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quarta-feira, 15 setembro 2021 03:59

A atitude de reserva dos EUA e a problemática das eleições em Angola, escreve José Gama*

O novo Presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, vai ser recebido na Casa Branca, pelo Presidente Joe Biden, no próximo dia 23 de Setembro. Até lá, terá completado um mês desde que tomou posse como novo Chefe de Estado do seu país. O segredo para estas recepções é fazer-se eleger em eleições transparentes, e ter aptidões democráticas. Os EUA recusam-se a receber líderes africanos eleitos em eleições problemáticas, porque entendem que, ao recebê-los, estariam a legitimá-los.

 

Há 17 anos que um Presidente de Angola não é recebido na Casa Branca. A vitória eleitoral de José Eduardo dos Santos, nas eleições de 2012, não foi saudada por Barack Obama, que, paralelamente, aprovou uma directiva para África, com menção específica para Angola, dando prioridade aos programas de promoção da democracia e boa governação.

 

Em Maio de 2013, o então Presidente Obama não convidou o seu homólogo angolano para uma cimeira em que esteve presente o antigo Primeiro-Ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, e outros três chefes de Estado de então da Serra Leoa, Ernst Bai Korom; do Malawi, Joyce Banda; e o actual do Senegal, Macky Sall.

 

Em 2014, ano em que a OUA (agora UA) completava 50 anos de existência, o Presidente Obama endereçou convites a 47 países africanos para uma cimeira “EUA/África", que teve lugar em Agosto deste mesmo ano em Washington. O antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos condicionou a sua presença a um encontro em separado com Barack Obama, antes ou depois da iniciativa. A exigência de JES não foi atendida pelas autoridades americanas e, por conseguinte, despachou o seu Vice-Presidente, Manuel Domingos Vicente.

 

No primeiro semestre de 2016, o regime angolano “chantageou” os EUA, pondo em causa a Constituição dos acordos para uma prometida parceria estratégica entre os dois países, que vinha sendo discutida e reforçada desde Agosto de 2009, quando a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, visitou Angola. Luanda condicionou a assinatura dos acordos, alegando que só aceitariam caso o Presidente José Eduardo dos Santos (JES) fosse recebido pelo seu homólogo Barack Obama.

 

Washington evitava que Barack Obama se encontrasse oficialmente com líderes da linha de José Eduardo dos Santos (JES) e do falecido Robert Mugabe, que, na altura, eram tidos como maus exemplos para democracia e direitos humanos no mundo. Quanto a JES, teriam surgido observações atribuindo as autoridades americanas receios de que o regime de Luanda fizesse aproveitamento político para a sua legitimação, caso Obama recebesse o antigo Chefe de Estado angolano.

 

JES saiu do poder e foram em vão os esforços do seu governo de persuadir as autoridades americanas para que fosse recebido pelo inquilino da Casa Branca.

 

João Lourenço assumiu a Presidência de Angola em 2017, encontrando Donald Trump como sucessor de Barack Obama. Apesar de Trump ter sido um presidente distanciado dos assuntos de África, Angola foi citada em Julho de 2019 como tendo firmado um contrato de US $4 milhões de dólares com a lobista americana “Squire Patton” para ajudar a reformar o sector bancário e atrair investimentos internacionais em Washington.  Em Agosto de 2019, o então ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, foi recebido no departamento de Estado, declarando à VOA (Voz da América) que os governos de Angola e dos Estados Unidos estavam a trabalhar para um possível encontro entre os Presidentes João Lourenço e Donald Trump e que nas conversações havia “convergências de pontos de vistas”. Trump deixou o poder há 20 de Janeiro de 2021 sem nunca ter recebido Lourenço.

 

Neste mês de Setembro, Joe Biden completa nove meses desde que tomou posse como o 46º Presidente dos EUA e vai receber o recém-eleito Chefe de Estado da Zâmbia, que até lá completa dois meses de poder.  O mistério desta prioridade é que, desde que Barack Obama chegou ao poder, os Estados Unidos da América adoptaram uma política de pressão contra líderes políticos mundiais que se fazem eleger com recurso a métodos extra-eleitorais. 

 

Em Setembro de 2017, o então Presidente dos EUA, Donald Trump, não enviou mensagem pessoal a saudar João Lourenço como novo Chefe de Estado de Angola. A saudação americana foi reduzida pela pena da então secretária de imprensa do Departamento de Estado, Heather Nauert, que, através de uma nota, dizia que o Governo americano recomendou à Comissão Nacional das Eleições que organizasse “um processo ordenado e bem gerido”, apelando a um tratamento igual por parte da imprensa pública nas próximas eleições.

 

A nota do departamento de Estado recomendava que “as preocupações levantadas por alguns partidos de oposição e grupos da sociedade civil sobre o acesso desigual aos meios de comunicação social devem ser abordadas antes das próximas eleições”. O conteúdo da nota de Heather Nauert deixava no ar uma mensagem sublime: A transparência das eleições de 2017 de Angola, tal como as anteriores não convenceram as autoridades americanas. 

 

No caso da Zâmbia, a administração do Presidente Joe Biden não só saudou, como indicou, a 23 de Agosto, uma delegação para o representar na cerimónia de posse do presidente Hakainde Hichilema. A delegação foi encabeçada pela sua assistente especial e directora sénior para a África, Dana Banks, que anunciou igualmente a nomeação de um novo embaixador dos EUA em Lusaka, em substituição de Daniel Lewis Foote que cessou funções em Janeiro de 2020.

 

Quando as eleições de um determinado país são justas e transparentes, os EUA elogiam e ignoram pequenas falhas que não comprometem os seus resultados. Desde que Angola alcançou a paz efectiva, já realizou três eleições (em 2008, 2012 e 2017), mas todas elas marcadas com reclamações de alegados vícios, com destaques para denúncias de anúncio de resultados cuja origem era desconhecida pelos comissários da CNE, e nunca rebatidos pelo governo. Foi apenas no dia 2 de Setembro que um deputado do MPLA, António Paulo, em entrevista à TV Zimbo, admitiu que Angola realizou as últimas eleições sem fazer apuramento eleitoral.

 

Em 2022, Angola vai realizar eleições gerais. O Presidente João Lourenço tem agora a oportunidade de promover reformas eleitorais depois de, no passado dia 9 de Setembro, ter devolvido ao Parlamento angolano à Lei de Alteração à Lei orgânica sobre as eleições gerais para ser reapreciada  com o objectivo de “reforçar, nalguns  domínios, os instrumentos que garantam uma maior igualdade entre os concorrentes, sã concorrência, lisura e verdade eleitoral, no quadro da permanente concretização do Estado democrático de direito”, conforme se lê, numa nota da presidência.   

 

Tal como a feitura de uma Constituição, o pacote eleitoral deve ser feito para satisfazer o interesse do povo angolano e nunca do líder ou dos partidos políticos. O Presidente de Angola tem agora uma oportunidade de orientar o MPLA a fazer uma auscultação popular, para saber do soberano que tipo de pacote eleitoral deseja. Deve também se aplicar na melhoria dos direitos humanos, para que não haja mais assassinatos de manifestantes (Inocêncio Alberto de Mato, Mamã África, e etc.) ou execuções como tiveram lugar, em finais de Janeiro deste ano, na zona de Cafunfo, na província da Lunda-Norte, em que os autores policiais ficaram impunes. É uma oportunidade do Presidente João Lourenço dignificar o país e retirar do calendário da Casa Branca o “12 de Maio de 2003” como a data em que, pela última vez, receberam um Presidente da República de Angola.

 

*José Gama, analista angolano de assuntos internacionais radicado na África do Sul

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