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quarta-feira, 15 julho 2020 05:46

O drama das famílias afectadas pelo projecto da Green Resources

Cerca de 700 famílias das comunidades Meparara, Monapo-Lancheque, Namacucu e Messa no distrito de Ribáuè, na província de Nampula, estão mergulhadas numa extrema pobreza, devido à expropriação de extensas áreas de terra e sem as devidas compensações, estimada em pouco mais de 1050 hectares, pela empresa de capitais noruegueses Green Resources, para dar lugar ao projecto de plantio de eucalipto. Trata-se de uma área que era usada para prática de actividades agrícolas que sustentam milhares de pessoas.

 

A crise naquelas comunidades é, igualmente, extensiva a mais de 500 famílias do vizinho distrito de Mecúburi, reporta a Livaningo, uma Organização da Sociedade Civil moçambicana, que luta pela defesa do meio ambiente e bem-estar das comunidades. Desde o ano de 2010 a esta parte, as comunidades afectadas estão a fazer de tudo com vista a obrigar a Green Resources, empresa envolvida neste esquema fraudulento, a cumprir com as suas obrigações, sobretudo, no que diz respeito às compensações, através de uma campanha de advocacia encabeçada pela Livaningo.

 

A cedência da mencionada área foi na sequência de promessas falsas que não chegaram a ser cumpridas feitas pela empresa às comunidades-alvo. Nas comunidades afectadas, falta quase tudo, desde furos de água, estabelecimentos de ensino, unidades sanitárias, vias de acesso transitáveis, projectos de geração de renda, postos de trabalho, entre outras promessas feitas pelos representantes da Green Resources, logo no início do "namoro" aos locais.

 

Tudo que foi regulado por lei pelo Estado moçambicano, para dar lugar a empreendimentos económicos, nomeadamente consultas comunitárias, reassentamentos, compensações, responsabilidade social, entre outras, foi ignorado pela Green Resources, em conivência com alguns tomadores de decisão.

 

A Livaningo diz que o mais agravante é que grande parte das comunidades afectadas, se não toda, abandonou a produção da mandioca que era uma das grandes fontes de renda e tinha a Dadtco como compradora, para alimentar o fabrico da cerveja. Com a actividade, as famílias asseguravam uma receita mensal estimada em cerca de 10 mil Meticais por camponês.

 

Actualmente, para acomodar os interesses da indústria de madeira, a empresa cujos investimentos ultrapassaram os 100 milhões de USD até o ano de 2018, fundos do governo da Noruega, os agricultores afectados vivem apenas de mandioca ao pequeno-almoço e ao jantar e praticam agricultura em pequenas porções de terra e arrendadas pelas comunidades circunvizinhas.

 

Há dez anos, Julieta Amade, de cinquenta anos de idade, viúva e mãe de três filhos, residente na comunidade de Namacucu, que dista a 30 quilómetros da vila-sede do distrito de Ribáuè, na província de Nampula, era uma mulher estável, pois, a extensa parcela de terra que detinha, na companhia do seu marido ainda em vida, produzia a mandioca e outras culturas alimentares, para a subsistência da sua família, e tinha excedente suficiente que era colocado na comercialização, cujo rendimento se estimava em 10 mil Meticais/mês, decorrente das vendas.

 

Actualmente, recorre à agricultura para assegurar o sustento diário do seu agregado familiar composto por três filhos, numa parcela arrendada, e cujo pagamento é feito mediante a divisão da colheita. Por dificuldades financeiras, os três filhos foram forçados a abandonar os estudos. “Não sei ao certo a área, mas é uma porção de terra extensa, dividíamos para toda a família interessada, mesmo assim, não chegamos a explorar sequer toda e o resultado da produção vendíamos na localidade-sede de Namigonha, o centro de comércio do distrito de Ribáuè, e negociávamos a mandioca na Dadtco, empresa que fornece matéria-prima a Cervejas de Moçambique para a produção da Impala”, disse.

 

A mesma sorte teve Joaquina Viagem, mãe de cinco filhos e vive na comunidade de Lancheque, que perdeu pelo menos 30 hectares de terra, que, outrora, pertenceram aos seus ancestrais. A nossa interlocutora referiu que, depois da expropriação de suas terras pela Green Resources, as mesmas foram destruídas, na área que não era explorada, foram colocadas as plantações de eucaliptos. “Depois das plantas de eucalipto crescerem, apareceram alguns representantes da empresa, a fim de efectuar medições das machambas, assim como outras árvores, sob alegação de eventual compensação. Chegada a fase, o meu marido teve apenas dez meticais”, revelou com lágrimas.

