Situados entre os decisores e os cidadãos, os organismos intermediários (sindicatos e associações) continuam a ser actores fundamentais na vida social e democrática de vários países. Asseguram simultaneamente uma solidariedade de proximidade que o Estado ou as autoridades locais não sabem organizar ou não querem organizar e, para alguns, um papel de contra-poder capaz de criticar o poder a nível local, regional e nacional e de propor soluções alternativas (Fardeau, 2016).
Tradicionalmente – de Maquiavel para Gramsci, passando por Rousseau, Hegel ou ainda Marx – a filosofia política define como sociedade civil tudo o que não é sociedade política formal. Para além das grandes diferenças entre estes pensadores (a sociedade civil como base do Estado ou contra o Estado), ela engloba, portanto, toda a cidadania, que não é nem o nosso objectivo nem o problema a enfrentar. A dispersão de vocabulário e o que as palavras cobrem é sintomático da imprecisão em que nos encontramos. Os franceses falam ‘société civile’ – onde fazem referência para uma sociedade cívica –, da sociedade civil organizada, do movimento associativo. Os ingleses vão referir-se em ‘civil society’ – mas com um enfoque no que chamamos um movimento associativo, aplicando assim o nosso vocabulário mais amplo à mais estreita das realidades. Noutras esferas, mantemo-nos num terceiro sector, um intermediário entre a política e o mercado. Contudo, não cabe aqui tentar definir o que seria a sociedade civil. Aliás, desprovido de consensos e clareza, seria um exercício interminável procurar fazê-lo.
No caso moçambicano, naquilo que preferimos designar como ‘sociedade civil fresca’ (início do século XXI), provavelmente o Professor António Francisco seja dos poucos que, com alguma regularidade, tenha tido interesse em reflectir sobre os caminhos da sociedade civil no país (*em 2003, Mazula e Mbilana escreveram sobre o papel das organizações da sociedade civil na prevenção, gestão e transformação de conflitos; *em 2004, Negrão falou da relação entre o ‘Norte’ e a sociedade civil em Moçambique), mesmo considerando que vários sejam os relatórios sobre organizações da sociedade civil/balanços de projectos que são hoje produzidos. Recuemos, porém, para o ano de 2007 quando, através de um ‘’Índice da Sociedade Civil Moçambicana’’, António Francisco coordenou uma equipa de pesquisa, em que com base na conjugação dos múltiplos resultados, concluiu que a sociedade civil moçambicana é globalmente fraca, nas suas quatro dimensões: estrutura, ambiente, valores e impacto. A pontuação rondava em 1, o representava um valor abaixo do médio, na escala de classificação de 0 a 3 pontos. Depois seguiu-se o ano 2010, através dos habituais livros do IESE ‘Desafios para Moçambique’, onde voltou a discutir expectativas e desafios da sociedade civil em Moçambique (*em 2015, a Altair Asesores e da Agriconsulting SL fez um amplo estudo de mapeamento de organizações da sociedade civil de Moçambique).
Recentemente, em Setembro de 2019, Francisco traçou um provável perfil do que seria então a sociedade civil moçambicana, tendo postulado três dimensões: (1) violenta – aquela que seria revoltada, frustrada e acima de tudo intolerante ou mesmo criminosa; (2) servil – estaria subjugada, bajuladora, ou por outra, corrupta e fingida; e por fim (3) inovadora – que pauta pela coragem, honestidade, e acima de tudo responsável. Para o autor parece ser difícil pensar a sociedade civil em Moçambique nas modalidades actuais, dado que numa sociedade com fraco desenvolvimento humano, económico e institucional, dificilmente pode ser gerada uma sociedade civil forte, mais progressiva do que regressiva, mais construtiva do que destrutiva. No campo da confiança, avança que a descredibilização da sociedade civil deriva de culpa própria, mas não só, pois tal confiança não se pede, nem se compra. Conquista-se – pela credibilidade, autoridade e respeito, sendo que há duas vias como solução: maior carácter, integridade e dignidade; e aumento de competências, técnicas e educacionais, dos seus membros, líderes e gestores.
