Acima de 200 pessoas já morreram na sequência dos ataques protagonizados, desde 05 de Outubro de 2017, pelos insurgentes em seis distritos da província de Cabo Delgado. No entanto, aspectos há que não têm merecido a devida atenção por parte dos órgãos de comunicação social, da sociedade e dos órgãos de justiça, como é o caso das bárbaras decapitações a que muitas das vítimas são submetidas.
Um sobrevivente dos ataques, ouvido pela “Carta”, em Cabo Delgado, contou que “antes de matarem as suas vítimas, os insurgentes cortam a veia do pescoço do lado de trás, drenam o sangue num balde, galão ou panela. Em seguida, cortam o corpo em pedaços e bebem o sangue das vítimas”.
Foram condenados a cinco meses de prisão, com pena suspensa, dois dos três agentes da PRM (Polícia da República de Moçambique) acusados de terem impedido o fotojornalista Estácio Valoi de exercer a sua actividade profissional no Campo 25 de Setembro em Pemba, onde se encontrava em reportagem fotográfica no passado dia 07 de Abril de 2017, numa celebração pública do Dia da Mulher Moçambicana.
Os agentes policiais condenados são Augusto Guta, actual porta-voz do Comando Provincial da PRM em Cabo Delgado, e Aires Aurélio Tequia, que na altura desempenhava funções como Comandante da 2ª Esquadra da cidade; hoje é Comandante distrital de Montepuez. Foi absolvido Cornélio Duvane, Comandante da Polícia Municipal de Pemba, por não ter sido provado o delito de que era acusado. Guta e Tequia vão continuar em liberdade, com a possibilidade de a pena nunca mais ser aplicada, a não ser que, dentro dos próximos dois anos, voltem a cometer uma infracção criminal. Os condenados terão de indemnizar Valoi com a quantia de 50 mil Meticais, conforme decidiu a juíza da causa, Felicidade Rungo, do Tribunal Judicial de Pemba.
Ficou provado no julgamento, que teve lugar a 13 deste Março, que, durante as cerimónias provinciais alusivas ao Dia da Mulher Moçambicana, 07 de Abril, em 2017, no campo 25 de Setembro, o fotojornalista Estácio Valoi foi abordado pelos três agentes, proibindo-lhes de fotografar. O visado respondeu que estava a trabalhar. Os agentes policiais exigiram que o fotojornalista apresentasse uma credencial. Em vez de credencial, Estácio Valoi mostrou um crachá, que foi ‘ignorado’ pelos agentes. polícias, que continuaram a exigir credencial. Gerou-se uma discussão, com o jornalista a argumentar que estava a trabalhar.
Perante o ‘impasse’, os agentes da PRM pediram que Valoi se afastasse do local para “conversar com eles”, pedido que foi rejeitado pelo fotojornalista, alegando que estava a trabalhar num lugar público. Na sequência da discussão, Estácio Valoi terá sido maltratado fisicamente pelos três agentes da PRM, tendo, por isso, decidido processá-los judicialmente. (Paula Manwar)
Insurgentes em Cabo Delgado voltaram a espalhar terror em alguns distritos daquela província. Só de sexta-feira (22) para domingo (24) foram decapitadas cinco pessoas, e outras tantas, cujo número não foi possível apurar, ficaram feridas, para além de casas incendiadas (também em número não especificado) durante os ataques protagonizados pelos insurgentes nos distritos de Macomia, Ancuabe e Meluco.
A aldeia de Bangala II, a cerca de 7 km da residência de Nordina Adalberto, administradora do distrito de Macomia, também não escapou. Nordina foi exonerada do cargo mas continua interinamente em funções até que seja empossado um novo administrador, no âmbito das alterações que são operadas constantemente no quadro dos governos distritais de Cabo Delgado.
De acordo com informações veiculadas a partir dos residentes locais onde estes últimos ataques ocorreram, apesar do forte contingente militar estacionado em Macomia, os insurgentes entraram naquele distrito em plena luz do dia. Em Bangala II, os atacantes chegaram entre as 14h00 e 15h00 e começaram a incendiar as casas da população lá residente.
