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quarta-feira, 25 novembro 2020 06:03

UEM suspende concessão problemática da Clínica Universitária

A Universidade Eduardo Mondlane (UEM) suspendeu o contrato de cessão de exploração da clínica universitária assinado a 20 de Maio de 2020 com a empresa Affinity Health, SA, administrada por Rogério Uthui, docente daquele estabelecimento de ensino. A suspensão do contrato de concessão da clínica acontece depois de o Centro de Integridade Pública (CIP) ter questionado o processo de contratação em carta datada de 16/10/2020.

 

Em causa estão irregularidades verificadas no processo de contratação. À primeira vista, parecia tratar-se de mais um ajuste directo sem a devida fundamentação. No entanto, a UEM diz ter aplicado, para o caso, um concurso com qualificação prévia e que várias empresas foram convidadas a apresentar propostas, tendo sido selecionada, após avaliação, a Affinity Health, SA de Rogério Uthui. Segundo a UEM¸ a suspensão do contrato visa rever e corrigir problemas detectados no processo. A decisão de suspensão do contrato foi dada a conhecer durante um encontro entre a UEM, representada pelo respectivo Reitor, Orlando Quilambo, e o CIP. A universidade reconheceu não ter experiência em contratos de parcerias público privadas.

 

A clínica universitária da UEM é fruto de um investimento orçado em cerca de 3 milhões de euros provenientes do Orçamento do Estado, doações holandesas e recursos da própria universidade. O contrato, ora suspenso, concedia a Affinity Health, SA a exploração da clínica universitária (todos os serviços de saúde prestados) e a gestão de um eventual plano de saúde para estudantes e funcionários da UEM por um período de cinco anos. Conforme consta do website da UEM, a concessão tinha como objectivo “elevar a qualidade e a eficiência do centro de saúde, abrangência dos serviços de saúde prestados, transferência de know how e sustentabilidade económica e financeira do referido centro”.

 

Concessão da clínica universitária: a história de uma privatização problemática

 

No dia 20 de Maio de 2020, a UEM celebrou um contrato de cessão de exploração do Centro de Saúde Universitário com a empresa Affinity Health, SA, subsidiaria da Affinity Capital administrada por Rogério Uthui, docente e Chefe do Departamento de Física naquele estabelecimento de ensino. O contrato, com duração de 5 anos, concede a Affinity Health, SA a exploração da clínica universitária (todos os serviços de saúde prestados) e a gestão de um eventual plano de saúde para estudantes e funcionários da UEM.

 

Conforme consta do website da UEM, a concessão tem como objectivo “elevar a qualidade e eficiência do centro de saúde, abrangência dos serviços de saúde prestados, transferência de know how e sustentabilidade económica e financeira do referido centro”.

 

Findo o período da sua exploração pela Affinity Health, SA, a clínica voltará a ser gerida pela UEM. Entretanto, documentos na posse do CIP mostram que as démarches da Affinity Health, SA com vista a exploração da clínica começaram muito antes. Cerca de dois anos antes da privatização, precisamente no dia 28 de Setembro de 2018, a empresa Med Access, também subsidiária da Affinity Capital e igualmente administrada por Rogério José Uthui, submeteu à direcção da UEM uma proposta de parceria para uma gestão conjunta do centro de saúde com o objectivo de¸ alegadamente¸ garantir a sua “sustentabilidade e crescimento”.

 

Na altura dos factos, a clínica era administrada exclusivamente pela UEM. O CIP teve acesso ao conteúdo da proposta. De uma forma geral, a Med Access comprometia-se a “disponibilizar meios e recursos necessários para o funcionamento do centro de saúde da UEM e mobilizar utentes para o mesmo”.

 

Em contrapartida, a UEM deveria ceder à Med Access “as infraestruturas existentes no centro de saúde e os recursos disponíveis para gestão conjunta das partes”. Além disso, a Med Access se predispôs a garantir a assistência médica a estudantes e funcionários da UEM - um dos principais objectivos para instalação da clínica - através de um plano de saúde que seria desenvolvido pela Whubuntu Care, SA também subsidiária da empresa Affinity Capital.

 

Segundo apurou o CIP, a proposta apresentada pela Med Access em 2018 foi rejeitada. Apesar de o Gabinete de Cooperação da UEM ter-se mostrado a favor da parceria¸ conforme mostra o documento em anexo, o Gabinete Jurídico chumbou a proposta. Segundo fontes ouvidas pelo CIP, o Gabinete Jurídico, não concordando com a ideia de parceria¸ dada a incapacidade financeira da UEM de fazer face aos custos que esta acarretaria, defendia a privatização da clínica.

