A proposta de modelo do Fundo Soberano (FS) continua sob escrutínio público. Desta vez, é o Centro de Integridade Pública (CIP) a apresentar as suas contribuições para o melhoramento da proposta do FS, apresentada pelo Banco de Moçambique (BM).
O regulador do sistema financeiro nacional decidiu, em Outubro último, levar a cabo o processo de auscultação pública, tendo em vista a recolha de contribuições para o enriquecimento da proposta técnica. Para já, o Centro de Integridade Pública considera que os aspectos cruciais já constam da proposta. No entanto, propõe reparos desde os objectivos até à forma como serão distribuídos os recursos, onde se espera que o país venha arrecadar 96 biliões de USD durante a vida útil dos projectos de exploração de gás natural.
É, precisamente, na transparência que repousa a abordagem do Centro de Integridade Pública, apontando a necessidade da clarificação de algumas “zonas de penumbra” de que está prenhe a proposta, a começar com a percentagem das receitas que será destinada à estabilização e à poupança, donde não se pode descurar os argumentos técnicos para a atribuição das referidas percentagens.
“A definição das percentagens para cada um dos objectivos pode ajudar a prever, com alguma exactidão, quais os montantes disponíveis para o Governo fazer face a situações de choques externos ou a calamidades ̧ como está previsto na proposta, ̧ bem como os ganhos provenientes das poupanças que ̧algumas delas julga-se que serão aplicadas a longo prazo”, diz o documento do CIP.
A proposta de modelo apresentada pelo Banco Central assenta em dois pressupostos: acumular poupança e estabilização fiscal. O acumular da poupança funda-se na “maximização do valor do fundo com vista a assegurar que as receitas dos recursos naturais não renováveis sejam repartidas entre várias gerações”. No que respeita à estabilização fiscal, a proposta do BM diz que tem em “vista isolar o Orçamento e a economia dos impactos nefastos resultantes de flutuações dos preços das commodities nos mercados internacionais”.
A fonte que deverá alimentar o Fundo Soberano é outro ponto que o CIP considera necessário clarificar. Aqui, a organização da sociedade civil entende que deve vir, devidamente, definido que o Fundo Soberano moçambicano será alimentado pelas receitas provenientes do sector de petróleo e gás, bem como do sector mineiro.
Tal asserção deriva do facto da proposta do BM fazer menção que o FS será constituído com receitas decorrentes da exploração de gás natural, petróleo, minério, recursos hídricos e outros não renováveis, algo que, no entender do CIP, não faz sentido. A ausência da lógica assenta, de acordo com CIP, no facto de apenas as receitas resultantes da exploração de gás natural e minérios possuírem potencial para gerar distorções na economia nacional.
“Dada a condição de liquidez necessária no acto de investimento dos recursos, é preciso incluir na proposta do modelo do Fundo os timings a serem observados para desembolso do valor do fundo ao OE, principalmente, no caso do fundo de estabilização cujo valor se destina à provisão para situações de choques que provoquem queda significativa nas receitas”, aponta o documento.
Estrutura de governação do FS
No concernente à estrutura do FS, o CIP considera “minimalista”, precisamente, por, no seu entender, ignorar o papel de instituições como a Procuradoria-Geral da República, Tribunal Administrativo e das Organizações da Sociedade Civil.
A proposta do regulador do sistema financeiro nacional aponta que a estrutura de governação do FS é constituída pela Assembleia da República (legislador), Ministério da Economia e Finanças-MEF (formulação de política de investimento e supervisão da gestão) e pelo próprio Banco de Moçambique (gestor operacional).
“Recorrer à lógica orçamental como mecanismo de gestão de receitas voltadas para o desenvolvimento da economia (com foco para infra-estrutura) é semelhante a dizer que as receitas devem ser geridas nos mesmos moldes que o MEF vem gerindo os recursos actuais, em que todo o valor é encaminhado para o mesmo “cesto” (Conta Única do Tesouro) sem rigor e sem alinhamento com a planificação orçamental (em base de caixa), o que contribui para os constantes desvios de aplicação”, refere o CIP.
Por estes factos, a Organização da Sociedade Civil entende que “a parte do fundo com objectivo de desenvolvimento seja gerido por uma instituição diferente do MEF que seja independente e isenta de pressões políticas e dotada de mecanismos de controlo interno fortificados”. Assim defende por considerar que o MEF é uma instituição que não está imune a pressões políticas, o que não oferece garantias de que os recursos destinados ao desenvolvimento do país, via Orçamento do Estado, serão usados para esse efeito.
Anota também que o MEF deverá apresentar, com o devido detalhe, a política de investimento e que a mesma deve ser submetida à auscultação pública para permitir que os diversos actores da sociedade possam apresentar as suas respectivas contribuições.
A componente da responsabilidade dos órgãos também não escapou ao escrutínio. Neste ponto, o Centro de Integridade Pública entende ser necessária a clarificação das responsabilidades do MEF e do Banco de Moçambique. A proposta do regulador aponta o MEF como entidade que irá elaborar o relatório anual do FS e ao BM caberá a elaboração dos desempenhos trimestrais.
Tal colocação, diz o CIP, não tem razão de ser. Por caber a gestão do Fundo Soberano ao Banco Central deve ser a esta, anota o CIP, a elaborar do relatório anual. Ao Ministério da Economia e Finanças deve “caber a responsabilidade de elaboração da política de investimento e relatório (mensal, trimestral e ou anual) do uso dos recursos canalizados ao OE para desenvolvimento de infra-estruturas”.
