Académicos ouvidos pela “Carta de Moçambique”, à margem da cerimónia de investidura do Presidente da República, defendem que o principal desafio de Daniel Francisco Chapo, novo Chefe de Estado moçambicano, é resolver a crise pós-eleitoral e unificar o país. A tese é defendida pelos professores universitários Eduardo Chiziane e Jamisse Taimo.
Para o Professor de Direito Eduardo Chiziane, o próximo ciclo de governação “será muito difícil” e “com muitos desafios” para o novo inquilino da Ponta Vermelha, porém, entende que a prioridade, neste momento, é resolver o problema da crise pós-eleitoral.
“Não há dúvidas de que o próximo ciclo de governação [2025-2030] será muito difícil e com muitos desafios para o novo Presidente. Terá de fazer prova de uma grande sensibilidade em relação aos problemas que a população enfrenta e também sarrar as feridas (…) e encontrar as melhores vias de promover a inclusão política”, defende o académico.
“Mas o mais urgente, neste momento, é resolver o problema da crise pós-eleitoral, através do diálogo político e rapidamente comunicar-se à população quais as soluções que estão a ser traçadas de forma a devolver a confiança à economia, aos cidadãos e melhorar um pouco este clima em que nos encontramos, de muita tensão e alguma incerteza”, sublinha.
Chiziane, que é Director da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), acredita que o diálogo político em curso no país vai também incluir o candidato presidencial Venâncio Mondlane, o rosto das manifestações populares que se arrastam há quase três meses e que já causaram a morte de pelo menos 300 pessoas e a destruição de centenas de infra-estruturas públicas e privadas.
É que, até ao momento, a denominada plataforma interpartidária inclui apenas os líderes dos partidos com assento parlamentar (Frelimo, Renamo, MDM e PODEMOS) e um partido extra-parlamentar (Nova Democracia), mas com assento na Assembleia Municipal de Gurué, na província da Zambézia.
“Penso que vai incluir Venâncio Mondlane. É preciso saber que ele esteve fora, regressou e já manifestou disponibilidade em colaborar. É preciso ver também as pré-condições por ele colocadas, se serão aceites pelo novo Chefe de Estado ou serão reformuladas”, explica a fonte.
Para além de resolver a tensão pós-eleitoral, Eduardo Chiziane defende ainda a revisão do Pacote Eleitoral. “Muitas coisas devem mudar no nosso sistema eleitoral e temos bastante tempo para isso. Temos de evitar o que tem acontecido ao longo da nossa história, que é a revisão da legislação em pleno período eleitoral. Temos um bom tempo para reflectirmos em todos os domínios, desde o recenseamento, a campanha eleitoral, o apuramento (que é muito lento) e a forma de votação”, afirma.
Unificar Moçambique
Quem também entende que o país está dividido é o antigo Reitor da Universidade Joaquim Chissano (ex-Instituto Superior de Relações Internacionais), Jamisse Taimo. “A prioridade tem de ser a unificação do país, que passa forçosamente pelo diálogo”, defende o professor universitário.
Porém, na sua opinião, Daniel Chapo “não pode dialogar sozinho”, pelo que “deve haver abertura” por parte das pessoas que estão convidadas para a conversa; para que as pessoas possam dar a sua opinião; e para que as pessoas se encontrem e falem sobre os problemas do país.
“Temos a certeza de que se houver abertura para cada cidadão de boa vontade, sem dúvida nenhuma, ele vai poder realizar os objectivos que são de todos, que é ver um Moçambique próspero”, defende.
Entretanto, Taimo afirma que o sucesso dessa empreitada depende da saúde financeira do Estado moçambicano. “É preciso saber em que medida ele encontra o país do ponto de vista de saúde financeira, porque isto tudo é o que vai ditar. Podemos falar, mas se a saúde financeira do país não está boa, ele não poderá fazer nada”, alerta o teólogo.
Quanto à plataforma de diálogo criada pelo Chefe de Estado cessante, que exclui o segundo candidato presidencial mais votado, Jamisse Taimo assume não conhecer o melhor modelo de diálogo, porém, afirma que não “adianta ir à imprensa falar que está aqui”, é necessário que Venâncio Mondlane dê sinais concretos de abertura para o diálogo.
Refira-se que, no seu discurso inaugural como Presidente da República, Daniel Chapo disse que a harmonia social “não pode esperar”, muito menos “a construção de consensos sobre os aspectos que preocupam o povo moçambicano”, pelo que, “o diálogo já começou” e não descansará enquanto “não tivermos um país unido e coeso”. “O nosso diálogo com as forças políticas será sempre franco, honesto e sincero. A estabilidade social e política é a nossa prioridade das prioridades”, defendeu.
Reconhecer os desafios e reformar a administração pública
Já o economista Egas Daniel afirma que o Presidente da República deve, em primeiro lugar, “reconhecer os desafios que o país tem”, alguns dos quais “foram se acumulando ao longo dos anos”.
“A partir daí, precisamos de lançar sinais para que a economia mostre que estamos a iniciar uma trajectória de ascensão diferente dos outros períodos. É preciso fazer a reforma da administração pública, de modo a aumentar a sua eficiência e maximizar os resultados; minimizar o desperdício; melhorar-se o nível de arrecadação de receitas; e garantir que o que vai para o cofre do Estado seja bem gasto”, defendeu.
Para o analista, a digitalização do Estado é um dos caminhos preponderantes porque, por um lado, vai lidar com a corrupção e, por outro, flexibilizar a tramitação dos processos, “o que vai melhorar o ambiente de negócios”.
A sua segunda expectativa está relacionada com o mercado de trabalho e de emprego. Espera que o novo Chefe de Estado preste mais apoio às empresas, melhorando a facilidade destas operarem, de modo a atrair mais investimentos, “que são esses que vão dar emprego aos jovens”.
Lembre-se que Daniel Francisco Chapo, de 48 anos de idade, tomou posse ontem como o quinto Presidente da República de Moçambique, em substituição de Filipe Jacinto Nyusi, de 66 anos de idade, que vinha governando o país desde 2015. (A. Maolela)