decisões concertantes, que resolvam o problema, mas não escamoteiem os mesmos estatutos. Líderes, num sistema democráticos, não são mandões, vociferadores e omnipotentes. Ossufo não pode querer (e as pessoas também) liderar o Partido ao jeito antigo. Dhlakama foi Dhlakama. Ossufo é Ossufo. Terá de encontrar o seu estilo e seu método e, esta transformação de um líder para o outro acontece, irremediavelmente, com essas “guerrinhas”. É normal. Isso chancela a verdadeira instituição democrática. E recuar numa decisão não é covardia ou fraqueza, É SABEDORIA… Os renamistas não devem ter medo ou vergonha disso. Devem orgulhar-se…

 

Repito para finalizar: A RENAMO ESTÁ BEM E RECOMENDA-SE… É esta a postura de um executivo que eu sonho que o meu País tenha. Abertura. Frontalidade. Destemidos. Debate aberto e franco. Aonde existem membros que assaltam a sede sim (na França os coletes amarelos fizeram pior e nem por isso o País entrou em crise, mas sim melhorou porque o líder agiu de forma concertada, mesmo que não gostasse da decisão que tomava - lá as manifestações não são um Tabu, na RENAMO também). É esta a proposta de Governo que a RENAMO está a trazer: uma Contra-Estupidificação! 

 

Acho que nós merecemos isso!

Procurando definir o “Desempenho Social”,  Kemp e Owen (2019:i) destacam que  “trabalho comunitário e desempenho social é definido como sendo a interacção, actividades, comportamentos e resultados da companhia em respeito a comunidade local. O desempenho social é suportado por sistemas, informação e capacidades que estão alinhadas com os padrões internacionais e acordos localmente negociados e cometimentos, com  objectivo de evitar ferir às pessoas e assegurar uma operação estável dentro da qual  comunidades e famílias podem prosperar”.

 

Nas últimas décadas Moçambique conheceu registou desenvolvimentos significativos no sector de petróleo e gás, como resultado das descobertas de elevadas reservas de gás natural na província nortenha de Cabo Delgado. As descobertas dos hidrocarbonetos foi confirmada por reputadas multinacionais, e neste momento algumas aguardam a Decisão Final de Investimento, tendo até iniciado a assinatura de chorudos contratos de venda do gás natural maioritariamente para o mercado asiático.

 

 O Estado moçambicano, para além do seu papel de regulador, também é detentor de participações nestes projectos. Um sentimento de esperança e progresso foi renovado pelos cidadãos nacionais (ainda que timidamente) como resultado das descobertas dos recursos naturais. Mas ao nível do desempenho social muito há por fazer, considerando o caso problemático da experiência da mineração em Tete. Olhando para o sector de gás, é inegável o impacto positivo até certo nível no concernente à alteração da dinâmica social e económica nas cidades de Pemba e distritos abrangidos pelos projectos. Com efeito, os recentes ataques à comitiva da Anadarko serve como pretexto para a presente reflexão, não significando necessariamente que esta empresa não possui Licença Social para operar.

 

A questão dos recorrentes ataques protagonizados pelos insurgentes influenciará sobremaneira a habilidade das multinacionais que operam no sector de gás, de estabelecer e manter licença social social para operar. As comunidades locais irão sempre associar a violência que se vive em Cabo Delgado ao advento da indústria extractiva. Mais do que esperar pelo Governo e proteger os seus funcionários, as multinacionais deveriam ser mais proactivas no engajamento em busca das soluções para estancar a violência - se é que na verdade realmente lhes interessa, dado o facto de em  muitos países a exploração de recursos naturais se efectuar em contextos de complacência com a  violência extrema.Citamos como exemplos casos historicamente conhecidos como o do Sudão, Nigéria, Iraque, Líbia, RDC, Libéria, Angola, entre muitos outros.

 

Cabe a Moçambique escolher a rota que quer seguir, evitando a maldição dos recursos. A prevalência da violência irá condicionar a avaliação positiva dos projectos no sector de gás. Por muitos contratos milionários que sejam assinados  e infraestruturas imponentes erguidas, enquanto prevalecer a violência e pobreza extrema as companhias não terão facilmente licença social para operar. Cabo Delgado tem a particularidade de também acolher significativos projectos na área de mineração, destacando-se Gemstones (Pedras preciosas), grafite, mármore, etc. Infelizmente quando mal geridos os impactos sociais cumulativos da mineração e desenvolvimento do sector de gás serão nefastos, se não forem acompanhados de uma efectiva governação do sector e observância das leis nacionais e padrões internacionais atinentes ao desempenho social e sustentabilidade por parte das companhias multinacionais.

segunda-feira, 25 fevereiro 2019 06:40

Na enfermaria de oncologia

A mulher sentada nesta cama à minha frente deve andar nos quarenta. Ou pouco mais. Se não fosse todo o crepúsculo do entardecer que a habita, diria que está no auge. Da vida. Mas tudo leva-me a acreditar que os dias que a esperam serão ainda mais dolorosos. Quer dizer, naquilo que eu imagino e sinto, ela pode estar a viver numa sombra gelada. Pensando que só Deus é que pode reverter toda a situação dramática que enfrenta.  É isso: já não resta nada no seu corpo.

 

Está sentada com o travesseiro a suportar as costas. O lençol serve apenas para cobrir os quadris porque a partir dali para baixo não tem nada. Ou seja, as coxas e as pernas foram amputadas. O braço direito foi removido inteiro pelos malditos serrotes cirúrgicos, e o outro braço que resta está engessado, na iminência de ser cortado para eliminar  a derradeira esperança. E eu faço um tremendo esforço para não chorar. Porém, notando ela  a minha forte comoção diz-me assim: amor, chora à vontade, vai-te fazer bem.

 

Ainda não consegui arvorar outra paralvra para além do supérfluo e estúpido “como vai, Joana?!”  Sinto-me dominado. Arrasado. Apanhado numa rede de emalhar da qual jamais sairei. Mas ela parece superior ao seu próprio sofrimento. À minha fraqueza. Joana é mais forte que eu. O rosto dela, brilhante,  parece o anúncio do amanhecer. As palavras que saem da sua boca vêm directamente do coração, como agora que me olha nos olhos e diz: não te preocupes, amor, tudo isto vai passar como os ventos que sopram e passam.

 

Lá fora está a chover, e esta mulher não vai poder assistir ao belo espectáculo da queda pluviométrica. Pior do que isso, não sabe como serão os dias que a esperam depois de sair de uma enfemaria que pode ser das mais desesperadas do hospital. Mas ela não desespera. Diz-me que ainda vai a tempo de ser como Óscar Pistorius, que ganhou medalhas correndo com próteses de carbono. “Eu vou me levantar daqui, amor. Aguarda-me”.

 

O que mete medo nesta mulher é o brilho do rosto. Dos olhos. É o sorriso permanente. Que demolem  por completo o sofrimento de um corpo que a partir de agora vai servir para muito pouco. Para quase nada. Joana desmente tudo isso. A leveza imposta na firmeza das palavras que lhe saem do coração pela via da boca, deixam exposta uma mulher que ainda sonha em voar. Sem asas. Decepadas para sempre.

 

A única mão que lhe resta naquele braço engessado parece de uma criança. É leve como pluma.  As unhas, lindas, estão cuidadosamente cortadas, mas ela diz, sorrindo, que daqui a pouco esta mão também vai ser serrada juntamente com o braço e atirados ao forno para  incineração, como se fazia naquele tempo com os ramos de oliva que não produziam. Eram cortados e queimados. E os membros da Joana já não dão frutos.