"Quem de nós não morre quando todos morremos em Muidumbe?"
Nelson Saúte, in O Pais 08 de Junho 2020
no inflexível tempo que flui
dentro do pêndulo
repartimo-nos do gume
a dor que enforca o sonho
aí como me dói…
dormir a noite no bosque
e nos tapumes da madrugada
despertar o corpo do nosso irmão
suturado de balas
sem memória
e calado no duro silêncio
aí como me dói…
a boca que rasga o grito
para o ouvido de nenhum que ouça
escorre pela terra
terra que sangra dentro do fogo
repete – se, repete – se a vertigem
a morte perseguindo o tiro
ai como me dói…
Alerto Bia
Dezembro 2020
Sou morador do bairro Liberdade 3, num canto chamado Fonte Azul, carregado de longa histótória que inclui um campo de futebol denominado Bángwè. É tranquilo como toda a cidade, e ao amanhecer ainda podemos ouvir o chilrear dos pássaros que povoam as árvores, sem medo das pessoas que não as espantam. É uma maravilha que entretanto vai degenerar quando chega a vez dos aparelhos sonoros, acionados pelos donos que deviam conhecer e cumprir com as regras impostas às pessoas que vivem numa comunidade.
A postura camarária determina que da mesma forma que não se deve poluir o ambiente com lixo, também não se deve poluir esse mesmo ambiente com qualquer que seja o som. Mas esta última obrigatoridade é literalmente ignorada por boa parte dos munícipes, que exibem, sempre que lhes aprouver, a potência da sua aparelhagem sem se importarem com os vizinhos. Que estarão sujeitos ao barulho violento.
O pior é que esses senhores que violam sistematicamente um dos nossos direitos humanos que é o sossego e a tranquilidade e a paz, acham-se autorizados a fazer o que bem entendem porque segundo eles próprios, “eu estou na minha casa”. Aliás, nem às estruturas do bairro respeitam, e estes responsáveis, cansados de lhes chamar a atenção, acabam resignando-se de forma incompreensível, pois existem mecanismos para se combater esta anarquia, e um desses recursos é a Polícia Camarária que, na incapacidade de colocar ordem, pode solicitar a intervenção da Polícia de Protecção.
É um verdadeiro caos em todos os bairros da periferia. Aos fins-de-semana não nos deixam dormir. Eu pessoalmente não me canso de ligar ao Comando da Polícia Camarária quando a festa começa. Em determinados momentos eles vêm e resolvem o problema, mas na semana seguinte recomeça, como uma doença degenerativa. Volto a ligar e por vezes não há carro disponível, “está no Tofo a fazer trabalho”. Noutras vezes ainda, dizem para aguardar que “havemos de ir aí”, mas amanhece sem terem vindo, e nós sem termos dormido.
Já alertamos ao presidente do Município usando as redes sociais sobre este mal que nos flagela todos os dias. O que não sabemos é se ele captou esse nosso clamor porque o que está acontecer é na verdade algo muito sério, que precisa de uma intervenção bastante séria e urgente. É uma questão de vontade por parte de quem de direito porque é possível cortar este desmando de uma vez por todas, para trazer a tranquilidade aos munícipes que depositaram o seu voto para que o edil nos dirija e nos proteja.
Uma das estratégias de luta seria reunir primeiro todos os secretários de bairro e seus colaboradores, nomeadamente chefes de quarteirão e chefes de 10 (dez) casas, os agentes da Polícia Camarária e o vereador da área, onde o presidente do Município daria orientações claras de como partir-se para o desmantelamento da poluição sonora. Não é difícil havendo vontade. Esse encontro deve ter cobertura dos órgãos de informação. O edil tem que ter uma intervenção vigorosa, avisando a todos os prevaricadores que a partir daquele momento, seriam sancionados se não cumprirem com o preceituado.
Ainda neste combate a poluição sonora no município de Inhambane, podia-se colocar publicamente por via dos órgãos de informação , nas redes sociais e nas sedes dos bairros, os números de telefone do comando da Polícia Camarária. Às estruturas de bairro deve ser exigida intervenção para salvaguardar o bem estar da comunidade. Outro aspecto ainda, aos que não respeitarem a esta ordem e continuarem a poluir o ambiente, serão confiscadas as aparelhagens e aplicadas.
O presidente do muncípio deve informar à população que é dever de todos denunciar este tipo de comportamentos. É uma questão de vontade e de responsabilidade por arte da edilidade e das estruturas de bairro. De resto o sossego é um dos direitos humanos que nos assiste a todos.
