Assinala-se hoje, 06 de Agosto de 2020, a passagem do primeiro aniversário da assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação de Maputo, celebrado entre os Presidentes da República e da Renamo, Filipe Jacinto Nyusi e Ossufo Momade, respectivamente, com vista à pacificação do país.
O acordo, o terceiro do género (depois do Acordo de Paz de Roma, em 1992; e o Acordo de Cessação das Hostilidades, em 2014) e o primeiro após a morte do histórico líder da Renamo, Afonso Dhlakama (morreu a 03 de Maio de 2018), lembre-se, foi testemunhado por diversas personalidades nacionais e estrangeiras, com destaque para os antigos Chefes de Estado de Moçambique e Tanzânia, Joaquim Chissano e Jakaya Kikwete, respectivamente; os Chefes de Estado do Ruanda e da Namíbia, Paul Kagame e Hagi Geingob, respectivamente; e pelo Mediador do Acordo de Roma e pelo Presidente do Grupo de Contacto para a celebração do actual acordo, Matteo Zuppi e Mirko Manzoni, respectivamente.
Na ocasião, os dois líderes e as testemunhas sublinharam a necessidade de se enterrar o vulgo “machado da guerra” e começar-se uma “nova era”, caracterizada, sobretudo, pelo diálogo, concórdia e inclusão política.
Assim, passados 365 dias após o célebre Acordo, “Carta” faz a radiografia do país, que parece ainda estar longe de encontrar o caminho certo para o estabelecimento de uma paz efectiva e duradoura, um desejo que se prolonga desde a assinatura do primeiro Acordo de Paz, em Roma, capital italiana, a 04 de Outubro de 1992.
O facto é que, logo depois da assinatura do Acordo de Maputo, as províncias de Sofala e Manica voltaram a viver momentos de terror, com novos ataques militares a serem protagonizados, desta vez, pela auto-proclamada Junta Militar da Renamo, um grupo dissidente do maior partido da oposição, que contesta a liderança de Ossufo Momade.
Os ataques, que se verificam naquela região do país, desde Agosto do ano passado, já causaram mais de 100 mortos, para além da destruição de diverso património público e privado, com destaque para viaturas, centros de saúde e postos policiais. Os ataques também já causaram novos deslocados de guerra naquele ponto do país. Aliás, devido aos ataques, as Forças de Defesa e Segurança (FDS) reactivaram, em Dezembro passado, as escoltas militares na Estrada Nacional Nº 1, no troço Muxúnguè-Muda Serração.
A auto-proclamada Junta Militar da Renamo, liderada por Mariano Nhongo, um dos homens de confiança do falecido Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, recorde-se, acusa Ossufo Momade de estar ao serviço do Governo da Frelimo (partido no poder) e de ser “infiltrado” na organização. O grupo, a propósito, chegou a anunciar a destituição de Momade da liderança da Renamo.
Referir que, dias depois da assinatura do Acordo de Paz, a Junta Militar da Renamo manifestou a intenção de renegociar os dois acordos com o Chefe de Estado por entender que são “nulos e sem efeito” por entender que são “frutos de acto de traição”.
A Renamo considera a auto-proclamada Junta Militar da Renamo um assunto de Estado e não do partido e o seu Secretário-Geral, André Magibire, fez questão de frisar este facto, esta semana, em entrevista à STV, dizendo que não sabe onde Mariano Nhongo se encontra e muitos menos irá procura-lo para dialogar.
Por seu turno, o Presidente do Grupo de Contacto e enviado especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Mirki Manzoni, defendeu, também em entrevista concedida à STV, há dias, que o líder da auto-proclamada Junta Militar é “inflexível” e que todas as tentativas de diálogo fracassaram. Esta semana, afirmou que os ataques militares são “antítese da visão de paz que Dhlakama lutou para preservar nos últimos anos”.
DDR longe de ser concluído
Outro ponto que se arrasta desde a assinatura dos Acordos Gerais de Paz, em 1992, é o do Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos homens armados da Renamo. Lembre-se, o Acordo de Paz e Reconciliação de Maputo foi antecedido pela assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, celebrado pelos dois líderes, no dia 01 de Agosto, na Serra da Gorongosa, província de Sofala, com o objectivo de pôr fim aos ataques militares e, consequentemente, iniciar o processo de DDR.
Porém, passados 12 meses após a assinatura dos dois acordos de 2019, apenas 554 procederam à entrega das suas armas e, seguidamente, passaram à vida civil, dos cerca de cinco mil homens previstos no processo. Aliás, apenas duas bases foram encerradas, sendo que a primeira foi no Posto Administrativo de Savane, distrito de Dondo e a segunda em Muxúnguè, no distrito de Chibabava. Ambas se localizavam na província de Sofala.
O processo foi retomado no dia 04 de Junho e o término está previsto para o mês de Julho de 2021. O DDR ficou em “banho-maria” quase um ano, devido a constrangimentos de ordem financeira, conforme explicou o Chefe de Estado, no seu discurso, no dia da retomada. Por sua vez, o Secretário-Geral da Renamo, André Magibire, afirma que o processo está a correr normalmente e que o mês de Julho de 2021 é apenas uma “data indicativa”.
Referir que, em Julho passado, o Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, patenteou 10 antigos guerrilheiros da Renamo, que resultam dos consensos alcançados entre o Governo e aquela formação política. Os mesmos foram integrados na PRM, em Dezembro último.
Entretanto, ainda continua uma incógnita a integração dos homens da Renamo nos Serviços de Informação e Segurança de Estado (SISE). (A. Maolela)