Por volta das 09h00 de sábado (23), os insurgentes incendiaram motorizadas e casas de construção precária no povoado de Mpataula, a 3km da Vila de Macomia. Já quando eram cerca das 16h00, Bangala II voltou a ser alvo de um novo ataque. Não se conhece ao certo o balanço deste último ataque, sabendo-se no entanto que houve vítimas mortais, cujo número não foi possível apurar, para além de casas incendiadas (também em número não especificado). Na noite do mesmo dia, a população de Ancuabe foi surpreendida por uma incursão dos insurgentes, onde uma vez mais balearam civis e queimaram várias casas. Até aqui nada se sabe sobre eventuais mortos e feridos.
Às 10h00 deste domingo (24), os insurgentes percorreram 40km de Macomia para Meluco onde atacaram a sede da localidade do Iba, no posto administrativo de Muaguide. Há informações dando conta de ter havido um tiroteio, com algumas pessoas a serem baleadas e várias casas incendiadas. Estes ataques ocorreram em aldeias situadas ao longo do Parque Nacional das Quirimbas (PNQ).
“Sucesso” das FDS em Palma e Mocímboa da Praia
Entretanto, conforme apurou “Carta”, nos distritos de Palma e Mocímboa da Praia as Forças de Defesa e Segurança (FDS) conseguiram ganhar espaço, tendo liquidado vários membros do grupo dos insurgentes que desde 5 de Outubro de 2017 espalham terror e morte em Cabo Delgado.
O nosso jornal apurou ainda que a província de Morogoro, na Tanzânia, é utilizada para recrutar e treinar adolescentes, jovens e adultos que protagonizam ataques em Cabo Delgado, alguns deles refugiados que desertaram das fileiras dos insurgentes nos distritos que têm sido alvo dos ataques.
Nas últimas semanas, a secreta estatal e as FDS detiveram um professor da disciplina de inglês na Escola Secundária ‘Padre Paulo de Macomia’, cujo nome completo não foi possível identificar. Mas o professor em causa, denominado Nelson, e que havia alegadamente fugido para o distrito de Nangade, também é conhecido por ‘Rick Ross’ (cantor americano de hip hop), devido às características do seu corpo e da barba que ostenta. (Paula Mawar, em Cabo Delgado; Omardine Omar)
Foi de sete mortos e dezenas de casas queimadas o balanço de mais uma investida protagonizada na terça-feira (05) pelos insurgentes em Cabo Delgado. Desta vez os alvos foram as aldeias de Manilha, Mumu, e Ntotwe, no corredor entre Mocímboa da Praia e Awassi.
De acordo com fontes da “Carta”, os funerais dos mortos decorreram numa tímida cerimónia em que apenas estiveram presentes os poucos residentes que nos locais afectados optaram por abdicar da fuga e expor-se à sanha assassina dos criminosos. Em Mitope, por exemplo, houve vandalização de infraestruturas.
Ainda segundo as nossas fontes, na quarta-feira (06) nenhum transporte público foi a Mocímboa da Praia. Os passageiros eram descarregados em Awassi e Mueda. Na sequência destes últimos ataques, à semelhança do que tem acontecido em quse todas as situações idênticas, muitos habitantes das aldeias atingidas abandonarem as suas casas que mais tarde foram reduzidas a cinzas pelos atacantes.
Entre os mais sacrificados por esta última invasão dos agressores ao distrito de Mocímboa da Praia destacam-se professores e alunos, que tiveram de abandonar as respectivas escolas à procura de refúgio noutras paragens aparentemente mais seguras.
Dizem as nossas fontes que ainda é notório um certo traumatismo nos poucos habitantes que restaram nas aldeias atingidas pelos ataques de terça-feira. Muitas empresas que operam ao longo da estrada que liga Moçambique e Tanzânia dispensaram os seus trabalhadores.
Na terça-feira, dia da ocorrência dos ataques, os distritos e as aldeias atingidos estavam sem electricidade devido à queda de uma torre na linha de transmissão de alta tensão. O problema só foi resolvido no dia seguinte, à noite, com a retirada da torre improvisada de madeira que fora derrubada pela força das águas do rio Lúrio, e que ameaçava arrastar outras torres da mesma linha. (Carta)
Não é fácil o dia-a-dia em Cabo Delgado. Como se não bastassem as intermitentes mais reiteradas barbaridades protagonizadas por indivíduos armados ‘sem rosto’ nem motivações conhecidas que têm espalhado terror e morte nos distritos de Mocímboa da Praia, Macomia, Palma, Quissanga, Nangade e arredores da Ilha do Ibo, para além das inexplicáveis detenções de jornalistas e pesquisadores, um outro cenário tem tornado a vida das populações daquela província mais difícil: o medo de represálias, a "centralização" da informação, as constantes ‘movimentações’ de funcionários nos governos distritais, intimidações aos administradores, oficiais e populações das zonas afectadas pelos ataques, bem como as que vivem noutros distritos.
