Nos últimos anos, virou moda políticos e organizações não-governamentais apontarem o ano de 2030 como o prazo para que as nossas vidas estejam “super nice”! Se ligas a televisão, só ouves que no ano de 2030 seremos isso e aquilo, se pegas os jornais, todos apontam 2030 como o ano de grandes avanços. Os grandes planos das organizações humanitárias estão todos virados para o ano de 2030 – daí o meu desejo para que este ano chegue logo, para vermos se os políticos terão razão – se o meu povo deixará de sofrer de fome!
Às vezes fico imaginando que se o ano 2030 chegar, finalmente, o povo moçambicano estará num patamar de potência. Que ombrearemos com as grandes nações em questões económicas, onde teremos estradas sem buracos, 98% dos jovens trabalhando, as nossas universidades produzindo ciência e não um exército de desempregados e doutores sem conhecimento. A nossa agricultura, essa, será uma das 10 melhores do mundo, se confiarmos cegamente naquilo que nos é dito!
– De tanto ser referenciado, até parece que existem alguns que já viveram neste ano e regressaram para nos contar o que lá viram. Alguns dirão que são meras projecções, mas quando analiso os discursos e planos tudo se parece com a promessa do antigo ministro da Indústria e Comércio, Ragendra de Sousa, que jurou e prometeu entregar a sua cabeça de bandeja para os homens de Búzi, na Província de Sofala, mas saiu do governo sem pelo menos levar um investidor para ver o tal empreendimento!
- Conhecendo as pessoas que nos governam, quando os políticos atiram tudo para o ano de 2030, recordo-me da obra do grande pensador inglês Thomas Moore, no seu clássico livro “a utopia”, onde apresenta uma cidade igualitária e com várias condições pretendidas e almejadas por todos. Por aqui, o ano de 2030 vira uma nova meta e mais promessas, uma vez que os tipos actuais até lá já estarão a curtir à francesa nas Bahamas ou alguns estarão a cumprir suas penas pela mola que mamaram apontando que tudo se materializará no ano de 2030.
Se tudo for materializado até 2030, não teremos crianças sentadas no chão para estudar. Homens adultos a violarem sexualmente menores ou unirem-se prematuramente com elas. Não teremos governos corruptos. Não haverá perseguição aos jornalistas. A indústria dos raptos já terá sido derrotada. O valor das portagens será outro, ou seja, mais baixo. As pessoas não irão perder a vida nas filas dos hospitais. O transporte público será o melhor, até lá quem sabe teremos um metro de superfície e o nível de sinistralidade rodoviária já terá reduzido – seremos a nova Singapura de África!
Portanto, para que isso aconteça será necessário que haja uma mudança de atitude. É importante que a ciência esteja ao serviço do desenvolvimento. É crucial que haja governantes amantes do povo e da verdade! É importante que o nosso sentido de justiça social seja verdadeiro. Que o amor à pátria seja intenso. Porque sem isso, em nada nos valerão grandes planos com metas ambiciosas e sensacionalistas quando no fundo somos Docentes livres em endividar o país para projectos que mesmo o mentor da ideia não acredita!
Seria bom que o ano de 2030 fosse logo amanhã, para vermos esta singapurização de Moçambique e porque não de África, onde segundo as projecções poderemos viver em Chicualacuala e trabalhar em Palma, fazendo as viagens diárias sem nenhum sobressalto. Afinal, teremos tudo a funcionar em pleno, a mola do petróleo e gás de Afungi já estará a transbordar. Os rubis de Montepuez e Mavago a renderem. Os diamantes de Gaza e Tete idem. Os locais turísticos de Maputo, Inhambane, Sofala, Zambézia, Nampula, Niassa e Cabo Delgado a meterem muito dinheiro!
Não haverá dificuldades, até a desnutrição infantil já terá sido esquecida! Só que não nos esqueçamos que faltam oito anos (2022 – 2030) e se em mais de quatro décadas apenas só soubemos investir em novas táticas e técnicas de desinvestimento – está aí uma desculpa para que as coisas continuem como estão ou mesmo pior, porque tudo está planificado para o ano de 2030, em que os anjos virão mijar nesta terra para que tudo esteja na máxima perfeição. Não vejo a hora de chegar no ano de 2030, quero ver uma coisa, aí – um país com um novo rosto – que pode ser um igual a de um camponês de lá das bandas de Pebane, na Zambézia, ou de um farmeiro bóer dos tempos das vacas gordas no Zimbabwe!!!