Um pouco pelo mundo, ganha corpo o debate sobre o terceiro contracto de Educação Social ou o novo Pacto Educativo. Um movimento que envolve especialistas, professores, decisores, governos e universidades e, até, o próprio Papa Francisco, que deveria ter realizado o Congresso sobre educação em Maio deste ano.
O pressuposto para este manifesto é o de que em nenhum momento da nossa história, o mundo teve tantos avanços inimagináveis, vertiginosos e exponenciais da ciência e tecnologia, tais como biotecnologia, nanotecnologia, infotecnologia, robótica, ciências espaciais, neurociências, entre outros. Porém, existem, contradições e desigualdades inaceitáveis diante de tantos avanços. O mundo ainda assiste aos milhões de pessoas que sofrem de fome, pobreza extrema, desnutrição, migração, racismo, xenofobia, injustiça e violência nas suas mais diversas expressões e consequências.
A pandemia SARS-COV 2 provou, em muito pouco tempo, como os seres humanos continuam altamente vulneráveis e que apesar de estarmos no século XXI, a meio destes grandes avanços científicos e tecnológicos, a humanidade continua vulnerável, independentemente da cor da sua pele, das crenças, religiões e posições geográficas. Por outro lado, a pandemia permitiu, também, conhecer a importância que as tecnologias podem ter neste mundo pós-moderno, sobretudo, com as experiências da telesaúde, educação à distância, e-governo, e-comércio, e-banking, etc. que abriram espaço para a criatividade, inovação, empreendedorismo, nos seus níveis pessoais, familiares, comunitários e institucionais.
As bases para este terceiro contracto de educação social são os anteriores grandes acordos sociais de educação que permitiram um conviver e um progredir do bem-estar da sociedade e da humanidade. Em grande medida, o novo acordo baseia-se nas necessidades crescentes da revolução cientifico-cultural, que terá que produzir uma nova disciplina laboral e, na essência, cada pessoa deverá descobrir a sua paixão, aprender ao longo da vida, cultivar novas competências e habilidades, desenvolver todo o seu potencial, encarregar-se de inventar o seu trabalho e dirigir a sua vida.
O primeiro contracto social teve por base a aquisição de competências básicas para um desenvolvimento pessoal e profissional. A promessa era de que ao aprender de coisas básicas, todos poderiam se desenvolver na vida, tendo disciplina e obediência, e ganhariam um trabalho digno para o resto da vida. O segundo contracto, por sua vez, baseava-se na aquisição de competências técnicas e profissionais que foram fomentas pelo crescimento de universidades, centros de estudos técnicos e superiores, em todo o mundo. A promessa era sustentada nos seguintes argumentos: estude muito, faça esforço, tire boas notas, siga uma carreira e terá um bom trabalho para toda a vida.
O final do seculo XX e o início do seculo XXI, criaram realidades diferentes em que as circunstâncias tecnológicas, económicas e laborais transformaram-se radicalmente e o contracto social da educação não foi renovado e gerou disfuncionalidades e, até, uma anomalia histórica.
Ainda que o terceiro contracto de educação social não esteja definido, certamente que é possível delinear os seus traços fundamentais. Assim, aos estudantes será exigido o desenvolvimento de competências, de criatividade, inteligência emocional, inovação, empreendedorismo e, sobretudo, liderança. Quer aos estudantes, quer aos professores, será exigido o domínio das novas tecnologias, das línguas e, principalmente, que se encarreguem de inventar o seu próprio trabalho.
Também, nesta fase, a escola e os centros de ensino superior terão que potencializar sujeitos pensantes, livres e responsáveis. Dito por outras palavras, teremos que enveredar por uma educação que corresponda as condições de vida do século XXI, que eleve a condição humana das pessoas e contribua para a construção de sociedades democráticas, equitativas e sustentáveis. Essa será uma educação que compromete a todos actores sociais em torno de um ecossistema em que estejam presentes e sejam protagonistas, quer dizer, serão convocados a comunidade, as famílias, os trabalhadores não docentes, os meios de comunicação e as próprias autoridades. Todos estes, terão que contribuir nesta acção multifocal, para ajudar aos jovens a se desenvolverem plenamente na sua dimensão pessoal e profissional.
