Mais de doze mil moçambicanos refugiados no distrito de Nsanje, devido à instabilidade pós-eleitoral em Moçambique, queixam-se de fome, não obstante a assistência prestada pelo governo malawiano e por algumas organizações humanitárias. Em exclusivo à “Carta”, o Alto-Comissário de
Moçambique em Lilongwe, Alexandre Manjate, confirmou a presença de refugiados moçambicanos em Nsanje, numa altura em que a crise pós-eleitoral em Moçambique tende a agravar-se com a tomada de posse hoje dos deputados eleitos e da investidura do presidente-eleito Daniel Chapo.
No total, cruzaram a fronteira para o distrito de Nsanje, no Malawi, 12.778 moçambicanos maioritariamente do distrito de Morrumbala, na província da Zambézia. Deste número, a maior parte são mulheres, seguido de crianças e finalmente de homens.
Manjate disse que a missão diplomática está a monitorar a situação dos moçambicanos em Nsanje, em coordenação com o Conselho distrital e com os líderes das comunidades moçambicanas, ajudando no acesso de tendas, colchões, cobertores e produtos alimentares. Apesar de todos os esforços, os moçambicanos clamam por ajuda urgente em alimentos.
“A assistência prestada pode não ser suficiente, mas há toda uma abertura governamental em particular do distrito de Nsanje em trabalharmos no sentido de apoiarmos esse grupo. Nesse trabalho de assistência aos refugiados estão envolvidas as organizações não-governamentais locais, assim como o Programa Mundial da Alimentação (PMA) na prestação da assistência alimentar. Portanto, temos de agradecer as autoridades malawianas pela sua prontidão em apoiar os refugiados moçambicanos em Nsanje”, apontou o diplomata, sem avançar a data sobre um possível regresso dos moçambicanos ao país.
De forma recorrente, Malawi tem sido abrigo seguro de moçambicanos em caso de crises políticas ou de calamidades naturais em Moçambique.
INGD ainda não está no terreno
Por enquanto, o apoio aos refugiados moçambicanos no Malawi é prestado pelo governo malawiano e por algumas organizações humanitárias locais e internacionais, tendo em conta que qualquer intervenção do Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD) no exterior depende do aval do Conselho de Ministros.
Uma fonte do INGD explicou que o mandato da instituição cobre apenas o território nacional e qualquer apoio fora do país está dependente do governo. Por outro lado, a assistência humanitária a estes moçambicanos também se torna difícil pelo facto de os mesmos não preencherem os requisitos previstos na Convenção de Genebra de 1951 sobre Estatuto de Refugiado, podendo ser apenas chamados de migrantes ou de deslocados.
De acordo com o Estatuto, eles deviam ter abandonado o país por um receio fundado de estarem a ser perseguidos em razão da sua raça, religião, nacionalidade ou de conflitos.
No entanto, o Estado moçambicano não pode abandonar estes cidadãos acomodados em Nsanje que clamam por apoio.
Fluxo de moçambicanos ao Malawi pode ameaçar segurança nacional
A Comissão de Defesa e Segurança do Parlamento do Malawi apelou ao governo para acelerar o registo de moçambicanos que cruzam a fronteira para aquele país devido à crescente tensão pós-eleitoral em Moçambique.
Falando em entrevista, o presidente da Comissão, Salim Bagus, destacou os potenciais riscos de segurança impostos pelo fluxo de moçambicanos, sugerindo que alguns dos indivíduos que entram no Malawi podem ser soldados armados.
Bagus enfatizou a necessidade de vigilância e documentação adequada daqueles que cruzam a fronteira. "Como país, precisamos de estar em alerta porque alguns deles podem ser portadores de armas perigosas.
Embora sejam nossos irmãos e irmãs, precisamos de manter um registo dos estrangeiros que entram. Em breve, entraremos em contacto com o Ministério da Segurança Interna para garantir que o processo de registo seja acelerado", disse Bagus.
Por outro lado, o especialista em segurança, Sherif Kayisi, alertou sobre potenciais implicações de longo prazo, recordando eventos semelhantes nas décadas de 1980 e 1990, quando um fluxo de refugiados moçambicanos coincidiu com um aumento de crimes violentos no Malawi.
"Naqueles anos, houve muitos relatos de assaltos à mão armada envolvendo armas suspeitas de terem sido trazidas por refugiados. É crucial que o governo leve essas preocupações a sério para fortalecer a segurança e mobilizar recursos de forma eficaz", aconselhou Kayisi.
À medida que a situação se deteriora em Moçambique, Malawi enfrenta o duplo desafio de fornecer refúgio aos moçambicanos que fogem da crise pós-eleitoral e, ao mesmo tempo, de salvaguardar a sua própria segurança. (Carta)