O primeiro sintoma de um ambiente de censura e auto-censura é o recurso ao silêncio. Esta é a resposta mais comum quando um jornalista tenta sacar algumas palavras a um funcionário ou a um simples transeunte em Pemba. De fontes oficiais, soubemos que, na província de Cabo Delgado, falar de ataques e seus contornos, seja num evento, estância turística, actividade desportiva ou cultural, ou em debates académicos entre civis, é motivo para entrar em problemas sérios com agentes da Polícia infiltrados em todas as esferas sociais e económicas da província.
O ambiente que se vive em Cabo Delgado chega a roçar o insuportável. Nenhum governante, seja ele do distrito ou da província, pode, sem autorização do Comando Provincial da PRM (Polícia da República de Moçambique), falar da situação que se vive naquela província. Se o fizer, sujeita-se ao risco de perder emprego ou ser transferido para outro local! De acordo com as nossas fontes, a detenção dos jornalistas Amade Abubacar e Germano Adriano está relacionada com esta onda de intimidação a funcionários públicos.
Em Cabo Delgado ninguém desmente que existem dirigentes a quem constantemente são transmitidas ordens para não deixar escapar uma única informação à imprensa, nem “em conversas de bar”! Tentámos entender os motivos dessa atitude, e a resposta foi de que “eles (dirigentes) são orientados a agir assim”. Espantou-nos a alegação que nos foi sussurrada ao ouvido, segundo a qual nos distritos afectados pelos ataques dos insurgentes em Cabo Delgado “um simples soldado raso ou polícia sem qualquer patente tem mais poder que o administrador ou dirigente daquele local, porque pode deter, exigir ou arrancar bens".
Boquiabertos também ficámos quando nos foi revelado que tudo o que entra e sai dos distritos afectados pela insurgência deve ser minuciosamente inspeccionado e, em caso de qualquer suspeita, segue-se um rigoroso interrogatório. Quanto às constantes mexidas de funcionários nos governos distritais, as nossas fontes disseram que elas têm por objectivo assegurar a limitação do papel dos dirigentes que entram. Foi-nos explicado que o assunto de Cabo Delgado, a nível da província não tem sido levado tão a sério como deveria, alegadamente porque muitos dos que integram os grupos de insurgentes são pessoas residentes que conhecem bem a realidade das aldeias e dos seus habitantes. (Omardine Omar)
O jornalista moçambicano Germano Daniel Adriano foi detido em Cabo Delgado, norte de Moçambique, informou ontem a organização de defesa da liberdade de imprensa MISA Moçambique.
De acordo com o comunicado do Misa Moçambique, são desconhecidas as causas e circunstâncias da detenção de Germano Daniel Adriano, que trabalha para a Rádio e Televisão de Macomia, em Cabo Delgado. Germano Daniel Adriano é o segundo jornalista preso este ano em Cabo Delgado, após a detenção de Amade Abubacar a 05 de janeiro na vila de Macomia, no centro de Cabo Delgado, quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de ataques armados.
"O MISA Moçambique reitera a sua profunda preocupação perante esta onda de contínuas detenções arbitrárias contra jornalistas, particularmente o envolvimento de militares nos interrogatórios, na ausência de advogados", refere o comunicado do Misa Moçambique. Em dezembro do ano passado, três jornalistas estrangeiros e um moçambicano foram detidos durante 48 horas pelo exército moçambicano, a caminho do distrito de Palma, na mesma província, apesar de estarem credenciados pelas autoridades para trabalhar na zona.
Distritos recônditos da província de Cabo Delgado, no extremo nordeste do país, a 2.000 quilómetros da capital, têm sido alvo de ataques de grupos desconhecidos desde outubro de 2017. De acordo com números oficiais, pelo menos 140 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança, morreram desde que a onda de violência começou. (Lusa)