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segunda-feira, 29 julho 2019 06:53

Xitique de medicamentos para garantir uso de anti-retrovirais

Um movimento de levantamento e distribuição de anti-retrovirais, denominado “Xitique de medicamento”, inspirado no sistema de poupança financeira (Xitique), adoptado por muitas famílias moçambicanas, sobretudo no sul do país, foi introduzido em todo o país, através dos Grupos de Apoio e Adesão Comunitária (GAAC), com vista a aumentar o número de pessoas com acesso ao Tratamento Anti-retroviral (TARV), assim como reduzir filas nas unidades sanitárias.

 

Criado há mais de 10 anos pela Organização Não-Governamental Médicos Sem Fronteiras, em parceria com o Ministério da Saúde, o movimento consiste em, mensalmente, um membro de cada grupo levantar os medicamentos dos restantes integrantes a nível das unidades sanitárias, num sistema de rotatividade.

 

 

Os grupos, segundo apurámos, são compostos por seis membros, na sua maioria mulheres, com idades que variam entre 25 e 55 anos de idade. A Coordenadora dos grupos na província de Maputo, Rabia Boane, revela a existência de adolescentes e jovens, no distrito de Magude, com idades compreendidas entre 14 e 19 anos de idade, que se juntaram ao movimento. Apesar do Xitique, em todos os grupos, cada membro desloca-se duas vezes por ano à uma unidade sanitária.

 

Segundo Rabia Boane, neste momento, os números de adesão ao movimento são encorajadores e aponta as localidades de Mahubu, Mulotane e da vila-sede do distrito de Boane, como exemplo. A fonte explica que os grupos de “Xitique de Medicamento” têm melhorado a qualidade de vida dos doentes, a comunicação entre o sector da saúde e a comunidade, bem como aumentado o número de beneficiários do TARV.

 

“Os xitiques reduzem bastante a ida dos pacientes às unidades sanitárias. Aqueles pacientes que não têm tempo para ir ao hospital, com frequência, não são impedidos de medicar e isto garante mais tempo para o clínico avaliar os pacientes mais graves”, avançou. Além de apoiar na medicação, os grupos são treinados a identificar outros tipos de patologias em seropositivos, como é o caso de tuberculose e diarreias. Também apoiam os outros membros com géneros alimentícios para quem enfrenta dificuldades financeiras.

 

O testemunho dos “beneficiários”

 

Dados do Conselho Nacional de Combate ao Sida (CNCS) revelam a existência, em todo o país, de 2.222 mil pessoas, vivendo com HIV/SIDA, dos quais perto de um milhão não aderem ao TARV. João Rafael é nome fictício de um dos integrantes dos referidos grupos. Com 37 anos de idade, conta ter descoberto a sua situação serológica há cinco anos, tendo iniciado o tratamento no ano seguinte. Rafael afirma que a sua vida mudou, quando, em conjunto com a esposa e vizinhos, criou um grupo de “Xitique de medicamento”, na localidade de Mulotane, distrito de Boane, província de Maputo. O grupo conta, actualmente, com sete membros.

 

Em conversa com “Carta”, Carlos Cossa (nome fictício), de 41 anos de idade, vizinho de João Rafael, conta: “fico quatro a cinco meses sem ir levantar os medicamentos porque, mensalmente, uma pessoa levanta em meu nome”.

 

Segundo o Director da Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família (AMODEFA), Santos Simone, que tem apoiado alguns grupos, o “Xitique de Medicamento” pode ajudar não só para aumentar o número de pessoas no TARV, como também pode dar apoio social às pessoas seropositivas.

 

A fonte explica, por exemplo, que uma das razões por detrás do abandono do TARV, por parte de alguns adolescentes, deve-se ao facto de algumas progenitoras nunca terem contado a verdade aos filhos sobre a sua situação serológica, limitando-se apenas a obrigá-los a tomarem medicamento, nos casos em que estes foram transmitidos verticalmente.

 

Carla Salvador é outro nome fictício que o jornal encontrou para identificar uma mãe de dois jovens (um de 17 e outro de 19 anos de idade), que nasceram com HIV/SIDA. A fonte conta que, após serem diagnosticados com o vírus, começaram com o tratamento. Porém, nem com o seu crescimento, Carla conseguiu abrir o jogo aos seus filhos.

 

“Só fiquei a saber que era HIV/SIDA positivo, quando resolvi apresentar a minha terceira namorada à minha mãe e nesse dia ela apercebeu-se que eu mantinha relações sexuais sem protecção. Assim, para fechar a minha vergonha de ir ao Hospital levar o medicamento, tive de me meter num grupo de ‘Xitique’, no qual a minha mãe faz parte e agora não preciso deslocar-me, com frequência, ao centro de saúde para buscar medicamento”, contou um dos filhos da Carla, que não aceitou se identificar.

 

Zonas rurais com mais protagonistas

 

Entretanto, segundo Rito Massuanganhe, do CNCS, o chamado “Xitique de medicamento” tem tido maior adesão nas zonas rurais que nas zonas urbanas. O facto, segundo a fonte, deve-se ao estigma e o sentimento de auto-exclusão que caracterizam os cidadãos residentes nas zonas urbanas que rurais, onde as pessoas encaram o processo com normalidade.

 

Massuanganhe acrescenta ainda que, para além dos grupos de apoio, o Governo tem ajudado os seropositivos com as chamadas dispensas trimestrais ou semestrais, em que pacientes com carga viral estável podem deslocar-se à unidade sanitária a cada três ou seis meses, dependendo do estado de saúde. Refira-se que, para além de Moçambique, os grupos “Xitique de medicamento” estão a ser implementados nos países vizinhos, com destaque para África do Sul e Zâmbia e com sucesso.

 

De acordo com o CNCS, a prevalência nacional do HIV/SIDA situa-se em 11.5 por cento na população dos 15 aos 49 anos, afectando, desproporcionalmente, mulheres (13.1 por cento) e homens (9.2 por cento). Acrescenta que a maior vulnerabilidade à infecção recai sobre raparigas e mulheres jovens dos 15 aos 24 anos, que chegam a ter uma prevalência de HIV/SIDA três vezes maior que a dos seus pares do sexo masculino.

 

O CNCS revela, ainda, que a taxa de prevalência é maior na zona sul, em particular nas províncias de Gaza (25.1 por cento), Maputo (19.8 por cento) e Maputo Cidade (16.8 por cento). Por sua vez, a província de Inhambane, com a prevalência de 8.6 por cento, é a menos afectada do país.

 

Por seu turno, a zona norte apresenta taxas mais baixas de prevalência de HIV/SIDA, com Cabo Delgado a ter 9.4 por cento, Nampula 4.6 por cento e Niassa 3.7 por cento. Enquanto isso, as províncias de Sofala, Manica, Zambézia e Tete apresentam, respectivamente, 15.5 por cento, 15.3 por cento, 12.6 por cento e 7 por cento de prevalência nesta pandemia.

 

Entretanto, de acordo com as projecções do CNCS, caso não haja mudança nas actividades de prevenção, em 2020, a zona norte poderá contribuir com maior número de novos casos no país. (Marta Afonso)

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