O adido de defesa da Embaixada de Moçambique em Pretória afirmou-se conformado por a Justiça sul-africana remeter para o Governo a decisão sobre a extradição do ex-ministro Manuel Chang, detido na África do Sul por alegado envolvimento nas dívidas ocultas. "O que temos de fazer agora é aguardar até que o ministro [sul-africano] decida. Só a partir daí é que podemos reagir, mas até aqui é o conformismo", disse Abel Nuro, adido de defesa da Embaixada de Moçambique em Pretória.
Questionado se o Governo moçambicano pretende agora abordar diretamente o ministro da Justiça sul-africano, Michael Masutha, nomeado para o cargo em 2013 pelo ex-Presidente Jacob Zuma, o conselheiro da embaixada de Moçambique em Pretória declarou: "Não podemos antecipar os acontecimentos". O juiz William Schutte decidiu ontem no tribunal de Kempton Park, na África do Sul, que o ex-ministro moçambicano Manuel Chang tem condições para ser extraditado para os Estados Unidos da América e também para Moçambique, remetendo agora a decisão para o Governo sul-africano. O magistrado referiu que o pedido de extradição das autoridades moçambicanas "confirma que o arguido Manuel Chang assinou as garantias que facilitaram os empréstimos para as chamadas empresas criadas para o efeito [da dívida oculta]".
O juiz acrescentou que "o documento confirma que a República de Moçambique sofreu uma perda financeira na ordem de 2,7 mil milhões de dólares" e que "as provas confirmam que o arguido [Manuel Chang] aparentemente recebeu ostensivamente na ordem de 17 milhões de dólares alegadamente de receitas do crime". "O pedido [de extradição de Moçambique] tem por base a prática de sete crimes e o arguido não se opõe à sua extradição para Moçambique", declarou o juiz. (Lusa)
O advogado de defesa do antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang declarou à Lusa "não ter palavras" para a decisão de ontem do tribunal sul-africano, sobre a sua extradição para os Estados Unidos. "Sinceramente não tenho palavras, nem consigo pensar sequer sobre uma reação", disse o advogado Rudi Krause.
"O Estado requerente [EUA] tem provas suficientes contra o acusado que lhe garante processá-lo judicialmente por conspiração para fraude, conspiração para fraude com valores imobiliários, e conspiração para lavagem de dinheiro", considerou o juiz William Schutte, do tribunal de Kempton Park, arredores de Joanesburgo. O ministro da Justiça terá de decidir agora se Manuel Chang será ou não enviado para os EUA, afirmou Schutte.
"Ainda não decidimos se vamos recorrer da decisão, temos que analisar adequadamente estas duas decisões para ver o que vamos fazer, obviamente que não vamos recorrer da decisão sobre a extradição para Moçambique porque aceitámos o pedido", adiantou Rudi Krause.
Questionado sobre a extradição para os Estados Unidos, Rudi Krause referiu que irá "certamente" aconselhar Manuel Chang a "apelar" da decisão: "Mas resta ver se terá algum impacto prático, portanto iremos lidar com essa questão na altura apropriada", disse. O advogado sul-africano do antigo governante moçambicano, detido na África do Sul desde 29 de dezembro de 2018, acrescentou que tem a intenção de fazer em breve uma exposição ao ministro da Justiça, enquanto autoridade executiva, para que "haja uma decisão final".
A Justiça dos Estados Unidos acusa Manuel Chang pela prática de três crimes passíveis de penas de prisão no total de 45 anos à luz da legislação norte-americana, nomeadamente conspiração para fraude eletrónica (20 anos), conspiração para fraude com valores mobiliários (5 anos) e lavagem de dinheiro (20 anos). (Lusa)
Se a justiça sul-africana decidir, hoje, em não extraditar Manuel Chang para os Estados Unidos da América, a justiça americana não vai baixar os braços; se Chang for extraditado para Moçambique, a justiça americana vai usar os mecanismos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) para que ele seja julgado, em Moçambique, pelos crimes de que é acusado nos EUA. Eis como o americano Rick Messick, um antigo especialista anti-corrupção do Banco Mundial e que já foi também advogado no Senado para assuntos de extradição e branqueamento de capitais, perspectiva o futuro imediato do deputado da Frelimo.
