Os ataques que, desde 05 de Outubro de 2017, vêm aterrorizando a população dos distritos localizados no norte da província de Cabo Delgado, têm apresentado cenários que revelam um “modus operandi” equivalente aos procedimentos dos tempos em que se aplicava a Lei de Moisés: “dente por dente e olho por olho”.
“Quero vos garantir que saio sem drama e nem trauma”. Com estas palavras, Hermenegildo Gamito anunciou a renúncia ao cargo de Juiz Presidente do Conselho Constitucional (CC). A comunicação foi feita na manhã desta quarta-feira, depois de, ontem (04 de Junho), ele ter apresentado formalmente ao Presidente da República, Filipe Nyusi, o desejo de deixar de conduzir os destinos do órgão que administra a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.
Explicou aos jornalistas que pesaram, para a decisão de deixar o CC, por um lado “questões de foro pessoal”, que não revelou, e, por outro, o facto de a 24 de Setembro próximo completar 75 anos de idade. Ele quer ir à reforma, disse. Hermenegildo Gamito, que chegou ao CC pela mão do ex-presidente Armando Guebuza, contou que a decisão de deixar o CC não é de hoje. Em Fevereiro, ele havia informado o Presidente Filipe Nyusi.
Sua decisão de renunciar à chefia do CC chega dias depois do colectivo de juízes conselheiros do órgão ter declarado a nulidade dos actos inerentes aos empréstimos contraídos pela Ematum, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais. A decisão, entretanto, do agrado da generalidade da opinião pública, configurou uma gravosa exacerbação das competências do CC, ao imiscuir-se no julgamento de matérias da alçada do Tribunal Administrativo.
Hermenegildo Gamito dirigia os destinos do Conselho Constitucional desde 2011, altura em que substituiu, no cargo, o também demissionário Luís Mondlane. Tinha sido reconduzido ao cargo, em Maio de 2016, por Filipe Nyusi.
Sua passagem pelo CC vai ser recordada como tendo marcado o início da falência moral do órgão. Em Outubro passado, sob a batuta de Gamito, usando um tacanho juridiquês e fazendo tábua rasa a questões fulcrais de mérito, o CC afastou a AJUDEM de Samora Machel Júnior da corrida eleitoral na autarquia de Maputo, mostrando uma apetência para seguir a cartilha do regime da Frelimo.
Gamito foi uma escolha pessoal de Armando Guebuza. Formado em Direito em Lisboa, na sua carreira esteve mais ligada à gestão de empresas e à política (como deputado na AR pela Frelimo), com uma curta passagem como juiz-desembargador de 1978 a 1981. Duas das empresas de que foi principal gestor, a Mabor e a Maquinag, abriram falência. O CC não era propriamente uma empresa. Um dos principais “assets” (do CC) era uma reputação conquistada, sob a liderança de Rui Baltazar, por via da qualidade dos seus julgamentos. Com Gamito, esse bem, que não é palpável mas se torna fundamental para que a sociedade confie nas instituições democráticas de Moçambique, foi se esvaindo.
No recente disputadíssimo processo eleitoral, a sociedade esperava uma actuação do CC ao nível do seu estatuto de instituição suprema de defesa da Constituição. Mas o CC mostrou-se, no entanto, na contramão. Ainda em Outubro, quando libertou o acórdão sobre um requerimento da Renamo relacionado à exclusão pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) do Eng. Venâncio Mondlane da corrida eleitoral em Maputo, o CC esforçou-se para não analisar matérias fundamentais importantes sob o ponto de vista jurídico (contencioso eleitoral e direito constitucional) e sob o ponto de vista político (direito de renúncia, cessação de mandato ope legis, ratio legis da renúncia como causa da incapacidade eleitoral passiva/inelegibilidade, etc). Essa omissão era um alerta vermelho.
E quando chumbou o recurso da AJUDEM, o CC voltou a se destacar pela negativa, fazendo tábua rasa das irregularidades e ilegalidades praticadas pela CNE em prejuízo do grupo apoiante de Samora Júnior. O CC ignorou o facto de que as cartas dos “desistentes” da relação nominal da AJUDEM não podiam ser tidas, sob o ponto de vista legal, como “declarações de desistência”. O CC fez vista grossa aos requisitos formais das declarações de desistência.
O CC subscreveu outra irregularidade da CNE, nomeadamente aquela em que o órgão eleitoral concedia um prazo de 10 dias aos alegados “desistentes” da AJUDEM para eles oficializarem essa “desistência”. Essa decisão da CNE não teve qualquer base legal. Ou seja, o CC devia ter considerado a deliberação da CNE como ilegal, mantendo a lista da AJUDEM na corrida eleitoral em Maputo. Ao tomar o caminho que tomou, o CC abriu fendas gigantescas na armadura da sua reputação. E continuou por esse diapasão, dando início ao seu processo de falência moral, passando para si próprio um atestado de incompetência jurídica. E isso tudo com Hermenegildo Gamito à cabeça. Hoje, no dia em que ele renuncia, para alívio das correntes honestas da sociedade, é bom que estas coisas sejam recordadas. E que fique registado. Para a História! Gamito sai sem glória donde nunca deveria ter entrado. (Marcelo Mosse e Ilódio Bata)
As incursões dos insurgentes, que desde Outubro de 2017 têm protagonizado ataques armados, em alguns distritos da zona norte da província de Cabo Delgado, estão cada vez mais intensas. Na última quinta-feira (30 de Maio), por volta das 21 horas, um número desconhecido de malfeitores atacou a aldeia Namuavika, no distrito de Nangade, e, no sábado (01 de Junho), quatro mulheres de idades não especificadas foram raptadas, na aldeia Nagulue, no Posto Administrativo de Mucojo, distrito de Macomia.