 

Entretanto, o CIP soube que uma outra proposta foi apresentada pela Affinity Health, SA para a privatização da clínica e que a 20 de Maio do corrente ano a UEM assinou com a empresa um contrato de concessão - agora suspenso - para exploração da clínica universitária. A forma como se desenrolou a história da privatização levanta fortes indícios de falta de transparência. É que, à primeira vista, parecia tratar-se de mais um ajuste directo injustificado. No entanto, a UEM afirma ter aplicado, para o caso, um concurso com prévia qualificação e que várias empresas foram convidadas a apresentar propostas, tendo sido selecionada, após avaliação de um júri, a Affinity Health, SA administrada por Rogério Uthui.

 

O CIP não teve acesso a propostas supostamente apresentadas por outras empresas. Note-se, porém, que duas das empresas interessadas na exploração da clínica e do plano de saúde, nomeadamente Affinity Health, SA e Whubuntu Care, SA, ambas subsidiárias da Affinity Capital, incluindo esta última, foram criadas em 2018, poucos meses antes da submissão, pela Med Access, da primeira proposta de gestão conjunta da clínica. No dia 15 de Maio de 2018 foi constituída a Affinity Health, SA23 e, em menos de um mês (7 de Junho) foi registada a Wubhuntu Care, SA.24 Isto não é, de todo, surpreendente.

 

É que, segundo explica o Director da Fundação Universitária, Pedro Búfalo, a UEM teria informado aos seus parceiros sobre a ideia de privatizar a clínica e pediu que os interessados pudessem manifestar interesse. Portanto, a corrida para criação destas empresas explica-se precisamente pela necessidade de facturar com um negócio à vista: a exploração da clínica. Para Pedro Búfalo, a privatização da clínica tinha como objectivo aumentar a qualidade dos serviços de saúde prestados à comunidade académica. Dado o ónus financeiro que a clínica representa para a UEM, esta não está em condições de prover os meios materiais necessários como, por exemplo, a aquisição de uma ambulância.

 

Envolvimento de Uthui colide com a probidade pública

 

A ideia de privatização da clínica universitária não é necessariamente nova. Ao chancelar a sua privatização¸ o Reitor da UEM simplesmente retoma a ideia que já havia sido avançada pela ONG holandesa PharmAccess em 2013 de, numa primeira fase, colocar a clínica universitária sob gestão de uma entidade privada que pudesse prestar assistência técnica à universidade para a instalação de uma estrutura capaz de administrar o plano de saúde. Entretanto, a forma como o processo de privatização 22 Jornal Visão, Reitor acusado de privatizar clínica da UEM sem concurso publico.

 

O envolvimento de Rogério Uthui, docente da UEM, na qualidade de administrador das duas empresas interessadas na privatização da clínica colide com a Lei de Probidade Pública (LPP). Sendo ele funcionário público na UEM, e ao mesmo tempo a representar empresas com interesse na exploração da clínica universitária daquele estabelecimento de ensino, coloca-o, à partida, numa situação de conflito de interesses.

 

Ou seja, segundo a LPP, o servidor público está em situação de conflito de interesses quando, de entre outras situações, “seja titular ou representante de outra pessoa em participações sociais ou acções em qualquer sociedade comercial, civil ou cooperativa que tenha interesse numa decisão, negócio ou qualquer outro tipo de relação de natureza patrimonial com a entidade a que pertence e que tenha interesse na decisão a tomar”, ou ainda, “preste serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja actividade seja controlada, fiscalizada, ou regulada pelo ente ao qual o agente se encontra vinculado25. Deduz-se, portanto, que uma vez docente da UEM, com acesso a informação privilegiada e com interesses na gestão da clínica, o envolvimento de Uthui em representação da Affinity Health, SA, a quem havia sido concessionada a exploração da clínica, contrasta com a probidade pública. Por um lado, há condições para fortes suspeitas de que sua posição de docente e Chefe do Departamento de Física da UEM tenha pesado, acima de tudo, para que se concedesse a Affinity Health, SA a exploração da clínica.

 

Por outro lado, no caso de eventual exploração, o seu papel de administrador da Concessionária e ao mesmo tempo funcionário da Autoridade Concedente, colocaria em causa a actuação desta última que, por norma, deve fiscalizar a gestão do empreendimento concedido à primeira. O CIP entende que com a suspensão deste contrato, a UEM deve garantir que, no caso de uma eventual concessão da clínica, o processo de contratação obedeça aos princípios de transparência e integridade. (CIP, extractos)

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