Txifuliane está entre a muldidão, com o filho aconchegado, acompanhando tudo aquilo que apenas vem confirmar o que já sabia, ou que já tinha ouvido falar. Mathxinguiribwa dança no colo da mãe ao som da timbila de Juliasse Makowo, dança e ensaia com o pequeno braço esquerdo o batimento do escudo de pele no chão, e o chão era o peito da mãe que tremia cada vez que a criança enveredasse por esse gesto. Ela voltou a ficar alucinada, desta vez viu a sua avó aproximando-se, vestida de branco passeando no ar na sua direcção dizendo, Txifuliane sai daí, sai daí depressa, minha neta, procura uma varanda para te abrigares, entra no restaurante do Mathikiti e peça alguma coisa para comeres com o teu filho, sei que acabas de comer, mas vai comer outra vez, peça algo ligeiro só para não correrem contigo de lá, compra um chocolate para Matxinguiribwa e mantenham-se serenos.
Txifuliane vê Juliasse Makowo sacudindo o abraço do governador, cuspindo depois para o chão, não a saliva, mas um jato de sangue que lhe molhou os pés, pegou na sua timbilia e nas baquestas para se retirar e dirigir-se aos camarotes, onde devia esperar para de novo voltar e apresentar o maior quilate do seu show que ainda faltava, como se aquele primeiro número não fosse nada, parecia um mamute. Relampejou tremendamente por sobre o miradouro, e um raio caíu atingindo Juliasse Makowo, que morreu imediatamente, sem que no entanto tivesse caído, morreu de pé, e quando os seus companheiros tentaram levantar o corpo não conseguiram, começou a chover em catadupas, afastando as pessoas que enchiam por completo o lugar da festa, os membros da banda de Juliasse Makowo abandonaram o cadáver com medo dos relâmpagos que se sucediam, e do graniso que fustigava o espaço onde já tinha começado a grande celebração dos chopi, chovia em toda a vila, mas o graniso só caía no miradouro, martelando em particular a cabeça de Juliasse Makowo que continuava estranhamente de pé. Há grandes correrias das pessoas que buscam abrigo, as tendas esticadas aqui e alí não suportam as fortes bâtegas da chuva que chove à cântaros, elas cedem perante as torrentes, em pouco tempo a vila de Quissico ficou um rio, e os carros que estavam ali estacionados transformaram-se em barcos flutuando à deriva, sendo todos levados ribanceira abaixo, até à zona das Lagoas, onde se viam enormes fogueiras desafiando a chuva que caía cada vez com maior intensidade, sem o menor sinal de que aquela hecatombe podia desvanecer nos próximos momentos. As pessoas subiram para os tectos das casas, e paradoxalmente, no tecto das casas eles não molhavam, ficavam ali a assistir ao dilúvio, que vinha para destruir o histórico vilarejo, aquilo que são as ruas metamorfoseou-se, no seu lugar nasceram braços de um rio que rasgava Quissico à meio, várias mulheres foram vistas a nadar, nuas, umas de costas, outras de bruços, outras de livre, deixando ver abundantes trazeiros que atiçavam a cobiça dos homens pendurados nos tectos bebendo aguardente de massala, ninguém sabe explicar como é que aquela bebida foi-lhes parar às mãos, mas todos eles bebiam sem se molhar com a chuva que vinha do céu em liberdade, petiscavam carne de porco assada na brasa e temperada com n´tona, todos eles pareciam alegres, riam-se às gargalhadas, divertindo-se com o espectáculo das mulheres que nadavam nuas pelos braços do rio que rasgava Quissico, mas tudo aquilo durou pouco tempo, porque logo a seguir todos estavam nos seus anteriores lugares, a chuva tinha parado, os carros voltaram aos sítios onde estavam estacionados e Juliasse Makokowo retirava-se tranquilamente, petulante, para os camarotes.