Trata-se do segundo ataque, em menos de um mês, a ser protagonizado pelos insurgentes naquele distrito. Segundo fontes residentes na sede distrital de Nangade, o ataque resultou na morte de pelo menos quatro pessoas, para além da perda de diversos bens, devido ao incêndio de muitas residências naquela aldeia. Por sua vez, os raptos aconteceram por volta das 15 horas, quando a população de Nagulue fugia dos atacantes, que entraram naquela aldeia, disparando contra os presentes. Fontes contam que várias palhotas, erguidas após a passagem do ciclone Kenneth, foram incendiadas pelos insurgentes.
Este também não é o primeiro caso de raptos de mulheres que se verifica nos Postos Administrativos de Mucojo e Quiterajo, em Macomia. Os dois Postos Administrativos são vítimas desta situação, desde que eclodiu a situação de insurgência, em Cabo Delgado. Por outro lado, tratou-se também de uma terceira incursão dos atacantes na aldeia Nagulue. Na primeira, queimaram e vandalizaram as barracas, causando também mortos.
Mais tarde, queimaram maior parte das residências da população. Refira-se que, no mesmo dia (01 de Junho), os atacantes entraram, pela segunda vez, na aldeia Nacutuco, muito próxima de Nagulue, ambas pertencentes à localidade Pangane, no Posto Administrativo de Mucojo, onde queimaram duas casas. A acção deu-se por volta das 17 horas, mas a “Carta” foi informada que a mesma não provocou mais vítimas, devido à aparição das Forças de Defesa e Segurança, que conseguiram chegar a tempo de evitar o pior.
Os residentes de Mucojo contam que a situação está cada vez mais ameaçadora, pois, além do medo, nada de actividades pode ser feito, o que acelera os níveis de fome, aumentando, assim, a sua dependência da ajuda humanitária, que também não é suficiente. A situação, que se arrasta desde Outubro de 2017, está a provocar deslocações da população das zonas afectadas para as supostamente seguras. (Carta)
O Tribunal Judicial de Cabo Delgado, em Pemba, condenou ontem 24 de 32 réus acusados de envolvimento no grupo de atacantes a 5 de Outubro de 2017 atacaram a vila de Mocímboa da Praia e mais tarde expandiram as incursões armadas para outros pontos da província. As penas variam de 12 a 16 anos de prisão maior, além de multas judiciais. São cidadãos estrangeiros, na sua maioria tanzanianos, mas há também moçambicanos. Segundo o tribunal, os condenados cometeram crimes contra a segurança do Estado, associação para delinquir, instigação e incitação à desobediência colectiva.
Contudo, diferentemente do primeiro grupo de condenados no passado mês de Abril, contra os 24 condenados ficaram sem efeito as acusações de homicídio qualificado, posse de armas proibidas e fogo posto.
O juiz do caso, Geraldo Patrício, disse aquando da leitura da sentença que os tanzanianos usaram o pretexto de que iam à África do Sul, quando na verdade, pretendiam se juntar aos insurgentes. Cinco réus foram absolvidos por insuficiência de provas. Refira-se que em Abril deste ano, 37 acusados foram condenados por alegado envolvimento em ataques à vila autárquica de Mocímboa da Praia. (Carta)
Onze pessoas morreram e outras 10 contraíram ferimentos entre graves e ligeiros, em resultado do ataque a uma camioneta, ocorrido na tarde da última terça-feira (28), na zona de Zaire, próximo da aldeia Unidade, no Posto Administrativo de Quiterajo, no distrito de Macomia, província de Cabo Delgado.
A Polícia da República de Moçambique (PRM) reforçou a segurança em 137 aldeias de Cabo Delgado para permitir o recenseamento eleitoral, num momento em que vários pontos da província continuam a ser atacados por desconhecidos.
"Criamos todas as condições de segurança para que a população destas aldeias que registam incursões dos atacantes possa recensear-se sem sobressaltos", disse Bernardino Rafael, Comandante-Geral da PRM, citado hoje pelo jornal "Notícias".
Aquele responsável garantiu que as forças policiais moçambicanas estão presentes em todos os postos de recenseamento e nas aldeias, onde têm sido registadas as incursões dos grupos até agora desconhecidos.
Bernardino Rafael apelou ainda que as comunidades devem manter-se vigilantes e colaborar com as forças de defesa e segurança.
Cabo Delgado espera recensear mais de 600 mil eleitores até o dia 31 de maio.
As eleições gerais - legislativas, presidenciais e provinciais - estão marcadas para 15 de outubro.
Os ataques de grupos armados a aldeias e localidades de Cabo Delgado começaram em outubro de 2017, tendo já causado mais de 150 mortes e vários feridos, além de casas destruídas. (Lusa)