Os especialistas em Comunicação apontam que a falta de fundos por parte dos partidos políticos e a mudança de estratégia são alguns dos factores que estão por detrás da escassez do material de propaganda política no espaço público, desde o início da campanha eleitoral em 24 de Agosto.
A campanha eleitoral para as eleições gerais de 9 de Outubro em Moçambique arrancou há cerca de duas semanas em todo o país, com quatro candidatos à Presidência da República e 37 forças políticas concorrentes às legislativas e às provinciais. Entretanto, 24 horas após o início da campanha, “Carta” foi às ruas da cidade e província de Maputo para avaliar o nível de presença dos partidos políticos, através da distribuição de material de propaganda política.
Numa ronda feita em vários bairros da Matola e Maputo, foi possível constatar que havia escassez de panfletos e material de propaganda, à excepção do partido Frelimo, que conseguiu cobrir um pouco por todos os bairros, embora em pequenas quantidades, em certos casos.
Na perspectiva do especialista em Comunicação Ernesto Nhanala, a digitalização está a mudar muito a presença da imagem dos partidos políticos. Para Nhanala, agora é possível ver o que os partidos estão a propor através dos smartphones e redes sociais, o que também tem o seu impacto.
“Esta estratégia de uso das plataformas digitais está a facilitar muito o marketing político e também a reduzir os custos com impressões. Se olharmos para as grandes cidades, há uma percepção de que todos nas cidades usam telefone e isso tem algum impacto. Mas, se analisarmos bem, as plataformas de marketing e publicidade impressa melhoraram muito na estrutura urbana. Se formos ver, há muita infra-estrutura montada do ponto de vista de outdoors, mini-outdoors e mídia, que está a ser uma grande aposta do partido Frelimo, o que vai reduzir muito o investimento em panfletos”, explicou.
Nhanala acredita que, para o partido Frelimo, não se trata de falta de dinheiro para a produção de panfletos, mas pode ser uma estratégia de redireccionar o seu esforço para certas plataformas. “Então, há que analisar também o tipo de plataformas que eles estão a usar. Temos notado também que, este ano, se apostou muito em campanhas de publicidade intensiva nas televisões privadas. Isto era feito antes, mas desta vez mostra-se que houve muito investimento em publicidade, principalmente pelo partido Frelimo. Então, pode ser que eles tenham reduzido estrategicamente o investimento em panfletos”.
Entretanto, os outros partidos acabam saindo em desvantagem porque dependem muito dos fundos disponibilizados tardiamente pela Comissão Nacional de Eleições para a logística da sua campanha.
Para o especialista Lázaro Mabunda, a escassez de cartazes nas ruas não está a acontecer apenas em Maputo, mas em todo o país. Porém, a fonte sugere que a escassez de panfletos se prende com o atraso na entrada dos fundos da campanha eleitoral, porque o único partido em todo o país que está a fazer campanha a todo o gás é a Frelimo.
“Vejamos: o partido Frelimo controla o Estado, controla os recursos do Estado e grande parte dos empresários, a estas alturas, está ao serviço do partido Frelimo e alocam valores para este partido. Em troca, quando este partido ganhar as eleições, esses mesmos empresários vão ganhar concursos públicos como forma de serem reembolsados dos valores que investiram na campanha deste partido e a oposição não tem isso”, frisou.
Mabunda alerta ainda que a oposição não controla o Estado, não tem um empresariado forte para apoiar financeiramente; então, eles vivem só dos fundos que são atribuídos pelo Estado. Neste caso, estes fundos não são suficientes para os partidos produzirem materiais de campanha eleitoral para todo o país.
Ele avança que a escassez de material de propaganda política pode estar relacionada à insuficiência dos fundos disponibilizados pelo Estado aos partidos políticos. “Por exemplo, vamos imaginar um partido que tem uma representação nacional e tem que estar em todos os distritos e postos administrativos. Isso é impossível se este apenas receber por aí 10 milhões. Só para a produção do material de campanha como cartazes, bandeiras, capulanas, camisetas, bonés; este valor não é suficiente. Com este valor, não há como os partidos políticos estarem representados em todo o país”. Por outro lado, Mabunda explica que pode ser que os partidos estejam neste momento a produzir os cartazes e que nos próximos dias possam colocá-los nas ruas.
Já o especialista Mangue Kwezi afirmou que, com ou sem muitos panfletos nas ruas, a escolha do candidato, ou seja, a intenção do voto não tem uma correlação directa com isso. “A escolha do candidato é tradicional. Por exemplo, as decisões relacionadas com a aposentação compulsória de funcionários (como a que ocorreu no Ministério das Finanças) estão a determinar muito mais a escolha do candidato do que as plataformas digitais e os panfletos. O que está a acontecer é que, mesmo aqueles que não estão directamente expostos às redes sociais ou vêem panfletos nas ruas, estão a escolher um candidato, e aqueles que as usam diariamente estão a escolher o mesmo candidato”, explicou.
Mangue sublinhou que isso significa que não há uma correlação directa entre o uso de panfletos, plataformas digitais e a escolha do candidato. “Logo, se não há uma relação directa, o que está a determinar são as decisões do governo e não a avalanche de panfletos nas ruas”.
Neste sentido, para este especialista em Comunicação, mais panfletos ou menos nas ruas não muda nada. “Não está a haver migração de votos. Isto significa que são os aspectos tradicionais que ditam o voto e não os panfletos ou outro material de campanha”.
Na sua análise, Mangue é da opinião de que, por exemplo, a escassez de panfletos da Frelimo pode estar relacionada também com a escolha tardia do candidato, o que condicionou o nível de preparação.
“Por exemplo, nos outros anos, a partir do mês de Janeiro, o material já está produzido, mas para este ano, quando se anunciou o candidato em Maio já era muito tarde para qualquer processo de campanha. Provavelmente, mesmo o que existe pode ter sido impresso faltando umas duas semanas para o arranque da campanha”, disse.
“Então, o voto tradicional é um factor determinante neste processo. Por mais que você faça 100 vídeos e espalhe vários panfletos, as posições estão lá e não há migração do voto”. (M. Afonso)