Continua de difícil explicação a mecânica e razoabilidade por detrás do alargamento dos prazos da prisão preventiva. Na praça pública, os novos prazos continuam longe de colher consensos e com os mais radicais (alguns defensores oficiosos) a associarem o alargamento dos prazos daquela medida de coacção a uma agenda política, que tem como fim último prejudicar os arguidos das chamadas “dívidas ocultas”.
A propósito da polémica, “Carta” interpelou, esta quarta-feira, à margem do Informe sobre a Situação Geral da Nação, a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, que, de forma categórica, disse não concordar com o entendimento de que o alargamento dos prazos está fundado na ideia de assegurar que 18, dos 19 arguidos do caso das dívidas ocultas, continuem presos preventivamente (o 19º, Elias Moiane, responde o processo em liberdade).
Helena Kida encontrou no princípio da retroactividade das leis o argumento para rebater a tese, afirmando que este não é aplicado num contexto em que o cidadão venha a sair prejudicado. Aliás, fez questão de lembrar que o acto legislativo não tem em vista factos passados, sendo, ainda, que o mesmo visa a generalidade, tal como sucede com a sua aplicação.
A par de não concordar com a percepção generalizada, Helena Kida disse que estava preocupada pelo facto de associar-se as reformas pontuais operadas ao Código do Processo Penal (CPP) à resposta à situação em que se encontram os arguidos do processo primário das chamadas “dívidas ocultas”.
Perante a polémica, a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos disse que a única certeza que tem é de que as recentes alterações ao dispositivo não foram feitas a pensar num grupo de cidadãos em concreto.
“Eu respondo peremptoriamente que não concordo com essa percepção. Primeiro, porque toda a legislação é feita para o futuro. Quem legisla não está a legislar para factos passados. Estamos a legislar para o futuro e tem um princípio básico do direito, em que só nos casos em que esta nova lei beneficie é que ela é aplicada para trás. Fico preocupada quando se pretende imputar ou trazer todo este movimento legislativo para quatro, cinco ou dez pessoas. Nós estamos a falar de uma comunidade no geral. Estamos a falar de uma sociedade. Pelo menos, posso afirmar categoricamente, porque também vejo o meu nome associado, nunca a pensar em pessoas em concreto. Legisla-se na generalidade, porque a lei é aplicada para a generalidade das pessoas e não para o João ou para o Artur”, disse Helena Kida.
Entretanto, é de salientar que os arguidos do caso das dívidas ocultas estão com os prazos da prisão preventiva largamente expirados, situação que está a deixar os seus causídicos à beira de um ataque de nervos.
No passado mês de Junho, o Tribunal Superior de Recurso decidiu, em acórdão, libertar um arguido (Maria Biosse, que foi despronunciada) e manter em prisão preventiva os restantes 18 arguidos.
Ainda relacionado com a polémica, questionamos a governante se se estava perante uma consciência de factos (arguidos dos casos das dívidas ocultas estarem com os prazos expirados – alteração pontual do CPP) ao que, prontamente, respondeu: “Não sei. Mas, eu disse-lhe qual é o meu ponto de vista. Não é a pensar em determinadas pessoas”.
A Assembleia da República aprovou, na passada segunda-feira, em definitivo e por consenso, a alteração pontual do Código do Processo Penal. Antes da aprovação em definitivo, a bancada do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), depois de ter votado a favor durante a generalidade, tentou ensaiar o adiamento da discussão do instrumento sob o argumento de que se devia alargar o debate.
Um dia após aprovação, a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) veio a público pedir a intervenção do Presidente da República, Filipe Nyusi, na qualidade de mais alto magistrado da Nação, a não promulgação do dispositivo.
Para a Ordem dos Advogados, as inovações introduzidas no instrumento, isto no que respeita aos novos prazos da prisão preventiva, configuram um verdadeiro atentado ao Estado de Direito Democrático.
Entre outros, o novo CPP estabeleceu que o prazo da prisão preventiva passará ser no mínimo de 90 para 120 dias e máximo de um ou mais anos. (Ilódio Bata)