Manuel Chang, detido na África do Sul desde o passado dia 28 de Dezembro, vai conhecer hoje a decisão do Tribunal de Kempton Park sobre a sua extradição para os EUA. Se a resposta for negativa ao pedido americano, o Departamento de Justiça vai fazer uso de todos os mecanismos para assegurar que Chang seja responsabilizado pelos crimes de que é acusado nos EUA. Não vai desistir nunca. Mesmo que Chang seja extraditado para Moçambique. Rick Messick esteve, em Maputo, muito recentemente e deu uma entrevista à “Carta”. Basicamente, ele disse que, se Chang não for extraditado para os EUA, o Departamento do Estado americano vai usar os mecanismos de cooperação judiciária da UNCAC, de modo a que Chang seja julgado em Moçambique pelos crimes constante na acusação americana.
Messick disse que a extradição de Chang para os EUA seria uma grande vantagem para Moçambique, sobretudo, por causa do confisco dos bens eventualmente comprados a partir dos subornos pagos pela Privinvest, num calote que defraudou investidores americanos em cerca 200 milhões de USD. O receio das autoridades moçambicanas (que esteve na base do pedido de extradição para Moçambique), segundo os quais a justiça americana, que exige na acusação um confisco alargado de bens, possa vir a apropriar-se de tudo, não faz sentido. “A UNCAC tem mecanismos que protegem o principal prejudicado. Se foi o Estado moçambicano, e não os investidores americanos, então Moçambique vai receber tudo a que tem direito. Basta manifestar essa vontade dentro do processo nos EUA”, disse Messick.
Ele acrescentou que Moçambique só sai a ganhar com um julgamento de Chang nos EUA, pois, as possibilidades de recuperação do património gerado pela corrupção no estrangeiro são maiores. Como? “O FBI tem a capacidade de ir a todo o lado e solicitar informação sobre património e contas bancárias de Manuel Chang e seus familiares chegados, domiciliadas em qualquer parte do mundo. Se não se verificar a origem legal desses fundos, então eles podem ser confiscados e devolvidos a Moçambique”.
Sobre a acusação americana onde, para além de Manuel Chang, constam os nomes de António Carlos Rosário e Teófilo Nhangumele (como acusados) e mais três co-conspiradores, cujos nomes não foram revelados, Messick disse que é falsa a percepção muito espalhada, em Moçambique, segundo a qual esses “co-conspiradores” foram delatores que colaboraram com a justiça americana e, por isso, estão isentos de qualquer responsabilização.
De acordo com acusação americana, o co-conspirador moçambicano número 1 é um indivíduo cuja identidade é conhecida pelo Grande Júri e esteve envolvido na obtenção da aprovação do projecto Proindicus pelo Governo moçambicano; o co-conspirador moçambicano número 2 é um indivíduo, cuja identidade é conhecida pelo Grande Júri, parente de um funcionário sénior do Governo de Moçambique e o co-conspirador moçambicano número 3 era um funcionário de alto escalão no Ministério das Finanças de Moçambique e director da EMATUM.
“Os co-conspiradores também contribuíram no esquema fraudulento e só não estão acusados porque eventualmente estão a ser coligidas mais provas. Eles podem ser acusados a qualquer momento”, garantiu Messick. (Marcelo Mosse)
O laudo pericial da autópsia ao corpo do ex-Procurador Adjunto da República, Januário dos Santos Necas, que atribui a sua morte a causas naturais, ainda não pode ser conclusivo, disse à “Carta” um dos especialistas mais cotados em Medicina Legal em Moçambique, o Dr. Eugénio Zacarias.
Numa breve conversa com o nosso jornal, ele fez questão de estranhar o facto de a revelação dos resultados, apontando para morte natural, ter sido feita sem a presença de dois exames cruciais, nomeadamente o exame toxicológico, que serviria para descartar a hipótese de envenenamento, como foi levantada por causa da presença de espuma na boca e o exame histológico, que serviria para descartar outras doenças, como por exemplo no coração, pulmões e vasos sanguíneos.
“Sem estes exames, o relatório ainda é inconclusivo”, disse Zacarias. “Dizer que morreu de infarto do miocárdio não basta. Se morreu de infarto é preciso que se diga claramente quais foram os sinais disso”. Zacarias diz esperar que as autoridades investiguem até ao fundo e evitem tirar conclusões sem se esgotar as formas profissionais de averiguar as causas da morte de Januário Necas. Aliás, dado a sua posição como procurador, disse ele, o Ministério Público deveria trazer informação assertiva sobre o assunto, rematou. (M.M.)
