Havia uma onda de invasão, com espuma de realidade, no estabelecimento penitenciário do distrito de Mocímboa da Praia. Horas antes do assalto dos terroristas a Vila municipal, ungidos e motivados por um instinto estranho, um grupo de 14 guardas penitenciários decidiu entrar em acção. Naquele dia, 11 de Agosto de 2020, os bravos guardas penitenciários fintaram com inteligência e sagacidade, o plano dos terroristas que era de libertar cerca de 89 reclusos, entre eles, quase metade eram terroristas detidos pelas autoridades policiais e militares em diferentes contextos.
Na madrugada da terça-feira, os 14 guardas penitenciários tiveram uma ideia, retirar todos os reclusos e levarem-nos para Pemba. A vila fervia em todos lados, rebentava de medo. As tropas governamentais estavam apreensivas. Com parcos recursos financeiros, os 14 guardas alugaram uma embarcação à vela e retiraram todos os reclusos, levaram-nos ao barco e começou a longa viagem a Pemba; remaram até Miéze, onde situa-se o Estabelecimento Provincial de Máxima Segurança de Cabo Delgado.
A saga dos guardas com um bando de prisioneiros tinha vários riscos, foram quatro dias rasgando os lençóis das águas com a pequena jangada. Enquanto, a vila era assaltada e os terroristas faziam tentativas de chegar aos calabouços para soltar seus homens, os mesmos já tinham sido afastados pela jangada. O plano havia sido vencido. Os 14 bravos guardas penitenciários conseguiram vencer o mal.
Contra todos os riscos de segurança e morte devido ao cansaço, fome, vómitos e náuseas, os 89 reclusos chegaram e foram levados para Miéze. Ninguém perdeu a vida e nenhum prisioneiro arrancou as algemas durante a fuga pelas águas.
Semanas depois, o grupo recebia a informação de que haveria promoções e premiações relacionadas com o acto heróico protagonizado por eles. Na cerimónia, altamente publicitada e presenciada, contou com a presença da Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR), Helena Kida, que anunciou que os terroristas tentaram assaltar alguns estabelecimentos penitenciários, mas não conseguiram.
Escreva-se isso; os 14 bravos guardas penitenciários ficaram quatro dias no alto-mar, com mantimentos reduzidos, sem nenhuma migalha de comida para alimentarem os 89 reclusos e a eles próprios; estavam numa embarcação à vela e usavam os seus próprios recursos. Na cerimónia, com a presença da ministra, esses guardas ficaram frustrados; ou seja, quando esperavam serem as estrelas, os verdadeiros donos do acto heróico, afinal haviam outros "compatriotas" que tinham abocanhado o seu feito. Esses compatriotas apresentaram-se como os autores legítimos da "mega-operação", elevando o número para 24, com uma história similar a dos 14 bravos e valentes guardas penitenciários que não se "intimidaram e nem se acovardaram", como disse a Ministra Kida na cerimónia ocorrida em Novembro em Miéze.
Após assistirem e verem o que estava a passar, tendo inclusive alguns sido deixados para trás, a situação criou desconforto, dor e a percepção de injustiça por parte dos integrantes do grupo dos 14 guardas penitenciários que impediram o assalto do estabelecimento penitenciário de Mocímboa da Praia
Os guardas de Mocímboa hoje desempenham as suas funções, mas com uma dor tatuada no peito, embora continuem engajados nos seus postos, uma vez que Mocímboa da Praia é o símbolo da cólera que o terrorismo trouxe para Cabo Delgado; estando desde Agosto em mãos dos misantropos que extinguiram a luz da esperança e de um futuro risonho de milhares de crianças, mulheres e adultos. Os 14 bravos, valentes e patriotas guardas penitenciários esperam que um dia, a justiça laboral e engajada seja reposta; isso para o bem da pátria.
*Texto escrito tendo como base relatos colhidos nos guardas penitenciários injustiçados pelo sistema que os deveria valorizar e acarinhar pela coragem e entrega ao país e a profissão.