A suspensão dos projectos de gás natural na bacia do Rovuma, província de Cabo Delgado, com destaque para o Mozambique LNG, liderado pela petroquímica francesa Total, por causa dos ataques terroristas, está a suscitar debates e suspeitas de que o recurso pode vir a não beneficiar o país.
Nesta quinta-feira (29), o Centro de Integridade Pública (CIP) debateu o impacto da suspensão da Total, que no início desta semana confirmou a sua retirada de Afungi, distrito de Palma, e declarou “Força Maior” por causa da insegurança que tende a pôr em causa o seu projecto.
Intervindo na abertura do evento virtual, o Director do CIP, Edson Cortez, afirmou que o “sonho de pagar as dívidas que o país tem vindo a contratar com receitas da exploração do gás natural pode ruir, com a suspensão dos projectos”.
Lembre-se que, no final do ano passado, o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, informou que a dívida pública do país é de 12.3 biliões de USD, dos quais cerca de 16% constitui dívida à China. Para mostrar o quão elevado é o nível de endividamento do país, dados do próprio Ministério da Economia e Finanças indicam que toda a dívida do país (desde externa e interna) representa 93% do Produto Interno Bruto (PIB).
Refira-se que parte considerável dessas dívidas, com destaque para as “dívidas ocultas” (avaliadas em 2 biliões de USD), foi contratada nos últimos quase 10 anos, na expectativa de liquidá-los com as receitas da exploração do gás natural da Bacia do Rovuma.
Entretanto, na óptica do Director do CIP, esse sonho pode não se concretizar por causa da guerra que levou a Total e demais empresas a suspenderem os projectos. Consequentemente, o país poderá continuar a acumular dívida por causa dos juros não pagos.
Hanlon entende também que a “bolha do gás desabou”
Num debate que contou com quatro intervenientes, fez parte também o investigador e jornalista britânico, Joseph Hanlon, que tem escrito muito sobre Moçambique e, em particular, sobre a guerra em Cabo Delgado.
Como tem vindo a escrever, a partir do Reino Unido, Hanlon reafirmou no debate que “a bolha de gás desabou” e, como consequência, a janela de Moçambique beneficiar-se da sua exploração está a fechar-se, por um lado, por causa da guerra e, por outro, porque o gás é um dos combustíveis mais poluentes.
Para mitigar os problemas, o investigador apelou que se acabasse com a guerra, não apenas combatendo com tropas, mas também criando oportunidades de empregos naquela região. Disse ainda ser necessário que haja fim de clivagens (dos pró-Guebuza e pró-Nyusi) dentro da Frelimo para que, unido, o partido no poder possa pôr fim ao conflito no norte de Cabo Delgado.
Florival Mucave e José Mendes, empresários moçambicanos que tanto se debatem com questões de exploração de gás natural e conteúdo local, não concordaram com a opinião de Hanlon. Mucave explicou que, embora seja poluente, o gás natural não é demasiadamente prejudicial que outras fontes de energia, pelo que o país continuará esperançoso em ganhar benefícios com a exploração do recurso.
O empresário e também Presidente da Câmara de Petróleo e Gás de Moçambique sublinhou ainda que continua elevada a possibilidade de o país beneficiar-se do gás porque o mercado asiático tende ultimamente a demandar maior consumo do bem. Mucave sublinhou que, embora os Estados Unidos da América sejam os maiores concorrentes, o gás de Moçambique continua na vanguarda graças à localização estratégica do país.
Também participou do debate o empresário Assif Osman, a partir de Cabo Delgado. Falando em prejuízos da guerra e consequente suspensão da Total, anotou que a indústria de gás naquela parte do país está, nos últimos dias, praticamente inexistente. Para além dos prejuízos à economia, Osman lamentou as perdas de várias vidas humanas e o desmembramento de muitas pessoas das suas famílias.
De facto, dados recentemente partilhados pelo Instituto Nacional de Gestão de Risco e Desastres (INGD) indicam haver já 700 mil pessoas deslocadas do norte de Cabo Delgado para as zonas ainda seguras daquela província (e não só), com destaque para a capital Pemba.
Em termos de tecido empresarial, o sector privado veio, recentemente a público, relatar que o último ataque (que levou à suspensão da Total), ocorrido a 24 de Março último, afectou 410 empresas e 56 mil postos de trabalho, cujo impacto financeiro preliminar é de cerca de 95 milhões de USD, que inclui destruições, atrasos de pagamentos e mercadorias em trânsito sem certeza da entrega.
Com a evocação de “Força Maior” pela francesa Total, o Governo, através do Instituto Nacional de Petróleo (INP), esclareceu que o objectivo é mitigar os efeitos negativos decorrentes da aplicação de contratos e custos em bens e serviços que não podem ser prestados ou utilizados durante este período em que as actividades estão suspensas.
O INP sublinhou ainda que, com a interrupção temporária das operações, a Total não poderá, durante este tempo, cumprir com as obrigações contratualmente assumidas e poderá ainda vir a suspender ou rescindir mais contratos com outros prestadores de bens e/ou de serviços, dependendo do tempo que durar a interrupção. (Evaristo Chilingue)