Os reparos são igualmente extensivos à Assembleia da República, na qualidade do órgão a quem caberá definir as regras de uso das aludidas receitas. Para o CIP, este órgão deve ser capacitado para poder responder à altura aos desafios que se lhe propõe. Deste modo, a organização da sociedade civil sugere, na proposta modelo do FS, a criação de um grupo temático dentro da AR que deve ter capacidade para orientar a definição de mecanismos de gestão das receitas provenientes do sector extractivo destinadas ao desenvolvimento, bem como para monitoria do valor destinado à poupança e estabilização.
Regra de entrada de recursos
Neste ponto, o Centro de Integridade Pública começa por exigir que sejam apresentados os argumentos que dão suporte à decisão da fixação dos 50% da receita anual a ser arrecadada. Defende que “os argumentos devem tomar em consideração o saldo primário, défice orçamental (líquido dos empréstimos e dos donativos), bem como as metas contidas no plano de acção da política de investimento a ser produzida”.
O CIP aponta que os argumentos permitiriam a monitoria dos objectivos definidos e saber se, de facto, estão ou não a ser alcançados, recordando o rocambolesco dossier que conduziu à fixação da taxa de 2,75% a serem transferidos às comunidades onde os projectos estão implantados.
A título de exemplo, o CIP considera crucial que seja devidamente explicada a mecânica usada para que “a partir do vigésimo primeiro ano a canalização de fundos ao Governo reduza em 30%”.
Tomando como base a ideia segundo a qual o FS atingirá o seu estado maturação no vigésimo ano de existência, tal como refere a proposta do BM, o CIP “julga que as projecções deveriam ter sido publicadas junto com a proposta, para permitir que lhe seja feita uma melhor análise e transparência”.
“Um dos argumentos por detrás da criação do fundo é a actual incapacidade da economia em absorver grandes fluxos de capital sem criar distorções. Sendo assim, não se justifica que a partir desse mesmo ano sejam alocados apenas 20% para OE e 80% (mais de USD 3 biliões) para o Fundo. Supõe-se que tanto a economia terá ganho a capacidade de absorver cada vez mais grandes fluxos de capital, como também o fundo terá criado reservas suficientes para a sua sustentabilidade. Sendo assim, propõe-se que a maior parte seja canalizada para o objectivo de desenvolvimento e não para a poupança e estabilização”, anota o CIP.
Um outro aspecto que o CIP quer ver clarificado é o facto da Conta Única do Fundo (CUF) ser criada em dólar.
Saída de recursos
O pagamento da taxa ao BM pela gestão do FS está, entre outras, no rol dos reparos à proposta feitos pelo Centro de Integridade Pública. Aqui, diz o CIP, a taxa que o BM vai receber deve ser definida por lei e não pela negociação entre o regulador do sistema financeiro e o Ministério da Economia e Finanças. Aliás, anota, igualmente, deve se definir com clareza que despesas a aludida taxa vai cobrir.
No concernente à saída de recursos para estabilização da economia, face à queda das receitas provenientes do sector de extracção de recursos naturais, nos primeiros 20 anos do fundo, o “CIP julga que é preciso fundamentar a definição dos 10% como mínimo de queda das receitas para uma intervenção e também a cifra de 4% sobre as receitas colectadas no exercício imediatamente anterior, para o máximo de receitas a canalizar para a estabilização”.
Já no que respeita à reposta a uma calamidade pública, o Centro de Integridade Pública diz que devem ser trazidos os argumentos que conduziram à “definição da cifra de 2% sobre o saldo do fundo apurado no final do exercício, imediatamente anterior considerando que as calamidades têm impactos e necessidades diferenciados”. Considera também que se devia estabelecer a obrigatoriedade da Assembleia República aprovar as saídas para a estabilização da economia e para calamidades.
Adiante, aponta: “a proposta do BM não menciona qual será o tratamento que será dado à parte dos impostos sobre produção que, legalmente, devem ser canalizados às comunidades (actualmente definido como 2,75% do imposto sobre produção)”.
Distribuição de Recursos
Para o CIP, a maior parte receitas provenientes da exploração dos recursos deve ser direccionada para o fundo de desenvolvimento, isto por entender que a economia terá cada vez mais capacidade de absorção de receitas.
Na sua distribuição, o Fundo de Desenvolvimento deve ficar com 50% até ao vigésimo ano. Do vigésimo ao trigésimo ano, deve encaixar 70%. Já a partir do trigésimo primeiro ano com 80%. Para o caso do Fundo de Poupança e Estabilização, a proposta avança com tendência inversa. Aponta que até ao vigésimo ano ficará com 50%. Do vigésimo primeiro ao trigésimo ano com 30% e a partir do trigésimo primeiro ano com 20%.
A distribuição das receitas provenientes da exploração dos recursos naturais não renováveis está assente em dois pilares. Até ao vigésimo ano, diz a proposta do BM, 50% deve ser canalizado ao Orçamento do Estado (OE) e outros 50% depositados na conta do Fundo Soberano. Já a partir do vigésimo primeiro ano, apenas 20% é que serão destinados ao OE e os restantes 80% depositados na conta do FS. (Ilódio Bata)