 

Rosa Albino, da comunidade de Meparara, distrito de Ribáuè, disse que, no acto de apresentação da empresa, houve muita satisfação por parte da população local, que já sonhava com uma melhoria do nível de vida, a avaliar pelos projectos arrolados à margem da plantação, dentre a implantação de infra-estruturas sociais, económicas, etc, mas debalde. “No referido encontro, distribuíram-nos bolachas e sumos. Prometeram que pagariam muito mais pelas plantações que os custos de venda da mandioca a Dadtco. Ficaram com as terras e arrancaram com os trabalhos, e as compensações só aconteceram mercê a paralisação das actividades nas plantações”, contou, lamentando igualmente, os baixos valores praticados no processo, que variavam entre um metical e sete mil meticais.

 

“Faço machamba numa zona arenosa e o resultado nem chega para transitar para a seguinte época de produção”, precisou Rosa aos técnicos da Livaningo.

 

Albino Tarua e Gabriel Gasolina, líderes comunitários de Monapo/Lacheque e Messa, no distrito de Ribáuè, não escondem as suas frustrações, pese embora seja tarde demais para o efeito. “Não fomos corrompidos pelos representantes da empresa Green Resources como muitos pensam, mas reconhecemos que caímos numa armadilha ao nos deixarmos levar com as promessas que achávamos que iriam mudar para o melhor, a vida das nossas comunidades”, confessaram de forma unânime e asseguram que tudo farão para que a justiça seja feita.

 

Julieta Amade, Rosa Albino, Joaquina Viagem, Albino Tarua e Gabriel Gasolina são apenas rostos dos mais de 600 camponeses que fazem da agricultura a sua fonte de sobrevivência, todavia, estão com futuro comprometido por conta dos investimentos florestais de eucalipto que lhes usurpou a terra, sem o direito à compensação.

 

Leis de compensações e reassentamento ignoradas

 

Em Moçambique, o decreto 181/2010 e o regulamento 66/1998 estabelecem normas para o processo de expropriação. Entretanto, foram totalmente ignorados pelos que tornaram realidade o projecto de plantio de eucaliptos em Ribáuè e Mecúburi. Presentemente, as comunidades já estão a sentir o impacto negativo na sua produção agrícola, provocado pela monocultura, em grande escala de eucaliptos, cuja finalidade é abastecer a indústria de celulose e papel.

 

Dados colhidos pela Livaningo no terreno indicam que, para os camponeses que beneficiaram de compensação, os valores eram determinados pela empresa e o processo foi caracterizado por inúmeras irregularidades e injustiças. A organização lembra que a legislação moçambicana determina que cada agricultor deve receber uma compensação segundo as benfeitorias existentes na sua área, caso estivesse dentro do espaço que o Estado moçambicano concedeu à Green Resources, ou seja, deveriam recompensar com dinheiro estabelecido por lei pelo Governo, ou podiam ser fornecidas mudas. Por exemplo, a cada árvore abatida, a Green Resources devia dar aos afectados cinco mudas da mesma espécie.

 

Para o caso de casas pré-fabricadas, o tratamento seria outro. Primeiro, era preciso avaliar-se com as autoridades locais e distritais o tipo de habitação e, posteriormente, indemnizava-se o proprietário. Devido à complexidade do procedimento, o mesmo não devia envolver apenas a GR, mas também o Governo de modo a tornar legítimo o processo de compensação.

 

António Lagres, engenheiro agrónomo e pesquisador, defende que um dos impactos da plantação de eucaliptos ou de grandes cultivos de monoculturas é a degradação da terra, devido ao uso de produtos químicos para adubar os solos.

 

Para Lagres, o empobrecimento do solo não é o único problema decorrente do plantio, em grande e do eucalipto. A escassez e a redução da quantidade de água nos lençóis freáticos e a perda de biodiversidade são alguns dos efeitos ambientais imediatos. O acesso à água às comunidades afectadas pelo mencionado projecto, nos distritos de Ribáuè e Mecubúri, em Nampula, é precário, e tornou-se um drama comum vivido por milhares de famílias e, com o andar do tempo, o problema agrava-se.

 

Apercebendo-se destes problemas, as comunidades locais não baixaram os braços e têm vindo a fazer de tudo para que seus direitos sejam repostos.

