O juiz Efigénio Baptista, que preside ao julgamento do caso das chamadas dívidas ocultas no tribunal de Maputo, recusou acesso aos documentos oficiais às partes envolvidas no processo do mesmo caso no Reino Unido, foi ontem revelado no Tribunal Comercial de Londres.
O juiz moçambicano respondeu que "seria uma violação da Constituição permitir que documentos obtidos para o processo criminal fossem utilizados para efeitos colaterais”, revelou o advogado que representa a República de Moçambique nos procedimentos em Londres, Jonathan Adkin.
O magistrado moçambicano invocou a Constituição moçambicana para argumentar que os arguidos têm direito à "integridade moral sobre o bom nome, reputação, direitos defensivos de imagem pública, vida privada e a inviolabilidade da correspondência", alegando que constam no processo documentos como correios eletrónicos e extratos bancários com informação pessoal.
Segundo Adkin, a resposta só foi conhecida na sexta-feira passada, apesar de ter sido tomada no final de dezembro.
O procurador-geral adjunto de Moçambique, Ângelo Matusse, tinha feito um requerimento ao juiz Efigénio Baptista em agosto de 2021 para “consultar, copiar e divulgar” o “processo oficial" a pedido dos advogados dos bancos Credit Suisse, VTB e do grupo naval Privinvest.
O chamado "processo oficial" está sob custódia do juiz Efigénio Baptista, enquanto o Ministério Público possui uma cópia do processo criminal tal como foi entregue ao Tribunal de Maputo em março 2019.
É prática normal serem acrescentados documentos ao processo criminal após a submissão ao tribunal, e, disse Adkin, o procurador confirmou que a acusação não possui uma cópia completa do processo.
Credit Suisse, VTB e Privinvest defendem que o acesso aos documentos em curso em Moçambique é importante para construírem os seus argumentos, descrevendo o “processo oficial" como um “tesouro” de informação.
O juiz Robin Knowles, que presidiu à audiência de hoje, reservou para mais tarde uma decisão, por escrito, sobre se iria ou não pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR) que entregue à justiça britânica os documentos que tem na sua posse.
O julgamento no Tribunal Comercial, parte do Tribunal Superior de Londres ('High Court'), está previsto começar em outubro de 2023 e durar pelo menos três meses, mas as diferentes partes vão até lá discutir questões processuais.
Iniciado pela PGR em nome da República de Moçambique em 2019, o processo pretende tentar anular a dívida de 622 milhões de dólares (cerca de 550 milhões de euros) da empresa estatal ProIndicus ao banco Credit Suisse e obter uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo das dívidas ocultas.
Em causa estão as dívidas ocultas do Estado moçambicano de cerca de dois mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
O financiamento destinava-se à aquisição de barcos de pesca do atum e para equipamento e serviços de segurança marítima fornecidos pelas empresas da Privinvest.
O julgamento do caso no Tribunal de Maputo está previsto terminar em fevereiro, adiantou Jonathan Adkin.(Carta)