Existem muitas vozes críticas (bancos comerciais, empresários, académicos, etc.), em relação à actuação do Banco de Moçambique (BdeM). Vozes em grupos restritos, encontram dificuldade de manifestação pública, porque por detrás da política monetária está o verdadeiro maestro, o Fundo Monetário Internacional. Também se refere ao caracter autoritário e arrogante do Governador.
Independentemente dessa constatação, deve prevalecer uma análise em relação à política monetária praticada em Moçambique, seja ela made in Washinhton (FMI) e/ou made in Mozambique (Banco de Moçambique) e suas formas e efeitos sobre a economia. O autor decidiu publicar este texto, não porque se espera alguma nova atitude dos críticos “subterrâneos”, ou alguma alteração à política monetária a la Chicago boys.
Fá-lo tão somente como dever de cidadania. Não se faz neste texto uma retrospectiva da actuação do Banco de Moçambique na era Zandamela. Seria demasiado exaustivo recuperar os processos relacionados com o MozaBanco (com ilegalidades, parte das quais denunciadas pela Comissão Central de Ética Pública), a violação da Constituição ao não publicar os relatórios de auditoria das contas de 2018 e 2019, o comportamento autoritário e exclusivista/sectário aquando da discussão do Fundo Soberano, a pressão ameaçadora junto das casas de câmbio e dos bancos acerca do controle cambial quando existem claros sinais do mercado para eminentes desvalorizações do Metical, ou quando foi o caso do SIMO.
Neste texto, apenas se abordam as medidas do BdeM relacionadas com o COVID-19. Destacam-se as mais importantes: primeiro, o Banco de Moçambique sabe bem que a redução das taxas de referência, ao nível em que estão, traduzem-se de forma insignificante em mudanças no comportamento das empresas e das famílias, relativamente às decisões de poupança, investimento e solicitação de crédito. Os bancos comerciais, em consequência dos sinais do mercado e por imposições do BdeM, reagiram pouco à descida das taxas de referência e incorporam na formação do preço do dinheiro, os altos custos de incerteza provocados pela volatilidade das taxas de câmbio e de juros e devido a imparidades de crédito.
O tecido económico, em momento de grandes riscos e incertezas, não é incentivado por reduções mínimas das taxas de juro, quando estas se mantêm muito elevadas. Mais, não é compreensível manter as taxas de juro (Prime Lending do Sistema Financeiro – PLRSF) ao nível em que estão, quando a inflação está baixa (diferenças de cerca de 10% ou mais, entre as taxas de referência e a inflação), que os bancos comerciais agradecem e somam lucros, muitas vezes, acima dos alcançados em momentos de não crise ou de crise de menores proporções.
Os bancos não reagem a essas decisões do Banco de Moçambique por quatro razões principais: (1) preferem, se necessário, ficar com liquidez alta, considerando os actuais riscos do contexto económico; (2) a relativa escassez de oferta monetária e as reservas obrigatórias dos bancos comerciais junto do BdeM (não remuneradas), esgotam-se com a procura de dinheiro dos sectores de actividade de maior lucratividade e de períodos curtos de retorno do capital; (3) adquirem bilhetes de tesouro que, embora com taxas de juro mais baixas, constituem um negócio de risco muito baixo; e, (4) os agentes económicos desses sectores transferem o custo do dinheiro para os consumidores, num mercado pleno de distorções.
Segundo, supondo-se, optimisticamente, que o BdeM, ao reduzir as reserva obrigatórias dos bancos comerciais pretendia estimular a procura de crédito pelo sector privado (por efeito de uma eventual redução da taxa de juros, devido a uma maior oferta monetária), não considerou que: (1) tanto os bancos como as empresas e famílias, são conservadores em realizar empréstimos, investir e consumir em momento de crise; (2) as medidas de precaução relacionadas com o COVID-19 provocam, necessariamente, uma forte retracção da economia, prevendo-se crescimento negativo para 2020 e, portanto, uma redução do mercado de capitais e de bens e serviços.
Ou, o que o BdeM pretendia realmente, era que houvesse maior liquidez para financiar o Estado através de sucessivas emissões de bilhetes do tesouro. Terceiro, o Banco de Moçambique informou a 22 de Março, da disponibilização de uma linha de crédito de 500 milhões de dólares, por um período de nove meses (até 31 de Dezembro de 2020), tendo depois passado para doze meses, para os bancos comerciais financiarem a importação de bens essenciais relacionados com a crise da pandemia gerada pelo COVID-19.