 

A Livaningo apurou que, desde o ano de 2015, foram realizados vários encontros entre as comunidades, representadas pelos Comités de Gestão de Recursos Naturais (CGRN), líderes comunitári\\os, governo local, que teriam culminado em mais uma fase de compensação, mas em número muito reduzido.

 

Um dos encontros mais mediáticos relacionado a este braço-de-ferro teve lugar a 24 de Junho de 2019, em Ribáuè, e não produziu efeitos almejados. Face a isto, o administrador Emanuel Impissa sugeriu que a resolução do problema fosse transferida às estruturas de nível provincial, na pessoa do Governador.

 

A 27 de Dezembro de 2019, as partes reuniram novamente, representadas por um inspector de nível provincial do sector de Agricultura e Desenvolvimento Rural, chefe dos Serviços Distrital de actividades Económicas de Ribáuè, membros do CGRN. O representante da GR anunciou o seu abandono ao projecto devolvendo as terras aos legítimos proprietários.

 

Os relatórios confirmam, igualmente, um suborno a três membros do CGRN de Ribáuè, com 70 mil meticais desembolsado pela GR, com vista a viabilizar o projecto.

 

Governo e Green Resources não se pronunciam

 

Para nos inteirarmos das actividades desenvolvidas por aquela empresa no norte do país, procuramos sem sucesso o representante da Green Resources em Nampula, nos escritórios onde esta funciona. O local encontra-se constantemente trancado.

 

Nos distritos, existem apenas oito trabalhadores afectos como agentes de segurança, sendo dois em cada plantação, e um representante nos escritórios instalados na vila do distrito de Ribáuè que, à semelhança do seu director, pouco se faz aos escritórios. Aliás, os agentes de segurança confidenciaram-nos que todas as actividades foram transferidas para a vizinha província do Niassa, onde a GR desenvolve um projecto igual. Nos locais, deixamos os nossos contactos, mas até ao fecho desta edição não tivemos nenhum retorno para o efeito.

 

Ainda na cidade de Nampula, diz a Livaningo, no passado dia 23 de Junho, solicitamos uma entrevista ao Secretário de Estado, Mety Gondola, através do seu assessor de Imprensa Luís Massalo e este exigiu que arrolássemos os assuntos. Cumpridas estas formalidades, tudo estava assegurado, mas fomos informados que este anda com a agenda sobrecarregada.

 

Processo vai à Procuradoria da República em Nampula

 

Por seu turno, Saturnino Samo, Procurador da República afecto ao Tribunal Administrativo na província de Nampula, deslocou-se recentemente ao distrito de Ribáuè, tendo visitado duas das quatro comunidades afectadas pelo projecto de plantio de eucaliptos, nomeadamente, Messa e Lancheque. No local, Samo auscultou as vítimas, visitou algumas plantações e locais onde as populações praticavam as suas actividades agrícolas e ficou sensibilizado com a causa das comunidades, tendo prometido dar seguimento ao caso.

 

O magistrado sublinhou que o levantamento dos prejuízos causados às comunidades visa permitir a abertura de um processo judicial contra a Green Resources. “Há evidências mais que suficientes para o processo ter andamento, com vista à reposição dos direitos das comunidades”, anotou.

 

O levantamento em curso será adicionado a vários documentos inerentes a todo o projecto da Green Resources.

 

De referir que Green Resources A.S. (GR) é uma empresa de capital maioritário norueguês e desenvolve dois projectos de plantação de eucaliptos para a sua transformação em madeira nas províncias de Nampula e Niassa. O primeiro e o maior projecto é o Lúrio, no qual a firma já gastou, até ao momento, aproximadamente, 20 milhões de dólares norte-americanos, até 2018, estimava-se que o investimento viesse a atingir mais de 49 milhões de dólares.

 

O segundo é do Niassa, que incluía um valor adicional de processamento de madeira, fábrica de painel de fibras de média densidade (MDF). De acordo com as projecções iniciais, seriam alocados cerca de 13,8 milhões de dólares, para a expansão das plantações que iriam permitir sustentar as necessidades de matéria-prima da fábrica de MDF.

 

Os investimentos totais dos dois projectos, excluindo os custos de financiamento, ascendem aos 100 milhões de dólares norte-americanos. Estava igualmente prevista a criação de, aproximadamente, mais de 4.500 postos de trabalho e com contribuições directas em salários na ordem dos três milhões de dólares e de colecta de impostos e taxas (Segurança Social e IRPS) no valor de 720 mil meticais mensais, para além de projectos de responsabilidade social. (Carta)

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