Sobre isto, recordamos as recentes palavras de Joseph Hanlon (23.11.2020) que, em seu habitual ‘boletim político’ (número 258), chega mesmo a dizer que ‘’a sociedade civil de Maputo, financiada por doadores, normalmente limita-se a emitir declarações, as quais são ignoradas. Não há grandes protestos de rua por causa de eleições fraudulentas, como na Bielorrússia’’. Para Hanlon (idem), as eleições já foram importantes, mas já não são tratadas com seriedade. Nunca houve uma oposição política séria. As agências doadoras estão agora mais interessadas no gás e no investimento, do que na governação e não protestaram seriamente contra as eleições de 2019. Finalmente, a Frelimo tem tido o cuidado de manter a classe média de Maputo confortável para não protestar como na Bielorrússia. A desigualdade, a pobreza e a raiva contra a Frelimo ferveram em Cabo Delgado, levando à actual guerra civil. Mas isso fica a 1800 km de Maputo e a Frelimo pode ignorar as raízes locais e culpar o Estado islâmico (ibidem). Por outro, existe quem pense que o problema da sociedade civil moçambicana seja transformar os nossos problemas que são de carácter eminentemente político em técnicos. Macamo (2019) diz mesmo que quando é assim a participação política não conta, a articulação de interesses não conta, o que conta é fazer a coisa tecnicamente certa. E é isso que as nossas organizações da sociedade civil fazem, e infelizmente não têm consciência que estão a despolitizar completamente o país.
Chegados aqui, provavelmente tenha ficado claro que a nossa opinião surge como um inacabado e obsoleto contributo para pensarmos uma possível sociedade civil em Moçambique, diante dos últimos posicionamentos que sugerem um ‘’ambiente turvo’’ face ao processo de escolha de membros que deverão perfilar na próxima Comissão Nacional de Eleições. Ora, se notarmos as propostas avançadas por Francisco no capítulo da confiança, perguntamo-nos até que ponto estamos diante de organizações que, ao exigir integridade e transparência nos órgãos eleitorais, são, per si, modelos para ser seguidos? Até que ponto outorgar-se como a ‘’voz dos outros’’ não é uma forma de justamente apoderar-se da fala dos demais? Que perfil de facto exigimos das nossas organizações da sociedade civil para ‘’cimentar’’ a confiança diante dos representados? Que relações podemos estabelecer entre o representante e o representado num clima de constante crispação social, o que ultrapassa tais organizações? Estaremos diante de um problema de ordem técnica (transparência deste ou aquele órgão), ou em presença de um problema político? Mas entre o tempo técnico e o tempo político, o que pesa de facto –, o que deve ser tido como prioridade? Ou por outra, que sociedade civil pode ser pensada fora da órbita do ente que governa Moçambique – uma ruptura em continuidade?
Por fim, talvez fosse necessário trazer alguns dados que temos estado a tentar compreendê-los no campo da cidadania e participação, realizados pelo Afrobarómetro, entre 2002-2018 (amostra – 8590 inquiridos – 50% mulheres, 50% homens – todas as províncias):
Em progressão...
Lá nas bandas de Quissanga, na martirizada província de Cabo Delgado, os narcos foram "legalizados". Os tipos circulam à vontade, enquanto isso, o povo luta para chegar às zonas seguras; eles carregam suas mercadorias, organizam nos carros e zarpam livremente. Estranhamente, ninguém lhes fiscaliza e nem os ataca, sejam militares, assim como, terroristas. Quando chega a hora de escoar o produto, há um acordo de não-agressão entre eles.
A rota que já era usada há anos, agora foi totalmente legalizada. O local é um matador de gente estranha e metida a investigador. As coisas por lá funcionam que nem em Sinaloa de El Chapo e os corredores de Medile de Escobar.
O acordo de livre-trânsito permite que mais cães de guerra surjam. As guerras em Moçambique criaram muitos the dog of war, não é em vão. Com extorsões de camionistas e passageiros que circulam pelas estradas nacionais, acabando por ser alvo todo aquele que não coopere com os mesmos. Os vendedores de armas alegram-se com a sanha assassina da guerra. Para eles quanto mais perdura uma guerra melhor é.
As províncias de Cabo Delgado, Manica, Sofala e Maputo estão banhadas de cães de guerra, outros sentados nos escritórios e mansões na capital e os uns fazendo as coisas acontecer ao longo das Estradas Nacionais (EN 1, 7 e 380).
Os cães de guerra se beneficiam de tudo, até de raparigas, jovens ou mulheres carenciadas e desprovidas de tudo. Eis que "homens predadores" chegam e que dão produtos alimentares em troca de sexo, quando há resistência não te apoiam. Os cães de guerra beneficiam-se dos choros e das mortes dos inocentes. Fecham grandes negócios por cima do sangue e da morte do povo inocente. Alimentam as partes beligerantes de um conflito para continuarem a comer mais.