Txifuliane tremeu depois de voltar novamente à lucidez, sem saber o que fazer. O filho, em silêncio, para o arrepio da mãe, mexia a cabecinha em resposta às músicas que vinham das orquestras que passaram a desfilar num espectáculo retumbante, cada grupo tocava algo diferente, algo mais aliciante do que aquilo que se ouviu anteriormente, aqueles que bebiam tinham que atravessar a estrada várias vezes para comprar as bebidas do outro lado e ninguém conseguia manter-se nas barracas porque não queriam perder um evento único, que trouxe equipas de televisão de várias partes do mundo, quatro helicópeteros sobrevoavam silenciosamente o espaço, com antenas pendidas para captar o show em todos os ângulos. O miradouro está compactado, acolhe milhares de assistentes que deliram, cada vez há mais gente subindo às palmeiras, levando consigo garrafas ou latas de bebida, que é consumida para aclarar as mentes e deixar que o ritmo penetre livremente nas profundezas da alma, os timbileiros estão em êxtase, desfraldam gritos de guerra que são repetidos pela plateia ávida.
Estou no acto do lançamento do meu primeiro livro, em 2001, na cidade de Inhambane. O título é esse mesmo: Inhambane Sem o Badalo, uma homenagem que presto à figuras que estarão por todo o sempre ligadas aos cheiros desta cidade elevada - pela minha imaginação nas paródias - ao lugar mais sossegado do Mundo. É uma colectânea de crónias recebida com estupefação pelos cépticos, que já me consideravam irreversivelmente morto. Será também a obra que me fez sentir um pequeno deus, por isso autorizado a enfiar as mãos nos bolsos e assobiar livremente pelas ruas e pelos atalhos e pelas sinagogas, levantando as asas como o pavão mais antigo do planeta, passeando em paz.
No evento, de entre os demais ilustres, e indivíduos do vulgo, está um homem que vai ser lembrado em todos os momentos pela sua audácia na baliza. Chama-se Mbata, um guarda-redes notabilizado no Clube Arrera Kwara, e depois celebrado em toda a província de Inhambane por parecer um gato na sua área, ou uma aranha, extravazando classe. Exuberância. Plenitude.
Mbata ficava encostado ao poste – esquerdo ou direito - de braços cruzados, pernas em tesoura, quando o jogo fosse despejado – ou pelo corredor central, ou pelas “asas” - para a baliza contrária, como se estivesse à espera serenamente de alguém, ou lucubrando nas suas memórias. Mas quando o perigo corresse na sua direcção, ele dançava, media os ângulos com as mãos, gritava para os defesas seus colegas, por vezes saía da área e logo a seguir voltava a correr para o seu reduto, dando costas à bola, deixando, por assim dizer, tudo o resto por conta dos sensores implantados no corpo e na mente. Erriquietos.
Os pontas-de-lança, ou os médios ou médios-avançados, podiam desferir mortíferos remates enquanto Mbata retornava à baliza naquele espectáculo incrível, e este, assim mesmo, de costas para o jogo, como um gato celestial, rodopiava no ar, e impedia a bola de continuar na sua fatal trajectória. Tinha manápulas mágicas. Buscava o esférico no ar num gesto de quem colhe, como um maroto inesperado, uma laranja no ramo mais alto da árvore. E é isto, e muito mais, que vai tornar Mbata, um guarda-redes idolatrado e festejado em toda província de Inhambane, no seu tempo de glória.
Hoje, em 2001, vejo um homem movendo-se no corredor da sala onde decorre o lançamento do meu livro. É extraordinariamente alto, cabelo farto, completamente esbranquiçado, parecendo de prata. Procura com o olhar uma cadeira livre para se sentar e parece não haver cadeira desocupada. A sala está absolutamente cheia porque o meu nome ribomba por estas bandas, e reboa até aos bairros mais longíquos onde também serei festejado como Mbata, por todas as inconguências que andei a cometer por aqui, e pela música de blues que vou cantar, sem saber nada de blues, nem nada sobre a música.
O homem não encontra lugar para se acomodar. Orbita sobre o seu próprio eixo como se estivesse num dia de jogo de estrelas e, resignado como nunca esteve no campo de futebol, recua e encosta-se na porta da entrada, na mesma posição habitual de quando brilhava como um astro, desde os meados da década de sessenta, até princípios da década de oitenta: braços cruzados e pernas em tesoura. Olhei para ele e reconheci-o logo, é o Mbata, no mesmo estilo que recusa desvanecer apesar da idade. Nesse momento falava o governador de Inhambane, bajulando-me, e eu estou pouco me lixando para as bajulações. E o “boss” teve que interromper o discurso quando viu um homem que se destacava pela sua peculiaridade física, encostado à porta de braços cruzados e pernas em tesoura. É o Mbata, agora convidado por “Sua Excia” a ocupar a única cadeira desocupada que se dispunha na fila reservada aos “responsáveis”.