O terceiro contracto de educação social tem em vista a mudança da agenda educacional e um redesenho gradual de todos os programas de estudo, com base na inovação educativa. Moçambique, brevemente, precisará de adaptar-se a estas realidades. Teremos que aprender a saltar do primeiro contracto de educação social para um terceiro, considerando que o segundo nunca foi explorado no máximo das suas potencialidades e que continuamos a ter um ensino que forma profissionais dependentes do empenho. Mas é, sobretudo, a administração pública que precisa de rever os seus critérios de ingresso nas careiras profissionais, que não olhem apenas a certificados e diplomas, mas que busquem competência, capacidade técnica e inovação.
Este espaço é oferecido pela:
No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.
Havia uma onda de invasão, com espuma de realidade, no estabelecimento penitenciário do distrito de Mocímboa da Praia. Horas antes do assalto dos terroristas a Vila municipal, ungidos e motivados por um instinto estranho, um grupo de 14 guardas penitenciários decidiu entrar em acção. Naquele dia, 11 de Agosto de 2020, os bravos guardas penitenciários fintaram com inteligência e sagacidade, o plano dos terroristas que era de libertar cerca de 89 reclusos, entre eles, quase metade eram terroristas detidos pelas autoridades policiais e militares em diferentes contextos.
Na madrugada da terça-feira, os 14 guardas penitenciários tiveram uma ideia, retirar todos os reclusos e levarem-nos para Pemba. A vila fervia em todos lados, rebentava de medo. As tropas governamentais estavam apreensivas. Com parcos recursos financeiros, os 14 guardas alugaram uma embarcação à vela e retiraram todos os reclusos, levaram-nos ao barco e começou a longa viagem a Pemba; remaram até Miéze, onde situa-se o Estabelecimento Provincial de Máxima Segurança de Cabo Delgado.
A saga dos guardas com um bando de prisioneiros tinha vários riscos, foram quatro dias rasgando os lençóis das águas com a pequena jangada. Enquanto, a vila era assaltada e os terroristas faziam tentativas de chegar aos calabouços para soltar seus homens, os mesmos já tinham sido afastados pela jangada. O plano havia sido vencido. Os 14 bravos guardas penitenciários conseguiram vencer o mal.
Contra todos os riscos de segurança e morte devido ao cansaço, fome, vómitos e náuseas, os 89 reclusos chegaram e foram levados para Miéze. Ninguém perdeu a vida e nenhum prisioneiro arrancou as algemas durante a fuga pelas águas.
Semanas depois, o grupo recebia a informação de que haveria promoções e premiações relacionadas com o acto heróico protagonizado por eles. Na cerimónia, altamente publicitada e presenciada, contou com a presença da Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR), Helena Kida, que anunciou que os terroristas tentaram assaltar alguns estabelecimentos penitenciários, mas não conseguiram.
Escreva-se isso; os 14 bravos guardas penitenciários ficaram quatro dias no alto-mar, com mantimentos reduzidos, sem nenhuma migalha de comida para alimentarem os 89 reclusos e a eles próprios; estavam numa embarcação à vela e usavam os seus próprios recursos. Na cerimónia, com a presença da ministra, esses guardas ficaram frustrados; ou seja, quando esperavam serem as estrelas, os verdadeiros donos do acto heróico, afinal haviam outros "compatriotas" que tinham abocanhado o seu feito. Esses compatriotas apresentaram-se como os autores legítimos da "mega-operação", elevando o número para 24, com uma história similar a dos 14 bravos e valentes guardas penitenciários que não se "intimidaram e nem se acovardaram", como disse a Ministra Kida na cerimónia ocorrida em Novembro em Miéze.
Após assistirem e verem o que estava a passar, tendo inclusive alguns sido deixados para trás, a situação criou desconforto, dor e a percepção de injustiça por parte dos integrantes do grupo dos 14 guardas penitenciários que impediram o assalto do estabelecimento penitenciário de Mocímboa da Praia
Os guardas de Mocímboa hoje desempenham as suas funções, mas com uma dor tatuada no peito, embora continuem engajados nos seus postos, uma vez que Mocímboa da Praia é o símbolo da cólera que o terrorismo trouxe para Cabo Delgado; estando desde Agosto em mãos dos misantropos que extinguiram a luz da esperança e de um futuro risonho de milhares de crianças, mulheres e adultos. Os 14 bravos, valentes e patriotas guardas penitenciários esperam que um dia, a justiça laboral e engajada seja reposta; isso para o bem da pátria.
*Texto escrito tendo como base relatos colhidos nos guardas penitenciários injustiçados pelo sistema que os deveria valorizar e acarinhar pela coragem e entrega ao país e a profissão.