Os cães de guerra farejam tudo, até a desgraça do povo. Que o diga os deslocados de guerra em Cabo Delgado, Manica e Sofala, que de números que são apresentados, contas de particulares engordam. Mansões, carros, fatos bonitos e de último grito são adquiridos pelo suor de apoio e campanhas sem fins feitas em nome de quem mais precisa. Os proprietários de carros e barcos, estes especulam preços de transporte, levando crianças, mulheres, homens desprovidos e velhos a caminharem por longos dias para chegar a um local seguro.
Os cães de guerra não conhecem filantropia, altruísmo, dor, amor ao próximo e muito menos sofrimento. O cão de guerra fareja tudo. Ama a guerra. Ama a violência. Os cães de guerra interrompem sonhos de adolescentes e jovens iludindo-os, fazendo-os acreditar que queimando casa do pobre povo, decapitando e bebendo o sangue do outro é sinal de lutar por uma causa justa.
Em todas as guerras, surgem the dog of war e em Moçambique são vários e estão presentes em tudo que é sector-chave da sociedade: político, económico, religioso e cultural. Todos eles atrás do dinheiro sujo. Cães de guerra são mafiosos que fazem de tudo para terem dinheiro através da violência armada e excessiva. Raptos, extorsões e assassinatos. Queremos que a guerra acabe, disse um ancião ao Presidente Nyusi em Macomia! Quem sabe assim, os cães de guerra desapareçam...
Voltemos um pouco no tempo. Era 2015. Não sei se vocês se lembram... quando Manuel Chang se candidatou à presidência da Federação Moçambicana de Futebol? Alguém se lembra? Pois é! Aquela deve ter sido a única vez na vida que Chang tentou nos ajudar e nós não entendemos. É preciso não esquecer que o elenco de Chang era composto por Tico-Tico, Arnaldo Salvado, Tony Gravata, Altenor Perreira, Cremildo Gonçalves, etecetera - verdadeiros homens do nosso futebol. E Chang foi o primeiro a apresentar candidatura naquelas eleições.
Pessoal, talvez o nosso futebol não estaria essa porcaria que é hoje. Talvez estaríamos muito avançados. Naquela altura, Chang já tinha roubado esse todo dinheiro que hoje se fala. O gajo estava cheio de tako. Estava 'chê-da-mola'. Chang já nos tinha enfiado abacaxi e queria gastar o dinheiro no futebol. Vai ver que era uma forma inteligente de nos fazer curativo! Talvez era a tão desejada vaselina.
Fomos muito atrapalhados! Nem quisemos ouvir as reais intenções do Chang. Com o dinheiro que Chang tinha naquela altura, talvez, hoje, teríamos um estádio olímpico para cada agregado familiar. Talvez a ideia de Chang fosse massificar de verdade o nosso futebol onde cada casa teria o seu próprio campeonato. E do jeito que aquele homem é mafioso, talvez hoje Moçambique já estaria no Mundial 2022 de Quatar a espera dos outros se qualificarem. Nós já estaríamos lá como co-organizadores e a vendermos bilhetes. Também acho que Nhangumele e Boustani já teriam levado a taça para Moçambique. As equipas só iam jogar por jogar.
Irmãos, não aproveitamos o Chang! Naquela altura, Chang falava da necessidade de criação de um 'Observatório de Futebol' que se reuniria anualmente para decidir sobre os problemas do nosso futebol. Vejam só: 'observatório'! Coisa de ricos. Hoje, não estamos a jogar o Moçambola porque é capaz de chover... um dia desses. Pobrice! Provavelmente, hoje seríamos o país com mais bolas per capita. Chang já tinha notado que o maior problema deste país é a falta de bolas.
Enfim, talvez a salvação do nosso futebol esteja ali nos calabouços dos nossos cunhados e nós aqui 'a se arrependendo' com malta Simango e Sidat. É isso: a única vez que Manuel Chang tentou nos ajudar mandamos o gajo pentear macacos - e ninguém tem coragem de falar disso. Talvez Chang não seja tão ruim assim. O desporto muda as pessoas. Talvez o futebol seja mesmo a paixão dele. Hoje, teríamos bolas, certamente! Caso para dizer que o nosso futebol está preso.
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O título é uma ligeira adaptação de um trecho de uma música doce do cantor brasileiro Djavan e vem a propósito do que se acompanha na imprensa sobre uma (suposta) guerra entre organizações da sociedade civil pelos lugares que a cabem na Comissão Nacional de Eleições (CNE). Pelo histórico é uma rixa periódica, normalmente, salvo erro, de cinco em cinco anos. Agora a curiosidade é a de saber sobre o que tanto de doce tem a CNE? A curiosidade ainda adensa quanto a razão da guerra e se ela existe por que não evitá-la?
