“O exercício das liberdades de expressão e de imprensa, em Moçambique, tem sido hostil e turbulento, nos últimos dois anos (2019 e 2020). Não somente sob ponto de vista do número de casos de violações das liberdades de imprensa, que tiveram uma tendência crescente, mas também pela gravidade com que têm vindo a abalar e a colocar os jornalistas a trabalharem num clima de medo, insegurança e de risco”.
É desta forma que o Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA, sigla em inglês), capítulo de Moçambique, inicia a sua abordagem em relação ao ambiente que caracteriza as liberdades de expressão e de imprensa no país, num momento em que a democracia moçambicana é tida como “autoritária”, tal como classificou o The Economist Intelligence Unit, no seu relatório de Índice da Democracia referente a 2020.
Em Relatório sobre o “estado das liberdades de imprensa e de expressão em Moçambique (2019-2020)”, publicado esta segunda-feira, em Maputo, por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o MISA-Moçambique aponta “os conflitos políticos e militares, a eclosão da pandemia da Covid-19, a corrupção generalizada e a tendência ao autoritarismo do Estado” como factores que contribuíram para a regressão destas liberdades (individuais) na chamada “Pérola do Índico”.
De acordo com o relatório, em 2019, por exemplo, houve registo de 20 casos de violações contra jornalistas, caracterizados, na sua maioria, por detenções arbitrárias, agressões, ameaças, roubos e vandalização de órgãos de comunicação social.
As detenções dos jornalistas Amade Abubacar (a 05 de Janeiro de 2019) e Germano Adriano (a 06 de Fevereiro de 2019), ambos afectos à Rádio Comunitária de Nacedje, no distrito de Macomia, província de Cabo Delgado, figuram na lista das acções que contribuíram (negativamente) para o actual estado das liberdades de expressão e de imprensa, no país.
“Ambos foram acusados sem provas e, sobretudo, por estarem a reportar o conflito e o drama das populações, num contexto em que o governo pretendia um fechamento total das regiões em conflito”, sublinha o documento, apontando também o assassinato, a 07 de Outubro de 2019, do activista Anastácio Matavel por cinco agentes das forças especiais da PRM (Polícia da República de Moçambique), “cujas motivações não foram explicadas, em sede do julgamento”.
Detenções arbitrárias e incêndio de jornais em 2020
Já no ano passado (2020), o MISA-Moçambique diz ter reportado 33 casos de violações contra as liberdades de imprensa, sendo que alguns desses casos estão ligados ao ambiente do conflito militar na província de Cabo Delgado. É o caso, por exemplo, do desaparecimento do jornalista da Rádio e Televisão de Palma, Ibraimo Mbaruco, registado na noite do dia 07 de Abril, cujo paradeiro até hoje ainda não é conhecido.
“Ainda neste período, foi reportada a detenção do jornalista da STV, Izidine Achá, ocorrida no dia 14 de Abril de 2020, na cidade de Pemba. O jornalista foi detido por militares, cerca das 09:00 horas e só viria a ser restituído à liberdade por volta das 13:00 horas”, refere o Relatório.
Ainda na província de Cabo Delgado, anota o documento de 15 páginas, em 2020, quatro rádios comunitárias foram silenciadas, devido aos ataques terroristas. São: as Rádios Comunitárias de Mocímboa da Praia (que perdeu todo o equipamento após os ataques terroristas); de Macomia (que está inoperacional desde o ciclone Kennedy, em 2019, e ataques terroristas em 2020); Tomás Nduda (encerrada após ataque terrorista a 09 de Abril, em Muidumbe); e São Francisco de Assis (também encerrada após ataque terrorista a 30 de Outubro de 2020, em Muidumbe).
No entanto, se em Cabo Delgado, os ataques terroristas têm contribuído para o fraco exercício das liberdades de expressão e de imprensa, o mesmo não se pode dizer da capital do país (Maputo), onde a 28 de Agosto, indivíduos (até aqui desconhecidos) “assaltaram, colocaram dois galões de combustível e atearam fogo sobre o jornal Canal de Moçambique”.
“Era o cúmulo do ódio à Liberdade de Imprensa. Trata-se de um acontecimento único na história de Moçambique. Não há registo de alguma redacção que tenha sido alvo de destruição com recurso a fogo posto”, sublinha a organização, para quem se o incêndio era um sinal que os autores estavam a emitir visando impor o medo, a verdade é que “o jornal saiu mais fortificado”.
Para o MISA-Moçambique, o contexto dos media, em Moçambique, requer um trabalho aprofundado e um longo caminho para o futuro, democratizando o país, primeiro, depois trabalhando na mudança de comportamento.
“Estas violações graves contra as liberdades de imprensa crescem impunes perante o silêncio das autoridades nacionais que, em muitas ocasiões, são conotadas como sendo mandantes de alguns crimes contra os media”, realça a fonte. (Carta)