Desde que os ataques a Cabo Delgado começaram com aquela sangrenta incursão em Mocímboa da Praia a 5 de Outubro de 2017, uma dúvida pairou no ar: quem eram os autores? Apressadamente, com base em suas evidências circunstanciais, a população local deu-lhes um rótulo: Al Shabab. Alguns autores não ficaram convencidos, sobretudo com a perspectiva da “islamização” dos ataques. Outros captaram, em seus estudos, uma súmula de factores por detrás da chamada insurgência: pobreza, exclusão social, marcadamente factores de ordem interna, assentes em assimetrias e desigualdades sociais, o rastilho fértil para o ascendente caos.
Por sua vez, o Governo moçambicano andou também perdido numa dificuldade: a identificação do inimigo. Só nas últimas semanas, o Governo (Filipe Nyusi) assumiu que se tratava de agressão externa. A posição do nosso Conselho Nacional de Defesa e Segurança não foi muito detalhada, mas ter-se-á baseado numa declaração das Nações Unidas sobre a temática, emitida em Março de 2020, e relevada em primeira mão por Carta de Moçambique (ONU diz que propaganda dos insurgentes combina imagens de Moçambique, RDC e Somália, no passado mês de Fevereiro.
Nessa nota, o Conselho de Segurança das Nações Unidas estabeleceu que os ataques terroristas em Moçambique eram resultado da expansão do califado do ISIS para África, no quadro do estabelecimento da chamada Islamic State Central Africa Province (da qual fariam parte o Congo, a Tanzania e a Província de Cabo Delgado).
Esta perspectiva é disputada no recente estudo do Christian Michelson Institute, de Bergen, cujo extracto publicamos nesta edição, com a devia vénia. Amanhã leia, aqui na “Carta”, os argumentos que apontam para a mesma perspectiva da ONU: a de que Moçambique foi apanhado na trama do ISIS, que determinou África como a nova fronteira global do califado.