A dita guerra foi acirrada por uma decisão da Assembleia da República que marcara o tempo oficial de 15 dias de entrega de candidaturas para os cargos em pauta. Uma parte da sociedade civil quer que se avance para a entrega e uma outra não concorda e quer que se adie e, ainda, que antes haja um debate público sobre as regras, pois, e o tempo testemunha, o actual modus-operandi não passa de um exercício que só alimenta cada vez mais a desconfiança e a fertilidade da cooptação. De resto, em conta-corrente, é muito estranho que se faça tanto alarido para ser parte de um órgão que a mesma sociedade civil, e não só, rotula-o de parcial, manipulável e ao serviço de um determinado partido.
Neste contexto, que saídas? A renúncia geral definitiva pode ser uma boa e pacifica saída. E que as partes desavindas proponham como alternativa um concurso público aberto a candidatos singulares, desde que reúnam os requisitos e a altura da competência e idoneidade exigidas. Aliás, havendo alguma guerra a ser feita que seja dirigida para a definição dos requisitos dos candidatos a título singular e do respectivo processo de selecção. Não seria esta uma simpática saída? Sobretudo, e apenas, quanto ao preenchimento dos lugares da sociedade civil.
Infelizmente (e para qualquer mudança), o tempo dos 15 dias já se esgota. O mesmo com o tempo deste texto, e com a sensação de que teria sido melhor gasto a ouvir Djavan. E para quem leu até aqui, certamente que também pergunta: Afinal o que será que Deus pôs ali (na CNE)? Djavan até que vai mais longe quando a dado momento canta: “Por que será que Deus pôs ali.”
Ahhhhh, porque moçambicano não tem autoestima!
Ahhhhh, porque moçambicano não gosta do que é verdadeiramente seu, idolatra o que é do estrangeiro!
Ahhhhh, porque moçambicano não apoia o desporto do seu país!
Ahhhhh, porque moçambicano não gosta do seu futebol!
Ahhhhh, porque moçambicano só gosta de malta Real Madrid!
Ahhhhh, porque moçambicano só compra camisolas de clubes europeus!
Ahhhhh, porque moçambicano não tem orgulho próprio!
Ahhhhh, porque isto... ahhhhh, porque aquilo... ahhhhh, porque etecetera!
Palhaçada! É para gostarmos como do nosso futebol?! Aliás, onde está o tal futebol que devemos patrioticamente gostar a todo custo?! O tal futebol pelo qual devemos ficar nacionalisticamente apaixonados é este que se esconde da chuva?!
O futebol é o nosso paracetamol. Nós somos doentes de futebol e precisamos dele para viver. Padecemos de 'futebolicite', necessitamos de uma partida de futebol para o nosso coração voltar a bater. Queremos ver uma bola na trave, um remate acrobático, uma finta, uma bicicleta. Não queremos saber se é um jogo da África, da Ásia, da Europa, ou sei lá. Só queremos ver uma partida, só. Ao vivo no estádio ou na tê-vê.
Nós só queremos ver uma partida de futebol para o nosso coração voltar a bater. E vocês não estão interessados em nos dar sequer uma partidazinha. Vocês são muito desorganizados e nós não podemos chupar por isso.
O problema do nosso desporto é esse vosso dirigismo incompetente e intestinal. O vosso paraquedismo e o parasitismo. O problema não somos nós. O problema são vocês que tomam decisões pensando apenas nas vossas panças. Vocês são o coito interrompido do nosso futebol. O problema não somos nós. Nós estamos aqui para apoiarmos o apoiável, para aplaudirmos o aplaudível, para 'enjoyarmos' o 'enjoyável'. Não podemos amar uma coisa que não existe. Não nos viciem!
Aproveitem esse interregno para reflectirem se vocês merecem estar onde estão. Se vocês merecem o futebol que dirigem. Se vocês merecem este povo doente de futebol, este povo sedento de alegria.
Cancelar um campeonato por causa de chuva mesmo!!! Mas isso é futebol ou tufu?!
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O Metical nasceu porque o Editor rompeu com a Mediacoop. Ele não concordava com certas práticas de gestão na cooperativa. Não concordava que o MediaFAX fosse a melhor fonte de facturação e o Savana o principal centro de custos.
Exigia que o jornalismo do SAVANA melhorasse suas vendas. Houve vários debates dentro da cooperativa sobre como resolver essa inquietação.