Lá vem ele pelo corredor. Estiloso. Tranquilo. Sereno. Transcendental. Faz uma vénia ao governador, enclina-se e pega pela mão esquerda o encosto da cadeira, antes de se sentar. É uma pessoa invulgar. Virou-se para a plateia e saudou-a vocalizando palavras que ainda hoje me ressoam na alma: “é uma grande honra ser servido um lugar por Sua Excia senhor Governador. Afinal continuo a ser glorificado como nos tempos áureos da minha carreira futebolística. Obrigado, Excia!”
Houve uma forte salva de palmas. E antes de se sentar, disse mais: “é uma uma grande honra e privilégio, participar no lançamento do livro do Alexandre, um personagem que fala sempre de mim, como se eu fosse uma vedeta, quando na verdade a vedeta é ele”!
Houve mais aplausos, com as pessoas de pé, incluindo o Governador!
Se a apresentação das alegações finais do famoso Advogado Doutor Abdul Gani fosse um concurso de Freestyle acreditem que já teria sido declarado campeão ou o vencedor pelo voto do júri e o voto popular que muito aprecia o rap game. Mas como se tratava de um julgamento existem outros pressupostos que irão decidir se aqueles morteiros discursivos e retóricos irão salvar o seu cliente de uma pena pesada.
Para quem acompanhou a intervenção do Doutor Abdul Gani ficou encantado como se estivesse a assistir um espectáculo de Notorius B.I.G, Jay-Z, Eminem, Azagaia, Valete ou aquelas barras saudáveis e enriquecidas de mensagem saudável e interventiva pelo galáctico do rap no Niassa, Rei Bravo.
O discurso do Doutor Gani fez com que algumas pessoas presentes naquela tenda da vergonha atingissem o orgasmo pela eloquência e agressividade – até parecia que estava possuído, no bom sentido – o homem sentia-se como o filósofo da Grécia antiga, Sócrates, perante seus discípulos – tendo deixado o Ministério Público com as luvas de combate rotas.
É que ninguém estava preparado para ouvir naquela tenda alguém a dizer: "quem é a Doutora Ana Sheila Marrengula para desrespeitar o Gregório Leão?" – "Devem ir estagiar no SISE para perceber como se faz segurança!" – "Esta matéria é leccionada na disciplina de Introdução ao Direito, é uma matéria preparatória para o Direito Penal ou Criminal" – "como se pode fazer analogia de crimes num processo criminal?" – "Leia mais!"
Ya- o homem estava endiabrado! Estava narutizado! Estava no estilo Gambeta durante o episódio do vídeo que lhe trouxe a fama facebookiana!
O homem demonstrou o valor de um bom ensaio antes de qualquer apresentação e da experiência. A vantagem da retórica para quem pretende seguir o Direito ou Advocacia. O valor da leitura. O Doutor Gani trazia barras do estilo Mente Mágica, em Angola e 16 cenas em Moçambique. Aquilo já não parecia alegações finais – não!
O homem parecia estar farto de ser ludibriado pelas instituições de justiça e durante os últimos sete meses sentou e viu tudo, ou seja, parecia um rapper que fica a preparar um combate de Freestyle por sete meses, acompanhando tudo que o adversário principal está a fazer para depois derrubá-lo na primeira opção que tiver!
A estratégia do Doutor Gani deve ter sido vasculhada nos manuais de Artur Schopenhauer, principalmente na obra 39 regras de debate – os meus pássaros disseram que alguém não dormiu naquele dia de tantos ataques e que os arguidos amanheceram a rir lá nas bandas do Língamo por alguém ter dito na cara da Procuradora aquilo que lhes apetecia. A situação pode vir azedar com as réplicas e os discursos dos arguidos.
No entanto, tudo está nas mãos do Juiz Efigénio Baptista, que no início atrevi-me a chamá-lo de "Juiz da esperança ou da desilusão" para o povo, para os arguidos, para os advogados ou mesmo para o Ministério Público, uma vez que, caso não faça justiça, poderá ver muitas barras do estilo do Doutor Gani fazendo manchetes em Jornais e debates intermináveis. Mas o que seria para fazer justiça no caso das dívidas odiosas/ocultas? Condenação ou absolvição dos arguidos?