As acções de combate ao terrorismo, na província de Cabo Delgado, já custaram pelo menos 64,17 mil milhões de Meticais (equivalente a mais de 1,1 bilião de USD) aos bolsos dos moçambicanos, dos quais 19,44 mil milhões de Meticais foram destinados ao sector da Defesa (forças armadas), 35,04 mil milhões de Meticais ao sector da segurança e ordem pública (Polícia, SISE e Ministério do Interior) e 9,7 mil milhões de Meticais na contratação de empresas militares privadas (Wagner Group, Dyck Advisory Group e o consórcio Paramount & Burnham Global).
A conclusão consta de um estudo divulgado ontem pelo Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil que defende a transparência e integridade na gestão do erário. O valor compreende os fundos gastos entre 2017 (ano do início da insurgência) e 2020 (referente à última Conta Geral do Estado).
“Para estimar o custo da Guerra de Cabo Delgado, considerou-se que todo o aumento acima do crescimento médio da despesa entre os anos 2012 a 2016 nos sectores da Defesa (crescimento médio anual de 14,1%) e da Segurança e Ordem Pública (crescimento médio anual de 16,8%) é resultado da guerra. Os aumentos parciais destes sectores chegaram a cerca de 19,44 mil milhões de Meticais e 35 mil milhões de Meticais, respectivamente, de 2017 a 2020, totalizando cerca de 54,47 mil milhões de Meticais neste período”, explica a organização, sublinhando ter-se adicionado a este valor, 9,7 mil Milhões de Meticais referentes à contratação das empresas privadas.
De acordo com o estudo, em 2017, ano de início do conflito, o orçamento executado no sector da Defesa foi de 8,3 mil milhões de Meticais, com o peso de 3,4% na despesa total do Estado nesse ano. “Quatro anos depois, em 2020, o orçamento executado para o sector de Defesa foi de 21,16 mil milhões de Meticais, com peso de 6,0% na despesa total do Estado desse ano. Comparando o orçamento do sector da Defesa de 2017 e de 2020, mostra-se que houve aumento de cerca de 154,94% em quatro anos”, refere a fonte.
Em relação ao orçamento do sector da Segurança e Ordem Pública, a pesquisa garante se ter seguido a mesma trajectória. “De uma realização de 21,1 mil milhões de Meticais¸ em 2017, passou para 40,68 mil milhões de Meticais, em 2020, um crescimento de 92,8% em quatro anos. O peso do orçamento de segurança e ordem pública na despesa total passou de 8,5% em 2017 para 11,5% em 2020”, explica.
O CIP avança ainda que, em 2020, as despesas com salários do pessoal militar totalizaram 9.3 mil milhões de Meticais e as despesas com pensões foram de 16.1 mil milhões de meticais, porém, sublinha ser impossível distinguir se as referidas despesas estão incluídas no orçamento das FADM (Forças Armadas de Defesa de Moçambique) ou nos gastos do Governo central com pensões e pessoal.
Procura pelos bens não militares explodiu
De acordo com os dados partilhados pelo CIP, entre 2017 e 2019, a procura pelos bens de natureza não militar explodiu, passando de 2 milhões de Meticais para mais de 2 mil milhões de Meticais.
Segundo os pesquisadores, o aumento mais expressivo aconteceu entre 2018 e 2019, com o recrudescimento e alastramento dos ataques terroristas em Cabo Delgado e dos ataques militares na zona centro do país.
“Os dados sobre a aquisição de bens e serviços de natureza militar, como é o caso da contratação das empresas militares privadas e aquisição de equipamento e treinamento militar não estão acessíveis para o grande público”, sublinha fonte.
Continua não havendo transparência na alocação do dinheiro ao sector repressivo
Na pesquisa, o CIP salienta haver falta de prestação de contas sobre os gastos militares, em particular no combate ao terrorismo e que a Assembleia da República tem sido fraca na fiscalização dos gastos militares.
“De 2017 a 2020, o Governo declarou gastos com os sectores de Defesa e Segurança, totalizando 170,86 mil milhões de Meticais. Este é o valor reportado através da Conta Geral do Estado (CGE) cobrindo os quatro anos. No entanto, não é possível distinguir, por falta de detalhe na CGE [Conta Geral do Estado], deste valor qual foi destinado ao combate ao terrorismo e ao extremismo violento na província de Cabo Delgado. Ademais, estima-se que o Governo tenha gasto, pelo menos, 154 milhões de dólares (correspondentes a cerca de 10 mil milhões de meticais) que não estão reportados na CGE. Este valor teria sido destinado à contratação de empresas militares privadas, à aquisição de equipamentos militares e ao treinamento militar por empresas privadas”, explicam os pesquisadores.
Referir que a adjudicação directa tem sido a modalidade de contratação predilecta dos sectores de defesa e segurança e ordem pública. O Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, no seu artigo 94, determina o uso da adjudicação directa “em período de guerra ou grave perturbação da ordem pública”, assim como “se o objecto da contratação respeitar à defesa e segurança nacional, especialmente na execução de obras militares sigilosas, fardamento e seus complementos, aquisição, reparação e manutenção de equipamento militar e de uso exclusivo das Forças Armadas e Policiais”. (A.M.)