O editor também lutava por melhores salários para os jornalistas do MediaFAX.
Num certo momento, as coisas ficaram insustentáveis. Cardoso acabou sugerindo que a Mediacoop lhe vendesse o MediaFAX. A proposta foi chumbada pela maioria dos membros da cooperativa. E o Editor bateu as portas e foi fundar o Metaical na velha garagem onde o MediaFAX nascera. Chamou-lhe Metical, mas era o mediaFAX continuado. Em tudo. Até no conjunto de colaboradores.
Com o Metical, Carlos Cardoso abraça uma contingência: a de produzir e, ao mesmo tempo, gerir um jornal. Um dos grandes desafios do novo patrão era colocar em prática na empresa seus valores de esquerda e seus princípios de transparência, que tão aguerridamente defendia em seus editoriais.
E ao longo dos quase 4 anos de existência do Metical, ele foi praticando sua gestão transparente. Ele deixara a Mediacoop por razões de gestão. Então, era preciso provar um registo completamente diferente.
E fê-lo: todos os meses, ele publicava, numa vitrina, a receita mensal e os extratos bancários; todos os jornalistas ganhavam o mesmo salário (e aqui eu discordava); todos os gastos mensais do jornal eram publicados. E no fim do ano, havia um bónus salarial para todos, sem diferenciação. Posso dizer que a face do Metical mostrou um Cardoso mergulhado numa personalidade multifacetada: um detentor de meios de produção, aplicando seus princípios de socialismo e transparência.
A fase do Metical mostra um jornalista envolvido na politica activa. Ele não era um politico ingênuo. Ele era um politico cheio de utopias. Uma utopia com forte base empírica. Um politico sonhador e pragmático também. Comprovamos isso com sua adesão ao JPC, no advento da Municipalização.
Ele usou essa oportunidade para praticar sua cidadania activa. Deixava a redacção para ir discutir, na Assembleia Municipal, a gestão da cidade de Maputo. Seu foco era a gestão financeira. A qualidade dos sistemas de colheita de receita nos mercados, a gestão do solo urbano, que estava a ser vendido ao desbarato, incluindo a terras de enorme valor junto da marginal.
Um dos grandes legados do seu activismo politico foi a persistência num modelo de estradas que acabou vingando em termos de resistência: as estradas feitas com base em pavê. Ele lutou, juntamente com o antigo representante do Banco Mundial, Roberto Chavez. Conseguiram numa das ruas de Maputo: o prolongamento da Vladimir Lenine, a partir da Praça da OMM, até ao Xiquelene. Aquela estrada e, para usar a palavra da moda, é a mais resiliente da cidade de Maputo. E isso deveu-se também ao papel do Cardoso como político.
O Metical nasce nos anos da corrupção desenfreada em Moçambique, que ainda perdura. A transição para a democracia relaxou a repressão do Estado. Em meados dos anos 90, muitas das empresas privatizadas haviam aberto falência.
Mas todos queriam ser empresários. A promiscuidade entre a politica e negócios avulta. O tráfico de drogas ganha espaço, assim como o recurso a fundos do tesouro que nunca foram devolvidos. A criminalidade organizada implanta raízes nas autoridades policiais e judiciais. Penetra no Estado, comprando sua impunidade.
O Metical surge sob este pano de fundo, embora a matriz editorial fosse de cariz econômico, melhor dizendo de economia politica. Cardoso prossegue a defesa da indústria, o debate fiscal, o comercio informal, o ambiente de negócios, a luta contra os malefícios do ajustamento estrutural. Mas o crime organizado e a corrupção quase que tomam conta da economia. Os bancos são defraudados. Com o judiciário e a policia tomados pelo crime organizados, a imprensa independente é a trincheira restante. Contudo, dentro da imprensa, nem todos estavam limpos. Cardoso e o Metical são o ultimo baluarte da integridade.
E, por isso, o jornal torna-se a provedoria publica da denuncia contra a corrupção. Cardoso desdobra-se na investigação. Tem sob a mesa diversos casos de promiscuidade nas elites politicas, denúncias de rombos e fraude, lavagem de dinheiro. Ele foi abatido quando começou a expor uma das fraudes marcantes do nosso sistema financeiro: a fraude ao antigo BCM. Outras fraudes ficaram por investigar, muita gente ficou aliviada pois o assassinato de Carlos Cardosos foi uma garantia da sua impunidade.
*Este texto foi escrito para ser apresentada no Webinário evocativo de Carlos Cardoso, que teve lugar na segunda feira.