Samora Machel Júnior apresentou, recentemente, sua defesa detalhada no quadro da instrução de um processo disciplinar aberto pela Comissão Política da Frelimo, na sequência da sua intenção de disputar a edilidade de Maputo como cabeça de lista da AJUDEM (uma organização cívica), nas eleições autárquicas de Outubro passado. Uma fonte do secretariado da Frelimo disse que Samito submeteu por escrito, no passado dia 26 de Março, sua defesa.
A fonte escusou-se a revelar os argumentos da defesa do filho de Samora Machel, informando apenas que a papelada já está a ser analisada pelos dois elementos da comissão instrutória, designadamente, os juristas Filipe Sitóe e Francisco Cabo. Esta comissão tem a incumbência de analisar os fundamentos da defesa e depois submeter o seu relatório. Não está ainda claro se o seu relatório vai ser remetido à Comissão Política ou se seguirá o caminho para o Comité de Verificação, órgão que tem a competência, entre outras, de averiguar o cumprimento escrupuloso dos estatutos por parte dos seus órgãos.
Também não fica claro se, com o adiamento da reunião do Comité Central para 3 a 5 de Maio, o “dossier” Samito Machel vai ser recuperado. Facto é que se o Comité Central tivesse acontecido entre 22 e 24 de Março, como estava aprazado, o assunto não teria sido debatido. A sessão foi adiada para Maio por causa da conjuntura de emergência que se abateu sobre o país. (M.M.)
A juíza Evandra Gonçalo Uamusse, afecta à sexta secção criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, foi a sorteada para julgar o Processo Querela n° 18/2019-C relativo às “dívidas ocultas”, no qual são acusados 20 arguidos. Membro da magistratura judicial desde 9 de Outubro de 2009, Evandra Uamusse, solteira e com menos de 40 anos, é uma Juíza de Direito de categoria B, o terceiro escalão na escala de progressão na carreira de magistrado judicial (que é também a última categoria para juízes de tribunal de província). Até 2015, Uamusse era uma Juíza de Direito C, de acordo com uma Relação dos Magistrados Judiciais por categoria, publicada pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial. Nesse ano, ela estava afecta à província da Zambézia, de onde saiu para o Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumo, na capital do país.
São escassas as informações sobre o seu percurso académico, assim como profissional, porém, conhece-se alguns casos por si julgados. Entre eles está o julgamento, ano passado, do director-geral da Agência Nacional de Energia Atómica (ANEA), Alexandre Mapossa, que era acusado de três crimes, nomeadamente, imposição arbitrária de contribuições, abuso do cargo ou função e pagamento de remunerações indevidas.
Em sede de julgamento, no Tribunal Judicial de KaMpfumo, Uamusse absolveu Mapossa com o argumento de que os actos praticados pelo réu foram em defesa pública, uma vez que, devido à natureza radioactiva dos materiais com que a ANEA trabalha, não podia esperar por formalidades que viriam à posterior. Nesse caso, o Ministério Público acusava o réu de cobranças ilícitas a algumas empresas visando cobrir despesas com deslocações, acomodação e alimentação de técnicos da ANEA em missões de fiscalização das próprias entidades patrocinadoras.
O outro caso mediático que teve a intervenção da juíza é o de Josina Machel. Uamusse foi a responsável, em Julho de 2017, pela emissão do mandado de prisão contra Rufino Licuco, ex-namorado da filha do primeiro Presidente da República, condenado, pelo Tribunal Judicial de KaMpfumo, ao pagamento de uma multa de seis meses à taxa diária de 157 Mts e a uma indemnização, por danos não patrimoniais à vítima, no valor de 200 milhões de Mts e um outro montante de 579 mil Mts por danos patrimoniais. Licuco seria restituído a liberdade, após intervenção do Tribunal Supremo. Nas contas da “Carta”, Uamusse tem, até finais de Junho, de proferir o Despacho de Pronúncia dos caso das “dívidas ocultas” e marcar o respectivo julgamento que será, com certeza, o mais mediático de sempre. (A.M.)