Porém, os empresários afirmam não saber como aceder a esses créditos que os bancos comerciais não utilizam em consequência das elevadas taxas de juro requeridas pelo BdeM (taxas de juro não bonificadas, isto é, “normais”) e, por outro lado, os importadores não sabem a que taxa de câmbio iriam comprar as divisas, considerando o actual risco cambial (depreciação do dólar). Deste modo, o Banco d Moçambique, como banco do Estado, transfere os riscos do contexto para os bancos comerciais e para as empresas, negligenciando os custos sociais da pandemia. Na realidade, as dificuldades de acesso a divisas para importações das empresas ou por necessidade dos cidadãos, aumentaram. Se não é uma decisão eficaz (devido aos procedimentos e às taxas de juro), será de marketing publicitário?
Finalmente, o BdeM aumenta as reservas em moeda externa. Por um lado, diz disponibilizar divisas (500 milhões de dólares), e, por outro, aumenta as reservas externas, agravando a escassez de divisas no mercado. Em conclusão, o metical entra em processo de depreciação contínua e acelerada, dificultando as importações. Esperava-se, como aconteceu em vários países, que o Banco de Moçambique injectasse moeda na economia, seja por via do Orçamento do Estado para que este desempenhe algumas funções de suporte da crise, ou através de outros mecanismos públicos, privados e da sociedade civil, para amortecer os efeitos no rendimento das famílias em que pelo menos um membro tivesse ficado desempregado ou directamente com linhas de crédito especiais com taxas de juro bonificadas, para apoiar as empresas que produzem bens e serviços essenciais no contexto da pandemia.
Em contrapartida, o FMI aprovou um financiamento de 309 milhões de dólares para Moçambique fazer face a custos relacionados com o COVID-19 (que já chegaram a Maputo), e suspendeu temporariamente o pagamento de 15 milhões de dólares referentes a serviços da dívida moçambicana. O Banco Mundial e outras organizações financeiras internacionais, prestam apoios de emergência e, alguns países doadores, em consideração aos sacrifícios dos cidadãos e à incapacidade do país, cedem perante a decisão de não apoiar directamente o Orçamento do Estado.
Alguns desses apoios já chegaram a Maputo, mas os verdadeiros destinatários da ajuda (o povo, os trabalhadores desempregados e as empresas), não estão a beneficiar. Em resumo: (1) foram tomadas medidas que pretendiam aumentar a oferta de dinheiro, mas sem redução da taxa de juros em contexto de retracção da economia e, portanto, em momento de redução do investimento e do consumo.
Resultado: não há incremento da procura de dinheiro e o efeito desejado não se verifica; (2) foram anunciadas medidas supostamente para facilitar as importações de bens essenciais com uma linha de crédito especifica de 500 milhões de dólares descompensada com aumento das reservas em divisas e sem redução significativa da taxa de juros.
Resultado, o acesso a divisas diminuiu, os bancos comerciais retraem-se na venda de divisas (possivelmente por razões especulativas aguardando a evolução da taxa de câmbio) e o Metical desvalorizase, reforçando as dificuldades de importação e no pagamento do serviço da dívida; (3) não foi injectado dinheiro para apoiar as empresas e amortecer os efeitos sociais negativos da pandemia. Como resultados finais, há uma menor actividade económica, menos importações de bens essenciais (retracção da economia e menor procura) e mais sacrifícios dos mais pobres. Uma política monetária recessiva em momento de crise económica, o que é contra o que os manuais de economia afirmam.
É conhecido que políticas recessivas dificultam a saída da crise e reduzem a capacidade de intervenção do Estado na criação de incentivos e subsídios, no investimento público com criação de emprego e na geração de um ambiente de expectativas para o investimento privado e a retoma da actividade económica. Ou, como deve defender o BdeM, seguindo as teorias do pensamento económico liberal, as crises ultrapassam-se através dos mecanismos dos mercados.
Parece evidente que as recentes medidas do Banco de Moçambique relacionadas com o COVID-19, produzem efeitos contraditórios e, consequentemente, anulam-se mutuamente. Os objectivos do discurso do BdeM não estão sendo alcançados e, por isso, podem-se considerar de ineficazes. O Banco de Moçambique tem sido religiosamente dogmático e muito fiel ao princípio chicaguense e do FMI, sobre o controle religioso da inflação e muito assertivo na defesa do poder, mesmo tolerando um Estado despesista, ineficiente e ineficaz (“males menores” no contexto moçambicano).
Salve-se o poder e a inflação, com sacrifícios da economia, do país e da maioria do povo! Porém, independentemente das (in) coerências do BdeM (gostando-se ou não), os efeitos produzidos pelas medidas recentes do BdeM, em contexto de crise, são razões mais que suficientes para questionar a gestão do Banco de Moçambique sem ou com licença dos senhores buro-tecnocratas do FMI. Não sei nem me interessam as características de personalidade do senhor Zandamela, mas sei que, o que está decidindo, de forma independente ou não, é lesivo a Moçambique e aos moçambicanos, sobretudo aos mais pobres.(João Mosca, Economista no Observatório do Meio Rural)