Passam pouco mais de onze anos da tragédia do Voo 447 da Air France que fazia a ligação Rio de Janeiro e Paris, vitimando todos os 228 ocupantes, entre passageiros (216) e tripulantes (12). Sobre o acidente lembro-me de ter lido, na altura, de que face a falta das caixas negras - só achadas depois de dois anos de buscas - era chegado o tempo dos corpos “falarem” sobre o acidente. Assim, e através de vários exames, saber-se-ia o que teria acontecido com a aeronave. Os resultados de exames preliminares aos primeiros corpos recuperados das águas do atlântico reforçariam, nessa altura, a hipótese de que o avião desintegrara-se antes embater no oceano e de que o acidente não fora causado por nenhuma explosão do tipo fogo.
Trago este acidente à mesa a propósito do (preocupante) silêncio dos recuperados da Covid-19 em Moçambique. Um silêncio com requintes de segredo de Estado e que até assusta mais do que a própria infecção. Dos recuperados, que não são poucos em relação aos casos positivos, não se sabe nada sobre o que terá sido feito para que a recuperação fosse possível e nem sobre os ambientes ou as circunstâncias que possivelmente tenham mais propiciado o contágio. O Ministério da Saúde apenas divulga os números da Covid-19, o que tem o seu impacto, mas uma informação sobre os bastidores desses números de certeza que faria uma diferença e didáctica no processo de consciencialização pública.
Em tempos de pandemia - e de uma que é nova e com um elevado potencial de perigosidade -, seria bom que este tipo de informação fosse de domínio público e deste modo, calculo, permitiria uma maior tomada de consciência do cidadão sobre os cuidados a redobrar quer de prevenção quer em relação a recuperação em caso de infecção. Certamente de que cabe ao cidadão recuperado tomar a decisão da partilha pública da sua experiência, mas também, acredito, cabe às autoridades sanitárias algum papel e iniciativa na divulgação desse tipo de informação, mesmo que de forma generalizada.
Infelizmente o grosso da informação que circula, vital e importante, é de outras paragens e urge que seja mais doméstica. Porventura, aqui esteja uma das chaves, em falta, para o sucesso do combate à pandemia da Covid-19 em Moçambique e, quiçá, a quebra do estranho silêncio (sobre e) dos recuperados da Covid-19 seria o ponto de partida, salvaguardando, obviamente, qualquer tipo de acusação, incluindo a de violação de segredos de Estado.